4.6.07

Segue a viagem

A ponte é um lugar de passagem, como quase todos. Alguns apagam-se do mapa, inundados pelas águas de uma albufeira, arrasados por uma explosão, terraplanados. Outros esvaziam-se de vida mas ficam cheios de sombras e memórias. Aqui fica um ano e picos. Foi o que foi. Do bom e do menos bom. Alguns encontros, reencontros, pistas, desabafos, versos, reversos, bandas sonoras e janelas. Segue a viagem. Um abraço largo para quem se foi sentando à volta da mesa.

(Jota, Lp, PB)

3.6.07

1.6.07

Blur : Coffe and TV

Sigur Rós : Glosoli, Reykjavík concert

Godspeed You Black Emporer : The Dead Flag Blues

Slowdive : Ballad Of Sister Sue

M83 - America

M83 - Safe

Franz Ferdinand : Walk Away

Franz Ferdinand : Take me out

Interpol : Evil

Interpol : The New

Interpol : Obstacle 1

Interpol : Cmere

Interpol : Slow hands

Últimos poemas*

1. Prazo de validade

(cf. Sá de Miranda)

Consumar o poema
pois o sol é grande,
de preferência antes
que co' a alma caiam
as aves, tudo arda.


***


2. Política de saúde pública

Conservar o coração
ao abrigo da luz & das trevas,
em local fresco, bem arejado,
totalmente fora do poema,
só ao alcance da visão
nocturna das crianças.



*Do livro inacabado Transportes Púbicos.


(Foi um prazer).

31.5.07

Diz Construção

(últimos episódios)

1 poema de W.H. Auden


O Cidadão Desconhecido

(A JS/07/M/378 o Estado ergueu este Monumento de Mármore)

Segundo apurou o Instituto de Estatística
Contra ele nunca existiu qualquer queixa oficial,
E todos os relatórios sobre a sua conduta confirmam:
No moderno sentido de uma palavra velha, ele era um santo,
Pois em tudo o que fez serviu a Grande Comunidade.
Com excepção da Guerra e até ao dia da reforma,
Trabalhou numa fábrica e nunca foi despedido;
Sempre satisfez os seus patrões, Máquinas Fraude, Lt.dª.
Mas não era fura-greves nem tinha opiniões estranhas,
Pois o Sindicato informa que sempre pagou as quotas
(E o seu Sindicato tem a nossa confiança),
E o nosso pessoal de Psicologia Social descobriu
Que ele era popular entre os colegas e gostava de um copo.
A Imprensa não duvida de que comprava um jornal por dia
E que as reacções à publicidade eram cem por cento normais.
Apólices tiradas em seu nome provam que tinha todos os seguros,
E o Boletim de Saúde mostra que esteve uma vez no hospital e saiu curado.
Tanto o Gabinete de Estudo dos Produtores como o da Qualidade de Vida declaram
Que estava plenamente sensibilizado para as vantagens da Compra a Prestações
E tinha tudo o que é preciso ao Homem Moderno:
Um gira-discos, um rádio, um carro e um frigorífico.
Os nossos inquiridores da Opinião Pública alegram-se
Por ter as opiniões certas para a época do ano;
Quando havia paz, ele era pela paz, quando havia guerra, ele ia,
Era casado e aumentou com cinco filhos a população,
O que, diz o nosso Eugenista, era o número certo para um pai da sua geração,
E os nossos professores informam que nunca interferiu com a sua educação.
Era livre? Era feliz? A pergunta é absurda:
Se algo estivesse errado, com certeza teríamos sabido.

(1939)

Sobre W.H. Auden.

(Tradução de João Ferreira Duarte, in Leituras: poemas do inglês, Relógio D'Água, Lisboa, 1993, pp. 19-20).

30.5.07

Outro poema*

Obras no metro

Pedimos desculpa,
senhores passageiros.
Prometemos ser breves.
Todos. Sob a terra.


*Transportes Púbicos, livro, blá...

1 poema*

Terminal


Fora de serviço.
Mantenha a calma.
Dirija-se ao poema
automático mais próximo.


*Do livro Transportes Púbicos (etc.)

A treta do costume ...

80%
12,8%
... afinal em que é que ficamos?????
Já era altura de se acabar com esta guerrinha
de números completamente imbecil ...

29.5.07

Outro poema*

Greve geral


A luta continua.
Preciso de encontrar
com a máxima urgência
o transporte alternativo
que me leve às cordas
o coração pugilista.


