O Público dos sábados costumava valer pelo "Mil Folhas" que, às vezes, calha valer por uma ou outra recensão, sugestão de leitura ou entrevista da Alexandra Prado Coelho (que, imaginem, faz de Carolina no Manhã Submersa do Lauro António!?). Agora passou a valer muito mais. Por causa das crónicas brilhantes do, "pobre e mal agradecido", Rui Tavares. A desta semana, por exemplo, sobre o Pacheco Pereira como "mãe de Bragança" cheio de ciúmes da atenção mediática dada ao futebol e ao Mundial, é impagável. A frase certeira, o raciocínio acerado, o estilo simples e plástico, mas refinado, evidentemente erudito e perpassado de ironia, fazem do novel cronista um caso à parte no panorama dos colunistas que eu conheço. E, pormenor importante, é de esquerda! Dele, já li o "insolente", "polémico", "delirante", em suma, extravagante livro que dá nome ao seu blogue (há, talvez gostes de saber, J., um texto sobre alguns romances do "Senhor Murakami"...); estou, agora, a meio d' O Pequeno Livro do Grande Terramoto, merecedor, com efeito, de todos os elogios que recebeu o ano passado. Só para dar um exemplo da excelência desta prosa:
"Diz-se que trinta segundos de abalo sísmico parecem, à pessoa que os vive, intermináveis. Mas vieram trinta segundos e passaram trinta segundos, e mais trinta e mais trinta. A determinada altura o abalo deteve-se por um pouco, permitindo uma certa respiração aos lisboetas. Mas esta interrupção, e mesmo uma segunda, duraram apenas alguns segundos. O regresso dos abalos era mais forte ainda e a reacção das pessoas, que no primeiro embate parece ter sido mais de espanto, deve ter passado rapidamente ao pânico. O que se passava afinal? Os sismos fortes em Lisboa não eram tão comuns que permitissem a uma geração ter disso memória recente. Havia, evidentemente, uma reminiscência colectiva do terramoto de 1531 - o outro grande terramoto de Lisboa -, mas 1531 estava a uma distância quase tão grande como a que nos separa de 1755." (pp. 75/76)
Captação do pormenor significativo. Olhar objectivo e subjectivo sobre os acontecimentos. Oscilação entre a referência individual e a colectiva. A relação do passado com o nosso presente. Etc. E assim se descobre mais um autor (de resto, os Tavares, Rui ou Gonçalo M., estão em alta no panorama literário português!). Que nos afasta do futebol (não vi de novo a Espanha...) sem precisar de dizer mal dele. Basta ter talento e escrever com um prazer tão evidente que é difícil resistir-lhe. Bola ao centro. Entrem no jogo. E aproveitem!
"Diz-se que trinta segundos de abalo sísmico parecem, à pessoa que os vive, intermináveis. Mas vieram trinta segundos e passaram trinta segundos, e mais trinta e mais trinta. A determinada altura o abalo deteve-se por um pouco, permitindo uma certa respiração aos lisboetas. Mas esta interrupção, e mesmo uma segunda, duraram apenas alguns segundos. O regresso dos abalos era mais forte ainda e a reacção das pessoas, que no primeiro embate parece ter sido mais de espanto, deve ter passado rapidamente ao pânico. O que se passava afinal? Os sismos fortes em Lisboa não eram tão comuns que permitissem a uma geração ter disso memória recente. Havia, evidentemente, uma reminiscência colectiva do terramoto de 1531 - o outro grande terramoto de Lisboa -, mas 1531 estava a uma distância quase tão grande como a que nos separa de 1755." (pp. 75/76)
Captação do pormenor significativo. Olhar objectivo e subjectivo sobre os acontecimentos. Oscilação entre a referência individual e a colectiva. A relação do passado com o nosso presente. Etc. E assim se descobre mais um autor (de resto, os Tavares, Rui ou Gonçalo M., estão em alta no panorama literário português!). Que nos afasta do futebol (não vi de novo a Espanha...) sem precisar de dizer mal dele. Basta ter talento e escrever com um prazer tão evidente que é difícil resistir-lhe. Bola ao centro. Entrem no jogo. E aproveitem!
1 comentário:
Também gostei da crónica, depois emprestas o livro ;-)
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