6.6.06

Cantar & Andar à Mocada


Eles até podem saber navegar na internet. Ir a comícios neo-nazis em Dresden. Desejar "uma sociedade perfeita, só com brancos portugueses". Afirmar que vivem "para defender a nossa nação". Mostrar uma "arma calibre 12" e dizer que, "se o dia chegar", vão "tomar de assalto as nossas ruas". Ou, pérola entre as pérolas, resumir: "Eu não sei cantar. Eu só sei andar à mocada." O problema é que nunca conseguirão explicar como é que isto tudo se relaciona com a "defesa da nossa identidade e os nossos valores". Lerão, porventura, os clássicos portugueses? Talvez pudessem começar por um pequeno volume do esquecido Professor Jorge Dias: "(...) O Português assimilou adaptando-se. Nunca sentiu repugnância por outras raças e foi sempre relativamente tolerante com as culturas e religiões alheias. A miscigenação portuguesa não tem só uma explicação sensual, embora a caracterize uma forte sexualidade. Ainda hoje o Português tem decidida inclinação por mulheres doutras raças e é capaz de mostrar grande afeição ou profundo amor. É célebre o amor de Camões por uma escrava, cantado em versos sentidos. (...)". Título do livrinho no qual se podem ler estas palavras? Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa, Imprensa Nacinoal-Casa da Moeda, Lisboa, 1986, pp. 53 e 54. Os versos de Camões? Por exemplo, estes: "Pretidão de Amor, / tão doce a figura, / que a neve lhe jura / que trocara a cor. / Leda mansidão / que o siso acompanha; / bem parece estranha, / mas bárbara não." Versos dedicados "A uma cativa com quem andava d'amores na Índia, chamada Bárbara". Outro exemplo clássico? O Padre António Vieira e a sua defesa dos índios brasileiros contra os colonos portugueses que os queriam escravizar. Gil Vicente escreveu em castelhano. Pessoa em inglês. Deveremos excomungá-los? "Se o dia chegar", inspirados pelas imagens a preto e branco dos anos 30 e 40 da Alemanha hitleriana, não podendo queimar o Homens, lançarão ao fogo os Livros destes multiculturalistas traidores?

(Reportagem "A Extrema-direita Existe?", hoje, na RTP 1, logo após o Telejornal; reportagem, de resto, na minha opinião, pouco conseguida).

1 comentário:

j disse...

A reportagem teve o grande mérito de nos lembrar que eles existem e andam por aí (comentário já escrito depois da notícia da detenção do rapaz da arma semi-automática). Tecnicamente não me pareceu brilhante mas cumpriu bem.