31.7.06

Ao sol,

a sul!

Cantilena da Vida Toda

"à uma eu nasci
às duas baptizei
às três pedi namoro
e às quatro me casei
às cinco uma dor ai ai
às seis uma aflição
às sete no doutor
e às nove no caixão
às dez a caminho
às onze enterrado
e às doze lá no céu éu éu"

(versos que F. me ensinou hoje ao meio-dia)

Syriana


A não perder.
Nota8/10.
O governo americano
não deve achar muita piada a este filme ...

Vagamente, a selva e outras respirações

Orlando Mascia deixa-nos quase sem respiração, quando ataca a launedda, utilizando as bochechas do rosto como se fossem o saco de uma gaita de foles. As bochechas incham e desincham um pouco mas a música, produzida pelas três flautas de diferentes tamanhos, nunca é interrompida para reabastecimento dos pulmões. Os Ahs! de espanto vão subindo de tom, na audiência, até que uma das mulheres do grupo polifónico Actores Alidos explique que Orlando utiliza a técnica da respiração circular.



Saltam e fazem pular: quatro músicos, que se conheceram a tocar nas ruas de Nantes, em França, num espectáculo de energia, numa outra noite do Festival de Músicas do Mundo, em Porto Covo. Levavam uns míseros 25 CD's que se esgotaram enquanto o diabo tirava mais uma imperial.

30.7.06

a ir buscar o azul de

São motas de pele e osso, reduzidas ao essencial, quer dizer: metal, borracha, ferrugem, pouco mais. Cavalgam-nas homens austeros, gordos e magros, de capacetes fora de moda - daqueles redondos com umas orelhas de cabedal -, por caminhos de terra batida. Pó e casas de férias para alugar. Pão de lenha? "Depois do café, vira à esquerda." Famel, Zundapp, Casal, outro país, este mesmo. Cães de guarda, presos a longas correntes, que calam protestos ao terceiro dia. Adiante, uma piscina. Um tanque, rectificará um técnico camarário, tratando-se de turismo rural. Seja, um tanque: com mosaicos-pastilha, escadas, ligeiro declive e cloro. A ir buscar o azul do céu, diria M., pousando o gim-tónico e elogiando os aromas silvestres.

Uma Imagem, Mil Palavras


Entre as leituras de férias: primeiro, reler Cidade de Vidro, de Paul Auster; depois, a adaptação de Paul Karasik e David Mazzucchelli para novela gráfica. Entre dois mergulhos, descobrir o modo cinema(to)gráfico como se conta a história com imagens (a preto e branco) e algumas das palavras originais. Imaginar técnicas de construção de um projecto. Condição prévia: uma boa ideia, uma história simples, uma trama, com tempo e lugar(es). Mais um mergulho, antes do regresso ao trabalho.

Gaiolas & Aquários


O seu passatempo 1: construir aquários cada vez maiores, ornamentados com areia da Arrábida e pedras do Guincho. Fala-me do Ph da água e das diversas espécies de filtros para a manter oxigenada no nível certo. As espantosamente coloridas espécies comunitárias, capazes de partilhar o espaço, já não o satisfazem completamente e, agora, prepara-se para receber, no maior dos aquários, ainda não terminado, as espécies que defendem o seu território "com unhas e dentes", expressão sua. A vivenda onde vive tem grades nas janelas e está sempre fechada à chave.
O seu passatempo 2: construir gaiolas cada vez maiores para canários, periquitos e roseicollis, com recantos e cavidades que as aves aproveitam, ou rejeitam, de acordo com a sua predisposição natural. Ele conta-me, por exemplo, que o casal de roseicollis criou o seu próprio lar, onde nidifica na perfeição. Fiquei a saber ainda sobre esta espécie que a maioria das crias recebe geneticamente do pai a coloração das penas e que um casal acasala para a vida toda. São, por isso, designados por "pássaros do amor". Também Ele ficará com Ela. Para o bem e para o mal. Para sempre.
O seu passatempo 3: noto que os aquários têm crescido, tal como as gaiolas, ocupando cada vez mais espaço naquela casa, enquanto ela não pode crescer mais. Que a temperatura da água é mantida igual no inverno e no verão. Que as rações de comida são restabelecidas de dois em dois dias. Que as limpezas necessárias são regulares e rigorosas. Que tudo isto foi planeado e construído por Ele, controlado por Ele, como um refúgio ou uma fuga do caos da vida lá fora, dentro de outras gaiolas & outros aquários. E fico a pensar nas prisões reais que criamos para podermos imaginar o que significaria sermos livres um dia...