*Do livro, por escrever, Transportes Púbicos.

1 poema*

Duas definições de amor


Lapso da língua,
colapso do poema.


*do livro inexistente Tansportes Púbicos.

Dizzy Gillespie on The Muppet Show

The Doors : Touch Me

27.5.07

1 poema de Jaroslav Seifert


Poeta checo, Jaroslav Seifert nasceu em Setembro de 1901. Foi jornalista. Proveniente do meio operário, militou no partido comunista até ser expulso, em 1929, por se manifestar contra o endurecimento da linha política partidária. A sua obra evoluiu de uma poesia política e "proletária" para um lirismo mais livre e melancólico. Mais tarde, em 1967, foi considerado "artista nacional". No entanto, logo depois da invasão russa da Checoslováquia, em 1968, seguiu a via da dissidência. Foi um dos autores da famosa Carta de 77. Prémio Nobel em 1984. Morreu em 1986. Apresento, aqui, um poema seu, retirado da Anthologie de la Poésie Tchèque Contemporaine, edição Gallimard, da responsabilidade de Petr Král. As breves informações bio-bibliográficas sobre o autor foram retiradas dessa mesma fonte (pp. 356-357).



Concerto de Bach

De manhã nunca dormi muito tempo;
os eléctricos acordavam-me
tal como os meus próprios versos.
Arrancando-me da cama pelos cabelos
eles arrastavam-me até à cadeira
e obrigavam-me a escrever
assim que tinha acabado de esfregar os olhos.

Religado por uma doce saliva
aos lábios de um instante singular
eu não pensava de maneira nenhuma
na salvação da minha alma miserável;
mais do que um eterno bem estar
eu desejava um breve momento
de prazer efémero.

Levantavam-me em vão os sinos do solo;
eu aderia-lhe com os meus dentes, as minhas unhas.
Ele estava cheio de perfumes
e de segredos provocantes.
Quando, de noite, eu olhava o céu
não era o céu que procurava.
Assustava-me muito mais com os buracos negros
escancarados algures no fundo do cosmos
e ainda mais assustadores
que o próprio inferno.

Mas eu pude escutar os sons do cravo.
Era um concerto
de Johan Sebastian Bach
para oboé, cravo e instrumentos de cordas.
De onde provinha? Ignoro-o.
Mas não era do solo.
Ainda que então não tivesse bebido vinho
eu cambaleava ligeiramente
e tive de me prender com grampos
à minha própria sombra.

(1983)

(versão minha, a partir da tradução francesa de Petr Král na citada Anthologie de la Poésie Tchèque Contemporaine: 1945 - 2000, Gallimard, Paris, 2002, pp. 29-30).

Um dos lados para que durmo pior

O lado para que durmo melhor

O do coração.

(depois de ler Carlos de Oliveira).

Aquele que sobrevive para contar a história

Ontem passei o dia no coração do deserto.

Coração Mineral

(Uma pedra sobre o assunto)


"Oxalá eu este insensível eu sentisse o que decerto sentem
essas coisas sensíveis e sentimentais
que são os impassíveis implacáveis minerais"

(Ruy Belo, in Meditação Montana, Todos os Poemas II,
Assírio e Alvim, 2004)



26.5.07

Beleza & resistência

Ouvimos apenas os versos finais de Romeu e Julieta. Não vemos imagens da tragédia. A câmara vai mostrando, um a um, os rostos de algumas mulheres iranianas que vêem o filme, em lágrimas, numa pequena sala de cinema. São rostos de uma beleza absoluta: mulheres de várias idades que cobrem os cabelos com lenços ou mantos, mas que revelam a alma em frente ao nosso olhar. A sua comoção comove-nos. E é tudo.

("Onde está o meu Romeu?", episódio de Abbas Kiariostami para o filme colectivo Chacun son Cinéma, obra produzida para celebrar os 60 anos do Festival de Cinema de Cannes. Exibido hoje à noite no canal Arte).

Apenas Uma Palavra

Tantas vezes, construímos uma cidade imensa de frases bem entrelaçadas, ideias fortes e alguns parágrafos arranha-céus. Um dia, tudo desaba num “silêncio demorado onde cabe o mundo”. Desse chão, escolhemos apenas uma palavra semente. E recomeçamos.

Devo : Satisfaction

New Order : Blue Monday



Em memória da minha Mãe.

