30.11.06

Nick Cave & Bad Seeds, O Children, The Lyre Of Orpheus (Disc 2)

NICK CAVE & THE BAD SEEDS

"O Children"

Pass me that lovely little gun
My dear, my darting one
The cleaners are coming, one by one
You don't even want to let them start

They are knocking now upon your door
They measure the room, they know the score
They're mopping up the butcher's floor
Of your broken little hearts

O children

Forgive us now for what we've done
It started out as a bit of fun
Here, take these before we run away
The keys to the gulag

O children
Lift up your voice, lift up your voice
Children
Rejoice, rejoice

Here comes Frank and poor old Jim
They're gathering round with all my friends
We're older now, the light is dim
And you are only just beginning

O children

We have the answer to all your fears
It's short, it's simple, it's crystal dear
It's round about, it's somewhere here
Lost amongst our winnings

O children
Lift up your voice, lift up your voice
Children
Rejoice, rejoice

The cleaners have done their job on you
They're hip to it, man, they're in the groove
They've hosed you down, you're good as new
They're lining up to inspect you

O children

Poor old Jim's white as a ghost
He's found the answer that was lost
We're all weeping now, weeping because
There ain't nothing we can do to protect you

O children
Lift up your voice, lift up your voice
Children
Rejoice, rejoice

Hey little train! We are all jumping on
The train that goes to the Kingdom
We're happy, Ma, we're having fun
And the train ain't even left the station

Hey, little train! Wait for me!
I once was blind but now
I see Have you left a seat for me?
Is that such a stretch of the imagination?

Hey little train! Wait for me!
I was held in chains but now I'm free
I'm hanging in there, don't you see
In this process of elimination

Hey little train! We are all jumping on
The train that goes to the Kingdom
We're happy, Ma, we're having fun
It's beyond my wildest expectation

Hey little train! We are all jumping on
The train that goes to the Kingdom
We're happy, Ma, we're having fun
And the train ain't even left the station

28.11.06

26.11.06

Dos abraços

Ela e outros dois passageiros do maldito voo foram colegas de curso de M. Ela era amiga do Quim, um amigo que ando para rever há muito. Mandei-lhe um abraço forte, por sms. Ele agradeceu. Sinto que não chega. Vou combinar um encontro, em breve. Porque um abraço tem que ter outro, entrelaçado.

Celta

"Tudo somado, o que um jornalista faz - se for a sério, e a Zé era - é decifrar vidas. Não há mais nada. E faltavam muitas, demasiadas."

Como descrever este estupor, este adensar do silêncio frio que enche a casa? Leio e não acredito. Envio alguns sms's e um email: "Não é justo! Nunca é justo mas... 34 anos, porra!?" Mal a conhecia - de raspão num jantar de aniversário de um amigo comum, o suficiente para simpatizar com ela; o gosto de a ler, no jornal e neste blogue e também neste, onde assinava com um nome carregado de música e aventura. Pouco mais mas que parece tanto, agora.

Leio, em silêncio, as palavras dos outros onde me faltam as minhas. Um café amargo, o choque e, sobretudo, a respiração dorida numa das casas que habitava.

E fico em silêncio, a pensar que importa não deixar de decifrar vidas, seguindo (também) o exemplo de Maria José Margarido.

Mário Cesariny de Vasconcelos

"Gostava de ter daquelas mortes boas, em que uma pessoa se deita para dormir e nunca mais acorda ..."

19.11.06

Pequenos (grandes) Prazeres


Ler. Como sempre acontece quando um livro me agarra, faço render as últimas dezenas de páginas, saboreando as palavras e os desenlaces da intriga. Quando, esta tarde, li a derradeira linha, na página 400, escolhi a palavra "arrebatador" para catalogar a obra no índice dos meus prazeres. Absolutamente recomendável.

18.11.06

apáginastantas

“O destino costuma estar ao virar da esquina. Como se fosse um gatuno, uma rameira ou um vendedor de lotaria: as suas três encarnações mais batidas. Mas o que não faz é visitas ao domicílio. É preciso ir atrás dele.”

Uma pérola filosófica da deliciosa personagem Fermín, em A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón, Dom Quixote, 2004

16.11.06

Escolaridade Obrigatória


O colega de Educação Tecnológica fala-me do projecto O Chapim Vai à Escola, uma parceria com a Câmara Municipal que envolve uma turma de 8º ano. A Câmara fornece os materiais (madeira, cola, pregos) e a rapaziada constrói os ninhos para que os chapins-azuis, o tipo mais comum no concelho, se possam abrigar e descansar do trabalho de comer as nutritivas lagartas dos pinheiros, contribuindo para prevenir eventuais pragas. Explica-me, então, o colega que os ninhos têm um pormenor importante: o furo de entrada e saída deve obedecer a uma medida exacta, para que só os chapins-azuis possam utilizar as casotas colocadas no terreno. "Se não, os galifões podiam entrar!", diz-me ele, chocado com a ideia. Os galifões são as outras espécies de pássaros. Os pardais, por exemplo... Entrar sem licença nas casas dos outros? Mal educados! Também precisam de ir à escola, pelos vistos!