28.7.06

AXLE MUNSHINE 2

in Público ...

O Vagabundo dos Limbos
Por CARLOS PESSOA
Segunda-feira, 5 de Fevereiro de 2001

Uma tradição, tão antiga como o mundo, diz que o sono é irmão da morte. Ora, essa é apenas uma forma de dizer que há um momento em que o corpo abandona o estado de vigília e se entrega ao merecido descanso nos braços de Morfeu, franqueando as portas que dão acesso à dimensão onírica da existência. Com efeito, se o corpo se rende a um merecido descanso, o mesmo não tem que acontecer forçosamente com a consciência individual e é aqui que o comportamento de Axle Munshine assume o seu mais pleno e total significado.

No começo de tudo havia o desejo do editor francês Hachette regressar ao mundo da BD, em meados da década de 70. Graças à intervenção do crítico Henri Filippini, o desenhador e argumentista francês Godard encontra-se com o desenhador espanhol Ribera para discutir projectos e ideias. Um encontro num café da praça da Ópera, em Paris, encerra o negócio: ambos farão uma série de ficção científica para ser editada directamente em álbum, como recorda Ribera: "Afastámos as histórias que apenas apresentassem os aspectos exteriores do género, ou seja, histórias em que bastava substituir o foguetão ou o corte de cabelo para poder ser também um 'western', os escafandros por chapéus de coco para termos um policial. Creio que isso impressionou Godard, tanto mais que eu acrescentei - 'não hesites em contar coisas que, em princípio, eu não seja capaz de ilustrar'". Assim será e Axle Munshine tornar-se-há em pouco tempo uma das mais imaginativas, originais e surpreendentes séries da banda desenhada europeia.

Antes de se tornar conhecido no universo como Vagabundo dos Limbos - na feliz expressão encontrada pelos seus criadores para significar essa terra de ninguém onde o herói prossegue a sua demanda errante e solitária -, Munshine conheceu glória e poder como Grande Conciliador da Guilda, uma instância estelar de domínio e regulação implacável dos destinos plurais de todas as civilizações e sistemas solares do universo. Porém, cometeu um único mas decisivo erro: atreveu-se a sonhar, o que lhe estava rigorosamente interdito enquanto cidadão de Xylos. Esse gesto transgressor do décimo terceiro mandamento da Guilda é a sua perdição e nem o estatuto soberano de que beneficia até então o salva.

Com o desapego que parece ser apanágio dos que sabem não haver uma radical diferença entre a vida e a morte, porque é essa transição que simbolicamente todo o ser humano vivencia no ciclo das 24 horas mesmo quando não se dá conta disso, Axle Munshine ilude a vigilância dos perseguidores e evade-se a bordo da hiper-sofisticada nave construída pelo próprio pai. É o começo uma saga que o leva a todos os recantos visíveis e invisíveis do universo, procurando em todas as culturas e civilizações os sinais de uma única e absoluta presença - Chimeer, a bela e inefável mulher dos seus sonhos, uma utopia sempre perseguida e nunca alcançada até agora.

Nesta insensata aventura leva consigo Musky, herdeiro do Príncipe dos Eternautas. Esta criatura que tem a capacidade, como todos os da sua raça, de escolher o seu sexo no momento aprazado, é testemunha silenciosa dessa absurda deambulação que parece condenada ao fracasso - mas nem sempre, sendo proverbiais os acessos de cólera com que brinda Axle Munshine, que não gosta de ser pressionado e reage com uma sublime indiferença em todas as circunstâncias, mesmo as mais perigosas e dramáticas. Por esse sonho, de uma realidade tão absoluta e significativa como não encontra, paradoxalmente, nos momentos em que está acordado, Munshine desafia e resolve enigmas essenciais. Aventura-se em labirintos de onde ninguém regressou, afronta a face de Deus, atreve-se por planetas inabitáveis, arrisca-se pelos meandros do tempo que esculpem a memória até ao esquecimento.