Art of Noise (with Max Headroom) : Paranoimia

25.5.07

Elizabeth Fraser (Cocteau Twins) - This Love

Inverno


(Nigel Kennedy, Vivaldi, As Quatro Estações - Inverno, 3º andamento)

24.5.07

Sigur Ros : Untitled 1

Para uma amiga, R.

23.5.07

Fala do autor deste post

Não gosto que as músicas terminem em fade out. Gosto de finais claros, mesmo que fiquem em aberto. Aliás, meu anjo, devia ser tudo assim.

Fala do anjo DJ

No lado A, gravei-te alguma pop celestial. No B, o teu destino.

(Numa rua de Lisboa)

Dead Can Dance : The Host Of Seraphim

Lisa Gerrard : Sanvean (I am your shadow)

22.5.07

Robert Duncan, um poema


Entre os meus amigos

Entre os meus amigos o amor é uma grande tristeza.
Tornou-se um fardo diário, um festim,
uma guloseima para loucos, uma fome para o coração.
Visitamo-nos uns aos outros perguntando, dizendo uns aos outros.
Não ardemos intensamente, questionamos o fogo.
Não caímos para a frente com os nossos rostos vivos
e ardentes olhando para dentro do fogo.
Fixamente olhamos para dentro dos nossos próprios rostos.
Tornámo-nos as nossas próprias realidades.
Procuramos esgotar a nossa absoluta incapacidade de amor.

Entre os meus amigos o amor é uma questão dolorosa.
Procuramos entre os rostos que passam
a face da esfinge que apresentará o enigma.
Entre os meus amigos o amor é uma resposta a uma questão
que não chegou a ser colocada.
Por isso coloquemo-la.

Entre os meus amigos o amor é um pagamento.
É uma dívida antiga cujo valor foi gasto de forma idiota.
E continuamos a pedir emprestado uns aos outros.
Entre os meus amigos o amor é um salário
que qualquer um pode receber para ter uma vida honesta.


Robert Duncan (1919-1988).

(versão minha, com colaboração de C. e de C., e dedicada a J. e a PB.; in City Lights Pocket Poets Anthology, ed. Lawrence Ferlinghetti, City Lights Books, San Francisco, 3ª ed., 1997, p. 44).

Laurie Anderson : O Superman

Brian Eno : Engage

Brian Eno : Stop, Watch

Brian Eno & David Byrne : America Is Waiting

Brian Eno & David Byrne : Mea Culpa

Harold Budd & Brian Eno : The Plateaux of Mirror -1980

Jogos de Cama

Elas são muito pálidas. Têm os lábios pintados de vermelho. Vestem roupas um pouco fora de moda. São três e olham na minha direcção. Para além de Jogos de Cama, a montra da loja de atoalhados anuncia também Jogos de Banho e Jogos Turcos. Elas nem pestanejam, sedutoras glaciais da clientela do comércio tradicional.


Prova

Hoje a notícia é ele. E mais 250 mil como ele.

Semyon Kirsanov, um poema


O novo coração


Ando ocupado!
Ando a construir
um modelo de um coração
inteiramente
novo!

Um coração
para o futuro: com o qual sinta
e ame. Um coração
com o qual compreenda os homens:

E que me diga também quem
devo livremente
cumprimentar com a minha mão -

e a quem
nunca deverei
estendê-la.


Semyon Kirsanov (1906-1972).


(versão minha, revista e corrigida, feita a partir da tradução para o inglês de Anselm Hollo, in City Lights Pocket Poets Anthology, ed. Lawrence Ferlinghetti, City Lights Books, San Francisco, 3ª edição, 1997, p. 81).

21.5.07

Terreiro do Passo

(Foto: J)

"Eu passo, recolho da rua minha vida, meu deus
Eu vejo, está ali pra quem quiser ver
Eu creio, eu invento e tento não enlouquecer

Eu vim pra confundir
Pra dividir o seu olhar
Eu vim pra distrair sua atenção

Você só precisa de um momento sem razão
Eu sei que agora está se perguntando
Quem é esse cara
Que pensa que sabe
Que acha que pode adivinhar? (...)"

Márcio Faraco, "Baile de Máscaras", Ciranda, Universal Music Jazz France, 2000
Esta semana, no Santiago Alquimista, em Lisboa

Estreitar margens num abraço

(Ponte das Três Entradas)

Chego-me à ponte, sobre este rio dos afectos. Digo parabéns, uma, duas vezes.