Canal Odisseia

Abro as portadas da janela da sala para um céu azul, com um novelo branco sobre a direita, e uns fiapos ao longe. No telhado em frente, uma corpulenta gaivota procura equilibrar-se nas anfíbias patas amarelas, escorregando pelas telhas húmidas, esverdeadas pelas águas deste outono. Puxa o pescoço para trás e desfere mais uma bicada no corpo inerte, quase no beiral. Mais acima, sobre as antenas e a chaminé, alguns pombos observam, em silêncio. A gaivota luta contra o plano inclinado, enterrando outra vez o bico no cadáver. Os pombos trocam de posição, entre a chaminé e as antenas. Chega mais uma gaivota, pousando no murete da empena, primeiro balcão sobre a cena. A primeira levanta a cabeça do festim e, batendo as asas, eleva o corpo de forma ameaçadora, afugentando a rival. Os pombos desaparecem. O corpo penado, com um rasgão ensanguentado, escorregou para junto do algeroz e a gaivota consegue arrancar-lhe um pedaço de carne, que debica agora mais ao lado. Uma sombra larga atravessa o céu azul. Dezenas de pombos aterram no topo de outro prédio, dois números de polícia abaixo. Deslizam mais três gaivotas. Observam, com movimentos contidos, e largam numa assuada que enche a rua, em ricochetes pelas paredes.

15.11.06

Natureza morta

Na fruteira, o abacaxi vai amadurecendo. Do verde, com farripas acastanhadas, passa ao laranja suave. Há um perfume luminoso no ar. Duas ou três laranjas não resistem à temperatura da casa (vindas da frescura artificial dos armazéns regulados a ar condicionado?) e transformam-se em bolas de bolor poeirento. As maçãs enrugam a pele outrora macia e avermelhada. A matéria fibrosa amarelece por debaixo - há uma doçura perigosa no seu sabor, próximo já da decomposição. As peras apresentam profundas manchas escuras que é preciso cortar com uma faca bem afiada. O que se pode aproveitar ainda, porém, quase não tem préstimo: aparece já debilitado por uma excessiva moleza. Algumas vão directamente para o saco plástico do lixo. Sobre tudo isto vagueiam pequenos mosquitos castanhos que se deixam esmagar com um "clap" rápido das duas mãos. Por fim, há o coração deste organismo hesitante entre vida e morte: a romã. Inchada de madura, abriu um rasgão na casca rugosa e dura. Dessa ferida púrpura, a lembrar outras fendas, escorre um suco que ensanguenta os frutos vizinhos, o próprio vidro da fruteira. Limpo esse sangue com papel branco de cozinha. E assino o quadro.

Ariadne

Do rio chegam-me uivos de barcos cegos. Um carro pára, no meio da rua. Dois vultos descarregam caixas e sacos para uma porta. Quanto tempo demora uma mudança? O que é vital mudar de lugar com o corpo? Estou cansado. Volto a escutar Venus in Furs. Abro lentamente uma garrafa e provo um cálice. O que esperar ainda desta noite, escrevo, não propriamente como interrogação mas como desejo. O vinho parece chocolate com amoras... arrefece? Escreves: frio. Respondo: lá fora. Passaremos das metáforas, algum dia? – digito agora, como pura busca de um sentido. Mesmo tacteando pontos cardeais (pequenos arranhões, cicatrizes), não terá sido tudo a metáfora de um labirinto?

10.11.06

Do Retrato em Poesia Portuguesa 3

SEM TÍTULO

Baixa, de olhos ruins, amarelenta,...

(Autor anónimo)

Do Retrato em Poesia Portuguesa 2

AUTO-RETRATO

O'Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada...)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois o amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse...

(Alexandre O'Neill)

Do Retrato em Poesia Portuguesa 1

RETRATO PRÓPRIO

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão de altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno:

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades:

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.

(Bocage)

Jesus loves Amerika

8.11.06

Dusk

Disjuntor 2

Era, mesmo, apenas gripe. Ele ficou vacinado.

7.11.06

Dust

Disjuntor

Ela disse: gripe. Ele entendeu: carinho.

grs/m2

Fica mais um pouco, sussurrou-lhe ela.
Ele ficou.
Pousou os dedos sobre a pele fina, de leve grão.
Aspirou-lhe o perfume, vegetal.
Ela agitou-se, pareceu-lhe.

Ergueu a caneta e desenhou uma palavra:
Era

De repente, a folha encheu-se de mato.
Uma floresta densa, recheada de sons animalescos, pássaros que pareciam suspiros ou suspiros mascarados de pássaros.
Um calor atravessou-lhe as têmporas.

Mergulhou mais fundo, sem largar a caneta, os lábios entreabertos, soletrando:
Uma

A folha tinha-se multiplicado por mil, como os cabelos de uma ninfa nórdica, de um loiro quase branco, libertando um odor húmido que sentia subir-lhe pelos dedos, pelas mãos, pelos braços, enlaçando-lhe o tronco, escorrendo-lhe para o ventre.

Tinha a garganta seca e os olhos doridos. Na mão que segurava ainda a caneta, as veias pareciam explodir, como se fossem as veias da própria caneta:
Vez

Num estalo seco, a folha dobrou-se sobre si própria, como uma praticante de artes marciais, e desferiu-lhe um golpe rápido no pulso, com a margem afiada.

A caneta - em slow motion.

6.11.06

Fantasia

Sigur Rós - Glósóli


E se pudéssemos regressar à infância, o que seria de nós?

2.11.06

X

Piso a orla do circo de feras, os braços cruzados, em x, Janis não há-de tardar, lembrando-nos que a madrugada não dissolveu verdadeiramente as fronteiras do tempo. Faço uma tangente ao desejo quando, num estranho coro, todos os semáforos da cidade disparam o vermelho.