Não é certo, porém, que o herói retire dessas experiências todas as ilações e proveitos. De facto, ele não parece ter consciência, no final de cada aventura, de que nunca está mais perto do seu sonho do que no início. De facto, dir-se-ia que acontece a Munshine algo que é da natureza paradoxal do sonho - como quando se foge desesperadamente de um perigo iminente sem conseguir sair do mesmo sítio -, isto é, as coisas e as pessoas estão ao alcance da sua mão mas não basta um acto de vontade para que elas se modifiquem ou alcancem.

Obviamente, é nesse eterno recomeço que reside o segredo da série, um permanente e estimulante relançamento do herói no caminho da aventura, apostado em empurrar um pouco para mais longe os seus próprios limites. E quando assim é, perdoar-se-ão com facilidade algumas fraquezas evidentes, e em especial um desenho pouco coerente e seguro.

Nome: Vagabundo dos Limbos
Criador: Julio Ribera (desenho) e Christian Godard (texto)
Data de nascimento: 1975
Local: Edições Hachette
Época: intemporal
Série: ficção científica
Sinais particulares: Axle Munshine, o ex-Grande Conciliador da Guilda, é um proscrito do espaço, tendo caído em desgraça por violar um dos mais fundamentais interditos cósmicos - sonhar. Desde então, percorre os mundos conhecidos e desconhecidos a bordo do todo-poderoso "Delfim de Prata", uma fortaleza voadora auto-suficiente onde vive na companhia do andrógeno Musky, o palhacinho que apenas aguarda por um sinal para se decidir a ser homem ou mulher.

27.7.06

De Férias Numa Cidade (Des)Conhecida

(Auguste Renoir, Mulher com Rosa, c. 1875; óleo sobre tela)

(Manhã: uma exposição)
Grandes Mestres da Pintura: De Fra Angelico a Bonnard, no Museu Nacional de Arte Antiga. Uma parte da Colecção do Doutor Rau, de que se falou já aqui há uns meses. O retrato de uma jovem, de Bernardo Luini (c. de 1525) recebe-nos com as suas beleza e simplicidade irrecusáveis, preparando-nos para uma breve, mas intensa viagem, pela pintura europeia dos últimos cinco séculos. Por exemplo, um David a golpear um Golias deitado por terra. Alguns interiores flamengos. Um Fragonard retratista de grandes e vigorosas pinceladas (em contraste com a singeleza encantadora mas insípida, das escolas inglesa e francesa). Vários Monets, dois deles fabulosos, praticamente pintura abstracta (As pirâmides de... e As casas debaixo da neve na Noruega). A mulher com rosa, de Renoir, acima reproduzido. E muitos outros. A não perder, sob pretexto algum (pena é o preço nada meigo do catálogo! 32 euros!). Até 17 de Setembro. Ponham-se já a caminho das Janelas Verdes, está bem?
(Tarde: uma livraria e um filme)
A livraria, para fugir ao modelo Fnac, pode ser a da Almedina, no Monumental Atrium, no Saldanha. Aí pode-se comprar, por exemplo, o último de Rubem Fonseca, Mandrake - A Bíblia e a Bengala, Campo das Letras. Eis um pequeno excerto, para aquecer: "Eu tinha de salvar a minha relação com Angélica. Ela era uma boa mulher. Que horror, definir a mulher que você ama dessa maneira, uma mulher de bom coração. As pessoas de bom coração são as que mais merecem ser amadas, mas ninguém é amado só por isso. O que fazer? Viajar com ela. (...)". Ou um livro de poesia, que pode ser As Vinhas de Meu Pai, de Ana Paula Inácio, edição da Quasi, de 2000, por 2 euros, que abre com uma bela epígrafe de Raul de Carvalho: "Dei-te o meu coração / Que é bem maior que um livro". Depois um filme, talvez A Lula e a Baleia, ou outro, que as hipóteses são várias. Ao contrário da C., eu gostei muito deste, por ser duro e realista. Mas, também, por mostrar personagens ternas, frágeis e desamparadas...
(Noite: um jogo de futebol na TV)
Não, sobre isto não tenho nada a declarar! A não ser que, de facto, não há dias perfeitos!