20.5.07

Jogar em Casa (nota final)

As coisas correram como previsto. Goleada de amizade. E sobremesa.

Jogar em Casa

Fiquei muito satisfeito com o facto dos meus dois grandes amigos (muito) benfiquistas terem aceite o desafio, apesar de, por cá, não haver Sport TV. Combinámos: vemos a dinâmica equipa do Sporting na TVI, com o som da rádio a mostrar a evolução de todos os marcadores. Muito bem. Caprichei nos tremoços e nas cervejas (e mais uns mimos) para que ninguém desanime se as coisas correrem como previsto.

Nota – Rapazes, não sei se ainda vou a tempo: se aparecerem com muita parafernália clubística, corto na sobremesa, claro.

Se as árvores falassem

Ficariamos de todas as cores.
(Chuviscando, numa esquina de Lisboa)

100 Anos






















Hergé, Georges Prosper Remi 22 de maio de 1907, Etterbeek - 3 de março de 1983, Bruxelas

Fala do carpinteiro madrugador

As amplitudes térmicas são o diabo. Pior, só as atitudes térmitas.

Afirma M.

"Tenho dúvidas que seja para construção. Se fosse para construção, estariam a fazer buracos para as fundações dos prédios. Ora o que vemos são os camiões a trazer terra. Estão a endireitar o terreno. Parece-me que deve ser para comércio. Fazem uma plataforma toda direita e montam as peças tipo-lego, estás a ver? Se der dá, se não der, arrumam e vão para outro sítio. Cá estaremos para ver."

(M., pedreiro reformado, setentas e tais, sobre as obras na Quinta do Cobra, já praticamente irreconhecível e delimitada por uma cerca metálica.)

19.5.07

Se as estátuas falassem

Ficariamos mudos de espanto.

(Rossio, Lisboa)

Duas Fotografias Sobrexpostas


Desejo a Crédito


ombros sem conta
a descoberto

deposito um
beijo que escalda


Exercício Físico

a silhueta de
(uma bicicleta no tejadilho)
calções justos
na medida
em que pernas
para que te quero


18.5.07

Vinil


No dia dos museus, uma sugestão via "Ípsilon"(pp.32-33): No Tempo do Gira-Discos, exposição no Museu da Música, em Lisboa, comissariada por António Tilly e João Carlos Callixto, "esse amante incansável e minucioso da música" nacional, como já aqui se escreveu. Agora que a colecção 50 Anos de Música Portuguesa, do Público, se aproxima do fim, esta é uma oportunidade de fazer nova viagem ao passado para confirmar pistas e (re)abrir caminhos sonoros. Eu já marquei na agenda a visita guiada com/pelo João. Bute?

17.5.07

El Laberinto del Fauno : Guillermo del Toro, México, 2006

Viagens


Todos os caminhos vão dar a Roma...


Precisas de uma certidão de nascimento do teu filho. Diriges-te à Conservatória e apresentas o teu pedido. A funcionária, calma e simpaticamente, faz e apresenta-te a fotocópia da página certa do Livro de Registos. Com o respectivo selo branco. Depois dá-se o seguinte diálogo (que se deve repetir dia após dia):
- São 8 euros.
- Desculpe, disse 8 euros? Por uma fotocópia?
- Sim.
- São caras, aqui, as fotocópias!
- É assim. Temos de contribuir para o Produto Interno Bruto. Já estamos com um crescimento de 2 por cento!
Portanto, é assim.
Descontas a ironia, pagas e sais. Tão simples como isto. Ou tão simplex. Ou tão Brutus (também tu!)

Construção Embargada

Sim, talvez não me falte o pão fresco – o que não é pouco, não é pouco –, mas faltam-me as forças para dobrar a realidade entre os dedos. Queria escrever sobre as espigas e Lisboa; sobre as minhas máscaras e o homem que acredito ser; sobre as mulheres que amei e aquelas que espreito, em trânsito, pelo retrovisor, enquanto sorriem ao telemóvel ou ajeitam cabelo; sobre o mundo que (eu sei) é um espanto doloroso e belo. Sem alegria para o gesto simples, rotina de ofício, nem mesmo para o puro abandono. Edital ambulante, uma sombra.


Radiohead : Knives Out

The Stranglers : Golden Brown

The Stranglers : La Folie

Carnivàle : I've Sin ...