AXLE MUNSHINE ...

Grande crónica.
Não tenho muito voto na matéria pq sabes não sou muito fan desta BD.
Sabes q por vezes estes argumentos teem de ser ajustados ... por vezes são estórias feitas ao longo de décadas e há q fazer alguns ajustes ...
Tens de ler as aventuras do AXLE MUNSHINE ... herói de um passado/futuro, humano ou não ... é muito bom. Posso emprestar-te a dúzia de albuns q tenho (começam nos anos 70 e veem até à e penso q ainda continua a sair...) Quanto aos livros posso perguntar-lhe (tem de certeza pois já mos teve para vender) mas tb te posso passar os contactos dele e dizes que és meu amigo (acho eu LOL ...)

26.7.06

Poeira Mágica Para os Olhos!


1) Para quem, como eu, sofre de paixão assolapada por westerns e (alguma) banda desenhada, o recente lançamento, pela Asa, de Dust, o 28º volume das aventuras do Tenente (agora Mister) Blueberry, é uma mais do que excelente notícia. Com este álbum, que consagra a passagem da personagem de Charlier e de Giraud da extinta Meribérica/Liber para a editora do Porto, fecha-se o “ciclo de Tombstone”, iniciado, na edição portuguesa, com a publicação de Mister Blueberry, em 1996, volume já da total responsabilidade de Giraud (texto e desenho), pois Charlier falecera, entretanto, em 1989. No que diz respeito ao mercado português, seguiram-se depois Sombras Sobre Tombstone (1999), Geronimo, o Apache (2000) e OK Corral (2003), 4 álbuns antes do referido Dust, lançado no passado mês de Maio. Cinco álbuns que honram o passado de Blueberry e não ficam nada atrás da qualidade dos que, a partir dos anos 60, foram sendo criados pela dupla original de autores. Antes pelo contrário. Esta “série de Tombstone” proporciona ao leitor evidente prazer, tanto ao nível do desenvolvimento da intriga, como sobretudo ao nível plástico (traço e cores).


2) Estamos, portanto, de volta ao conhecido e velho Oeste. De certo modo, este é um dos primeiros argumentos a favor da obra: ela conduz-nos ao reconhecimento de uma paisagem e de um tempo que já nos é familiar, convocando conscientemente o imaginário de um tempo adolescente, povoado de cowboys aventureiros, “peles-vermelhas”, planícies poeirentas, saloons a abarrotar de jogadores de póquer e de cantoras dispostas a tudo. Neste sentido, a criação de Charlier e de Giraud há muito que perdeu o seu aspecto inovador (que teve, quando surgiu, nos idos de 60), assumindo claramente um pendor clássico ou classicizante, ainda que sem deixar de lado a dimensão humanista, romântica, rebelde e politicamente incorrecta do seu (anti-)herói. Por isso, muito para além deste, o herói verdadeiro deste ciclo (e, na verdade, do conjunto da obra) é a própria noção de Oeste ou de fronteira, isto é, de espaço sempre tendencialmente de liberdade, (em) aberto, sem limites definidos à partida, onde as personagens acabam por se revelar na sua condição de seres humanos imperfeitos, capazes da amizade, do amor, da confiança, etc., e igualmente, da crueldade, da traição e da mais absurda violência.
3) Voltemos ao herói suposto da história: o ex-oficial do exército, muitos anos depois da sua experiência da Guerra Civil Americana, o agora Mister Blueberry. Marcado pelo passado, é um homem envelhecido, com o cabelo a branquear, sem ilusões, mas com princípios, que passa o primeiro volume desta aventura sentado a jogar póquer e os segundo, terceiro e parte do quarto acamado, ferido, melancólico, sem intervenção de maior na história. Sim, os heróis já não são o que eram... Este estratagema serve, no fundo, para Giraud colocar em primeiro plano outros verdadeiros heróis da mitologia do Oeste americano, principalmente “Doc” Holliday, os irmãos Clanton, Wyatt Earp e o chefe índio Geronimo, personalidades históricas que se cruzam com as personagens de ficção criadas pelo desenhador e argumentista francês, num procedimento narrativo que, não sendo novo, não deixa de ser eficaz e estimulante. Cria-se, assim, um efeito de realismo que chega a configurar-se através de pormenores cultos e deliciosos, como o de colocar o acamado Blueberry a ler Moby Dick, o fabuloso romance de Herman Melville, publicado em 1851 e que foi, talvez o saibam, um monumental fracasso editorial...


4) Se o herói está, em grande parte do enredo desta série, fora de jogo, quem está, afinal, dentro dele? Como acima sugeri, os grandes protagonistas são, a meu ver, dois: por um lado, a paisagem humana; por outro, a paisagem natural. Temos aqui, como em qualquer western (e, claro, John Ford e a sua A Paixão dos Fortes deve ter sido uma das obras inspiradoras de Giraud...), os homens duros e implacáveis da lei & da ordem, os batoteiros, os cidadãos anónimos e os fanáticos da Liga das Virtudes Americanas, os bandidos sem escrúpulos, os políticos sem coerência, os banqueiros e juízes corruptos, os jornalistas ingénuos, ou preconceituosos, os índios vítimas de racismo e de total intolerância, as mulheres sensuais e inteligentes, capazes de sobreviver, apesar de tudo, no meio de tantos homens vorazes... Em suma, um retrato de uma sociedade em construção, simbolizada pela cidade de Tombstone, entre o selvagem e o civilizado, à procura dos seus equilíbrios, que se move, basicamente, de acordo com os princípios da sobrevivência (do direito do mais forte em impor a sua lei, quase sempre de revólver em punho) e do desejo de riqueza (ouro & dólares) e poder. Uma imagem da América, portanto. Do passado. E do presente? Cabe, aqui, notar que mesmo os defensores da ordem social e representantes da lei são terrivelmente violentos, capazes de massacrar quem se atrever a desafiá-los... Num outro plano, temos ainda o lugar e a visão dos índios, um aspecto particularmente interessante. Porque revelador das ambiguidades do olhar de (do branco) sobre esses outros de “pele-vermelha” que, objectos óbvios de racismo e de xenofobia, são as vítimas e os bodes expiatórios ideais para todos os males e crimes que a civilização branca não pode aceitar como seus. É neste ponto que o Blueberry (e o Wyatt Earp...) de Giraud/Charlier confirma, mais uma vez, a sua visão humanista, justa e tolerante do Outro, vendo Geronimo e os seus índios como homens, ainda que diferentes, e não como monstros selvagens (facto sublinhado, por contraste, pelo verdadeiro monstro que é a personagem de Johnny Ringo, o serial killer que semeia crimes e terror pela cidade).