16.5.07

Compay Segundo : Chan Chan

Hasta Siempre Comandante Che Guevara



Buena Vista Social Club


Soledad Bravo

Gustavo Santaolalla : De Usuahia a la Quiaca

Erik Satie : Gymnopédie N1 (2)

Folhas de Pó

para memória futura


Com dois vincos, dobrávamos o sonho em três. Festejávamos cada instante como se fosse o primeiro. O rio fez-se rápido, cada um a seu ritmo. Perguntaste porquê, uma, duas vezes. Pensei que tinha a resposta dentro de mim mas ela sempre esteve no rio. Salmões cheios de urgência antiga (é por ali, é por ali), lâminas pétreas, a frescura da água, troncos à deriva, alguma espuma, folhagem, frutos. Um dia, a calma curva de uma enseada reuniu-nos nesta margem, onde estendemos o sonho na erva. Discutimos o que fazer com ele, anoitecendo fogueira. Dizemos que queremos. Construir: dobrar a realidade entre os dedos. Anoitecendo, à fogueira, sombras bailarinas. Dançamos com elas?

Seguimos viagem, sabendo que não é possível mergulhar duas vezes na mesma exacta transparência.


O Papel e a Maçã

para o meu amigo PB


A música, a traço fino. Marcadores, de memória.
South Side Story a tinta-da-china. Um grupo de formigas carrega um lápis pelo estirador, em passos minúsculos mas muito rápidos (tic-tic-tic-tic-tic-tic), e desenha uma dentada. Muita pinta, pá!


Colheita Bilingue

para o meu amigo LP


Horas extraordinárias. Oficina de prazer. Traduzir um verso, como quem decifra chocolate e framboesas num tinto encorpado e misterioso. Esboçar um corpo, como quem degusta o néctar de um poema com final de boca prolongado.


15.5.07

Bobby Mc Ferrin & Yo Yo Ma : Ave Maria

Bobby McFerrin : Pink Panther

Hi - Hola - Hello - Olá ...

Asco

Uma rapariga de 17 anos, um milhar de homens, muitas pedras.

Segundo alguns relatos, durante o festim tradicional, um homem tapou as pernas da rapariga com um casaco. Que falta de decoro, as pernas assim à mostra, terá pensado o guardião dos bons costumes, salivando a vingança sanguinolenta.


As imagens, gravadas no local e depois colocadas na Internet, são uma faca de dois gumes. Um inaceitável registo, com eventuais propósitos exemplares mas, ao mesmo tempo, um testemunho do horror que deve repetir-se, tantas vezes, longe das câmaras dos telemóveis e dos nossos incrédulos olhares.


Por quanto tempo nos lembraremos da sombra de Dua Khalil Aswad?

12.5.07

Largar Amarras


(Fausto, Navegar, Navegar)

Santa genialidade (versão "saber de experiência feito")


(P., quase 5 anos, em diálogo com a mãe, enquanto passa na televisão O Diário de Bridget Jones)

"Os homens só pensam nas raparigas. E as raparigas só pensam nos homens."
"Ai é?"
"É."
"E como é que tu sabes isso, filho?"
"Sabendo."

Love Will Tear Us Apart Again


À atenção dos interessados: apenas alguns acordes de outra re-invenção de uma grande canção. Aqui.

Esta noite

Desfaz-se, quando lhe toco. Torrões, raízes, o cadáver de um desejo. Uma ínfima pulsação: a luz rasgando as trevas ou a sombra estrangulando a luz. Seja como for, um lugar-comum. Tal como, lá em baixo

uma música de sopros hidráulicos, batidas metálicas, vidros estilhaçados, um amarfanhar pastoso. É isto: lixo orgânico e mais qualquer coisa.

11.5.07

Marianne Faithful : As Tears Go By (1965)

David Bowie : Space Oddity (Original Video 1969)

Bom dia, Björk!

Acordar, assim, (ao) vivo, em Nova Iorque. A apresentação do novo disco da cantora islandesa, com Antony e outros amigos. O mundo imenso, minúsculo, espantoso. Mais uma boa pista sound+vision.