5) Mas, para além da paisagem humana, temos a paisagem natural, sobretudo o espaço aberto: esse imenso espaço (real e imaginário) americano. E é talvez neste ponto que a herança e a influência do cinema fordiano se tornam, aqui, mais evidentes e presentes. O traço de Giraud fixa, pois, em cores quentes e duras, com grande e rigoroso pormenor, a majestosa paisagem do Far West (e todos pensamos em Monument Valley...), uma paisagem que molda o carácter das personagens com o seu próprio carácter indomável. Céu azul e cinzento. Terra castanha, vermelha e amarela. A perder de vista. Poeira. Calor. Ravinas & cactos. Espaço que garante a liberdade (perdida) a homens e aos seus belos animais de estimação, os cavalos, sempre desenhados com elegância. São estes espaços amplos, feitos de dureza, rudeza e beleza, que penetram as almas das personagens, tal como acontece em A Desaparecida ou em O Homem Que Matou Liberty Valance. Evidentemente, um dos pontos (mais) fortes, em termos plásticos, de toda a obra de Giraud e deste “ciclo” em particular.
6) Muitos outros tópicos poderiam ser apresentados e desenvolvidos com mais tempo. Por exemplo:
a) o encaixe narrativo, com a sobreposição das três histórias que se cruzam e desembocam em Dust: 1) a história real/lendária do duelo no OK Corral; 2) a história de Blueberry e Geronimo no passado e 3) a história de Blueberry e Geronimo no presente);
b) o conflito entre o olhar realista e cru, representado pelo jovem aprendiz de jornalista de Boston, Billy, e a visão idealista, politicamente correcta e literária (quer dizer, cor-de-rosa, censurada) da violência e da barbárie humanas, por parte do seu “patrono”, o gorducho Campbell. Diz, por exemplo, este último: “Não é possível omitir todas essas alusões ao consumo de bebidas alcoólicas?!...” Responde o primeiro: “Mas... bloody hell!... Trata-se da estrita verdade histórica!...”;
c) o humor sempre presente, que atenua a dimensão mais sombria e negativa dos factos narrados (o referido Billy faz lembrar, por exemplo, a personagem de William Blake, no Dead Man de Jim Jarmusch: alguém que parece estar sempre a mais, mas acaba por se apropriar das cenas...);
d) o permanente processo de “morte” e “ressurreição” do nosso herói crepuscular, que passa toda a série a jogar uma espécie de jogo não declarado do gato e do rato com o cangalheiro da cidade (alguém diz, a propósito, em certo momento, que “Tombstone, como o nome indica, é uma cidade que morre”...);
e) a mulher e o modo como ela é caracterizada, simultaneamente símbolo do desejo e da sensualidade mas também da pureza, da coragem e da capacidade de entrega e sacrifício (o anjo da guarda do Blueberry ferido, Dorée Malone) ou, em sentido inverso, a mulher manipuladora e má representada pela matriarca dos Clanton.
Tópicos que talvez possam vir a ser retomados numa futura ocasião. Quem sabe?

(Henry Fonda/Wyatt Earp, em A Paixão dos Fortes/My Darling Clementine (1946), de John Ford; pormenor de Monument Valley ao fundo, em segundo plano)
7) Finalmente, dizer que este “ciclo de Tombstone” de Giraud é excelente mas também tem as suas falhas, sobretudo ao nível do argumento. Dois exemplos apenas, relativos ao final da intriga: o banqueiro criminoso que foge com todo o dinheiro da cidade sem que alguém se preocupe em mover-lhe a mais que justificada (?) perseguição e o facto do jovem Boone, depois de jurar que matará Blueberry por vingança, ter escapado da prisão e permanecer em liberdade... tal facto não parece incomodar ninguém, nem o próprio visado, talvez aqui excessivamente cool... Ou será que estas são “linhas” soltas que se retomarão em próximo episódio? A ver vamos. Esperemos que a Asa nos permita que continuemos a acompanhar as épicas e picarescas aventuras de Mister Mike Steve Blueberry.

(Uma nota final que é um pedido, PB: será possível, através do teu contacto a norte, encontrar os volumes que faltam na minha colecção blueberryana? São eles: Nariz Partido; A Longa Marcha; A Última Cartada; O Fim da Pista e Os Demónios do Missouri... Vê lá o que podes fazer por este teu amigo cronista!)...

HELP!

Meus caros,
estou tão mas tão cansado
que vocês nem imaginam ...

25.7.06

Em Teoria 11

Deveríamos saber melhor do que ninguém aquilo que queremos fazer da vida.

Em Teoria 10

Querer falar não significa que se tenha alguma coisa para dizer.

Em Teoria 9

Pior do que não ter ninguém que nos queira ouvir é não ter nada que dizer.

Em Teoria 8

Escrever ou não escrever não é a questão.

Em Teoria 7

Escrever é mais benéfico para a saúde do que beber (álcool) ou fumar (não importa o quê).

Em Teoria 6

Escrever não é uma questão de se estar feliz ou infeliz: escreve-se, e depois logo se vê.

Contas à Vida

1 sala de aulas. 14 carteiras. 28 cadeiras. 2 horas. 2 professores. Dos 3 alunos inscritos, 1 apareceu e fez o exame de Física. Que tinha 2 versões, a 1 e a 2.

24.7.06

Atenção à Tua Esquerda!

Na inspecção ao carro descubro, hoje, que a luz esquerda do travão está fundida: claro (e triste) sinal dos tempos. Ainda assim, aprovado no exame, o "veículo pode circular". Em direcção a nenhuma utopia...

Onda de Calor (versão profana)

Aqui...

Onda de Calor (versão sagrada)

Excerto do "Cântico dos Cânticos", atribuído ao Rei Salomão (in Antigo Testamento), lido publicamente por C. no Sábado, na Igreja de Nossa Senhora da Luz, na Carvoeira, durante a celebração do matrimónio da N. e do A.:
"Põe-me como um selo sobre o coração, como um selo sobre o teu braço, porque o amor é forte como a morte e a paixão é violenta como o abismo. Os seus ardores são setas de fogo, são chamas divinas. As águas torrenciais não podem apagar o amor, nem os rios o podem submergir."

23.7.06

O Máximo Minimalismo Possível

Topless is more.

Em Teoria 5

Um problema é mais interessante do que dez soluções.

Em Teoria 4

Uma solução traz consigo novos problemas.

Em Teoria 3

Um problema contém em si a sua solução.

Pontuar

Travessão. Um amigo de Hans recomendou-lhe entusiasticamente um restaurante português, localizado na outra margem do rio. Ponto Final. Esse amigo falou-lhe do prato que experimentou. Dois pontos. Bacalhau assado na brasa com batatas a murro e muito azeite. Converso com Hans e reconheço a coincidência. No sábado. Reticências. Sábado é o dia depois de sexta-feira. Ponto Final?

Consumir Preferencialmente Antes De...

A vida, por vezes, parece-se com as cervejas fora de prazo de validade no Verão. Sabemos que nos podem fazer mal, mas arriscamos bebê-las. Ou, em alternativa, optamos por alguns copos de água mais ou menos fresca.

22.7.06

Less...

is more?

Of course.

A Idade do Gel (40º à Sombra!)

Enquanto os filhos usam gel para levantar as respectivas cristas, o pai usa gelo para manter a cabeça fria.

Pessoa:

"Viajar! Perder países!"

Pessoana (revista)

Viajar, ganhar raízes.

Pessoana

Viajar, perder raízes.

A Sul de Nenhum Norte

Não apenas "os lugares", também nós estamos sempre no estrangeiro. E não temos bússola, nem mapas, guias ou roteiros para a viagem.

Em Teoria 2

Todos merecemos uma segunda oportunidade. E uma terceira. Uma quarta. Uma quinta. Uma sexta...

Em Teoria 1

Um erro pode salvar-nos.

Sul

Mais uma viagem, à descoberta de outros sons. Na despedida breve, uma frase de Herberto Helder, que cai da estante, enquanto desarrumo livros para a mala: "Todos os lugares são no estrangeiro".

Na Rede

Chama-se Mazen Kerbaj e, tal como Zena el-Khalid, tem 30 anos. Talvez se conheçam. Moram em Beirute. Ela surgiu-me nas páginas de um jornal inglês. O blog dele, descubro-o hoje no DN. Ela confessava o receio de que o fornecimento de energia à sua casa fosse afectado pelos bombardeamentos, porque a ligação à internet é uma das coisas que lhe permite manter alguma sanidade. Ele deve pensar o mesmo, enquanto faz mais um desenho.

21.7.06

Combustão


"My Neck Is Thinner Than A Hair: Engines" está em exposição na zona das novas aquisições da Tate Modern. Uma centena de fotografias, a preto e branco, lado a lado com folhas anotadas: memórias dos 245 carros-bomba que explodiram no Líbano, entre 1975 e 91. Numa nota explicativa deste projecto/objecto do Atlas Group, lembra-se que o motor de um carro armadilhado era a única parte do veículo que ficava inteira, sendo muitas vezes projectado a dezenas ou centenas de metros. Depois da explosão, a localização do motor era uma das tarefas prioritárias de agentes de segurança, jornalistas e populares.