10.5.07

Sérgio Godinho : A Noite Passada

Elegia pela Quinta do Cobra

Foi o lugar da descoberta do prazer de roubar fruta. De tirar a casca às laranjas, limpar a pele das peras, e devorar tudo, com o sumo a escorrer pelo queixo abaixo. Foi o lugar das primeiras fugas, ao som de tiros de caçadeira para o ar ("Ah, filhos da puta, se vos apanho dou-vos uma carga de porrada!"), pernas para que vos quero. Foi o lugar das pedradas aos pássaros, das correrias, dos esconderijos, da crueldade, das nódoas negras por causa dos cromos da bola. Das disputas sobre quem lança mais alto, mais longe, mais forte o jacto de urina. Das cicatrizes inesquecíveis, dos primeiros cigarros, das primeiras bebedeiras, das primeiras ganzas, desilusões & dissidências. A casa já estava em ruínas, vai para anos. Hoje começaram as terraplanagens: alisar o que era acidentado, esventrar, entubar, parece que este pedaço de terra ficou, de súbito, doente. Onde havia hortas e pomares, haverá ruas, passeios, carros. E prédios, mais prédios. E haverá pessoas nesses prédios. Chegarão a casa, ligarão a televisão ou o computador. Farão o jantar, amor se for dia disso, dormirão bem ou mal. É assim, será assim: os alicerces dos prédios vão assentar sobre a terra. E os ossos da nossa inocência ficarão ainda mais soterrados debaixo do peso do betão.

China Blue


(Imagens do documentário China Blue, de Micha X. Peled, 87', EUA 2005)

Quanto custam, realmente, as calças de ganga que temos vestidas? Quanto custam a quem as faz, sem regras de trabalho, sem tempo para dormir, sem tempo nem dinheiro para viver? O filme, que foi projectado no DocLisboa do ano passado, passa amanhã no Jardim da Estrela, em Lisboa, integrado na programação do Fórum de Comércio Justo. Como já tinhamos sido alertados, em boa hora, também há debates, música, jogos, histórias e sabores do mundo.

Cálculo da Felicidade

1.

“Estavas tão linda, naquela fotografia! Com 54 anos eras 1 mulher de fazer parar o trânsito!”. A voz aveludada, nocturna, é de 1 homem, diria 60s e tais, ao telemóvel, sozinho, na entrada de um prédio.

2.

Vêm pela rua, com mochilas e roupas largas. Falam alto dos mecanismos de comunicação online. Quando nos cruzamos, 1 das amigas garante às outras 2, com entusiasmo: “Eu tenho 271 amigos!”.

3.

Colocou na Internet a petição de casamento à namorada. Espera reunir "10.000 assinaturas de apoio, oficiais, até ao Verão". Escreve, no email: “Isto não é spam. Passem palavra, com muito amor.”

8.5.07

Tom & Jerry (excerto do episódio 7361)

(Tom: 9 anos; Jerry: 4 anos)
(...)
Tom - O brinquedo é meu!
Jerry - Mas eu quero. Dá-mo!
Tom - Nem penses!
Jerry - És mau, não gosto de ti!
Tom - Deixa-me em paz.
Jerry - Vou dizer ao pai.
Tom - Então vai, ó queixinhas.
Jerry - Queixinhas és tu, parvo.
Tom - Pai, o mano chamou-me parvo.
Jerry - Não chamei nada!
Tom - Chamaste sim!
Jerry - És mentiroso!
Tom - Tu é que és.
Jerry - Pai, o mano chamou-me mentiroso.
Tom - Pai, é mentira.
Jerry - Dá-me o brinquedo.
Tom - O brinquedo é meu!
(...)
E assim, todos os dias, com emissão especial aos fins de semana, até adormecerem. Como dois anjos.

UNKLE [Ian Brown] - : - Be there

Banda Sonora

Primavera, Verão: uma menina corre pela calçada com uma flor amarela a domesticar o cabelo cavalinho. Bate com as sandálias brancas no chão - tap, tap, tap, tap, tap, tap, tap, tap, tap, tap

Café com letras

- Adoçante?
- Não, um aforismo.

"Andamos e não chegamos. O andar é tudo: princípio e fim."

(Teixeira de Pascoaes)

Fala do engenheiro melancólico

Atravessar a ponte, pode ser em vão.

7.5.07

Love will tear us apart : vários ...















Stina Nordenstam : Little Star


DAAU (Die Anarchistische Abendunterhaltung) : A Radical Chinese Duke




Aconselho o album: We need new animals

Pensando melhor...

(Sara. Técnica mista: amor e marcador azul sobre parede. Lisboa, um destes dias)

6.5.07

Os Combates

A minha irmã passou por cá, deixando aquele rasto de optimismo que a caracteriza, quando não está pessimista. Pegou num livro que estava em cima da mesa, enquanto bebericávamos chá, em família. Marcou uma página e disse: depois lê, é um dos meus favoritos. Quando ela saiu, voltei a ler. Também gosto muito. Não sei, caro amigo, se terão algum exemplar na biblioteca de Deadwood.

“(…) Dirijo-me apenas às coisas que me excitam
Positivamente e me levam a fazer outras coisas, dirijo-me
Às pessoas de que gosto, nunca às de que não gosto;
Sempre me pareceu insensato que se pare,
Nem que por um momento, de admirar, há
Sempre actos e coisas que nos ajudam
neste cálculo infernal da distância entre o dia de hoje
e a nossa morte. E qualquer pessoa dar um passo que seja
em direcção ao que não aprecia, para insultar, ou derrubar,
parece-me brutal perda de tempo, uma falha grave
no órgão de admirar o mundo
(deves combater uma ou duas vezes na vida,
se combateres duzentas vezes
é porque os combates são fracos). (…)”

Gonçalo M. Tavares, in “energia e ética”, 1, Relógio D’Água, 2004

DARFUR

(Fotografia)

Sim, tens razão: não há tempo a perder. Esta é uma verdadeira urgência e não custa nada dizer isso em voz alta.

Será que vivo em Deadwood?


Ontem, com o sol a cair no horizonte, depois de um jogo qualquer das camadas juvenis, no Centro de Estágio mesmo aqui ao lado, dois automobilistas mais frustrados, por causa da regra da prioridade, quase sacaram dos colts... Ainda bem que não passou tudo de pólovra seca, encosto eu peito, encostas tu agora, e de um uso mais varonil das mui belas expressões do português raçudo. No fim, mais ou menos saliva para o ar, montaram nos ginetes e puseram-se a andar. Vvvrrrummmm!
Hoje, enquanto vou ali já venho ao barco levar a minha sogra, deixo o filho mais velho a tomar conta de bolas & bicicletas. De regresso ao bairro, com o filho mais novo pela mão, que vejo? O rapaz, cheio de medo, escondido atrás de um carro. E, a dois passos, uma cena de cabo de esquadra. Homem, ex-mulher, mulher actual e a filha dos dois primeiros, esta bem grávida. Paus e punhos levantados, murros, chapadas, gritos, insultos & outros pormenores pouco dignificantes ("Até nua te deixaram à porta de casa, minha grande puta!", etc.), travados a custo por dois civis mais destemidos, clientes do café da esquina. Hora de recolher a casa, rapazes! O Seth Bullock que trate do assunto!
Antes, já passara por nós um pescador, os dois remos aos ombros (como a vida? os dias?), galochas verdes, balde de plástico cheio até cima. "Correu bem a pescaria?" Resposta lacónica, do género mete-te na tua vida: "Mais ou menos." E seguiu caminho. Ok. Cada um na sua. E eu vou só ali já venho beber um copo ao Saloon do Al e espreitar as raparigas... É que a vida é dura e dura pouco, aqui, nas terras de fronteira do velho oeste! À vossa!

Albert Watson : Fotógrafo II

Albert Watson : Fotógrafo




Albert Watson

Partilhar pontes

Faço-o pelo prazer da partilha e não para cumprir o ritual, enquanto os companheiros assobiam às três tabelas. Sim, há muitos lugares, nesta rede, que me fazem pensar. Alguns, numa visita que se foi tornando quotidiana, pelo desenho de cumplicidades: respiração, leituras, viagens. Mas há outras, tantas!, novas descobertas (quase) todos os dias, esta e aquela que vou somando a uma lista onde me apetece voltar, sempre que possível: bandeiraaovento, origemdasespecies, anaturezadomal, sound--vision, aterceiranoite.

A Europa pode esperar?

(Foto: Raphaël d'Aboville, no site do Libération)

Há imagens que são uma autêntica encruzilhada. Esquerda, direita? Porque é que puseram o miúdo a fazer esta figura? Será baptizado? Bem, pelo menos livra-se do limbo.

O céu não pode esperar

"O limbo morreu" informa-nos hoje o jornal. António Marujo escreve no Público um interessante artigo, onde enquadra e esclarece o assunto. A decisão formal foi ontem publicada numa revista do Vaticano, pela Comissão Teológica Internacional. A comissão concluiu que "os bebés não baptizados serão salvos". É sempre bom saber que a Igreja Católica adopta a cadeirinha para a alma, na atribulada viagem. Mas parece que continua a discussão em torno do pecado original. Estas coisas não se resolvem com dois dedos de conversa.

5.5.07

O Arrumador de Destinos

Cara ou coroa? Roda a moeda sobre o capô brilhante ainda quente, disparada pelo indicador da mão direita e o polegar da esquerda, cada um para seu lado, como irmãos de unhas encardidas, subitamente desavindos. Gira. Cara? Feia, redonda, sardenta, linda de morrer, encovada, metade, pálida, de caso, de cu, carantonha. Rodopia. Coroa? De espinhos, diamantes, molar, canino, princesa ervilha-de-cheiro, sapo encantado, rei de paus, dama antiga no secador do cabeleireiro. Roda a moeda, roda sem fim, dançando louca na fibra de vidro ou lá de que é feito isto agora. Roda solteirona embriagada de volteio, roda sem parar, embalada por uma estranha energia, rebola agora em automobilístico plano inclinaaaaaaado… Merda!

Cai a moeda no chão e desliza sobre a linha do perfil, circular monociclista de misteriosa cotação. Arredonda-se sobre a grelha da sarjeta. Clinck!

4.5.07

Santa genialidade

(Um diálogo entre P., quase 5 anos, e o pai)

"Eu tenho dois meninos génios na minha sala."
"Meninos génios!? Não são gémeos?"
"Não, são génios."
"Então porquê?"
"Então, são irmãos, têm os mesmos pais e nasceram no mesmo dia! São génios."
"Olha, pois são!"

Na dúvida

(Foto: J)

Fechou as janelas. Desligou a água e o gás. Escreveu cinco frases no blogue. Não regou as plantas e saiu. Afastou-se, a passos largos, como se tivesse uma certeza.

Bang!

(Foto: J)

O tiro ecoou pela rua. O homem com o cão amarelo estacou, parecendo farejar a trajectória do som. A mulher da loja das flores espreitou pela porta, com um cacto entre as mãos. Na varanda de um último andar, um tipo com barba por fazer escrevia banalidades num pequeno caderno de capa preta. Depois de algumas averiguações, os dois polícias puseram de parte a explicação balística e a hipótese do rebentamento de um pneu. Não aceitaram como razoável o testemunho de um transeunte, que garantia ter-se tratado do estoiro de um sonho, com origem indeterminada. O caso foi arquivado.

Dead Man

Down by Law ...

Down by Law (Jim Jarmusch 1986)



"buzz of to for you too ..." ;-)

O Nome Certo

Será uma questão de probabilidades: nunca imaginei que o raio do restaurante – comida boa, preço justo – ia ter assunto com poucos dias de intervalo. Numa mesa, o responsável por uma conhecida empresa de sondagens. Na mesa do lado, um secretário de Estado, acompanhado por três jovens – dois homens e uma mulher, fardados com competência. Depois de saldar a conta, o homem das sondagens, com a gravata enfiada no bolso do lenço do casaco, abeira-se do governante. Primeiro, surgem algumas informações sobre a oscilação das intenções de voto, de uma forma geral. Depois, a conversa desliza para o buraco de Lisboa. Este e aquele e aqueloutro. “Neste momento, o apelido só o puxa para baixo” afiança o homem dos inquéritos, acrescentando que “o João sabe disso!”. Despede-se mas volta para picar o membro do governo: “Faça lá um exercício intelectual para descobrir o terceiro nome!” atira, da porta, fazendo o interlocutor saltar da cadeira e segui-lo para a rua. Faites vos jeux!

Sinto-me muito tentado a concordar com José Miguel Júdice, que hoje escreve, no jornal Público, um artigo intitulado “Um António para salvar Lisboa”. Talvez António Mega Ferreira (actualmente no CCB) ou António Gomes de Pinho (Fundação Serralves) fossem boas soluções. Desde que, como defende o articulista, “tivessem total liberdade para formar a sua equipa.” Hoje não pedi água com gás. As utopias ajudam a fazer a digestão.

Tom Waits : It's All Right With Me (Red Hot + Blue)

Tom Waits : Goin Out West

Tom Waits : For No One (Animated 1979 John Lamb)

O Escritor Amador

(Foto: J - Alentejo, Abril 2007)

Naquela Primavera, encheu cadernos de garatujas. Nortada, suão, brisa-beijo. Fazia coincidir o fio do horizonte com a lâmina da navalha. Andava sem destino embora soubesse que o Verão se aproximava, com a sua época de incêndios devastadores.