Lavagem

Vou lavar o carro num daqueles postos de auto-lavagem (é assim que se diz?) à beira da estrada. Durante 5 minutos, com a pressão no máximo, corro todo o programa: pré-lavar, lavar, enxaguar, abrilhantar. No fim, descubro (como sempre) nódoas, restos de insectos, pequenas manchas. Aceito isso. E sigo viagem.

Digestivo

Tenho uma pergunta para não te fazer e digo-te isto apenas para que saibas que eu sei o que dirias se te fizesse a pergunta que não te farei.

L.A. 1982 ...

O Superman. O judge. O Mom and Dad. Mom and Dad.
O Superman. O judge. O Mom and Dad. Mom and Dad.
Hi. I'm not home right now. But if you want to leave a
message, just start talking at the sound of the tone.
Hello? This is your Mother. Are you there? Are you
coming home?
Hello? Is anybody home? Well, you don't know me,
but I know you.
And I've got a message to give to you.
Here come the planes.
So you better get ready. Ready to go. You can come
as you are
, but pay as you go. Pay as you go.

And I said: OK. Who is this really? And the voice said:
This is the hand, the hand that takes. This is the
hand, the hand that takes.
This is the hand, the hand that takes.
Here come the planes.
They're American planes. Made in America.
Smoking or non-smoking?
And the voice said: Neither snow nor rain nor gloom
of night shall stay these couriers from the swift
completion of their appointed rounds.

'Cause when love is gone, there's always justice.
And when justive is gone, there's always force.
And when force is gone, there's always Mom. Hi Mom!

So hold me, Mom, in your long arms. So hold me,
Mom, in your long arms.

In your automatic arms. Your electronic arms.
In your arms.
So hold me, Mom, in your long arms.
Your petrochemical arms. Your military arms.
In your electronic arms...

Nada A Declarar



Dirás apenas, em tua defesa, que és um modelo pop.
Nesta cidade, quem duvidará?
Basta que não corras para o metro, com uma mochila suspeita.

(fotos: J - Londres, Jul. 2006)

20.7.06

Exame no Parlamento (dois momentos pedagogicamente inesquecíveis)

Grupo I (com som): a Senhora Ministra da Educação de pé, hoje, no Parlamento. Face ao burburinho dos deputados causado pelas suas explicações (?) sobre os problemas com os exames nacionais, levanta os olhos do discurso escrito e deixa escapar, entre o lamento e a queixa: "Mas não me deixam falar!" Frase que, facto curioso, tenho ouvido nos últimos tempos a muitos professores...
Grupo II (sem som): a Senhora Ministra da Educação sentada, hoje, no Parlamento. Face à barreira de perguntas, dúvidas e questões da Oposição, conversa com e parece precisar do apoio e das sugestões em off do colega de governo, Augusto Santos Silva. Personalidade que, facto curioso, como toda a gente recorda, foi um excelente Ministro da Educação...

Exame de Psicologia


A questão dizia (cito de cor): "Conhecer a personalidade de uma pessoa implica saber o que ela pensa, como sente e o que faz. Defina personalidade." É por estas e por outras que eu não consigo deixar de desconfiar dos "psi": a personalidade de uma pessoa? Quantas personalidades habitam em cada um de nós? Esta gente não aprendeu nada com o Pessoa? "Não sei quantas almas tenho. / Cada momento mudei. / Continuamente me estranho. / Nunca me vi nem achei." Somos quantos? E alguém sabe com exactidão o que pensa? Nunca leram, sequer, Camões: "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades"? Como alguém sente? O que faz? Como é que sabemos isso? Como é que dizemos isso? O ser humano não se caracteriza pelo improviso, a surpresa, a criatividade, o descontrolo? Não é preciso ler Piaget, basta ver com atenção (e muito gozo!) os filmes do Woddy Allen. É por estas e por outras que eu prefiro a literatura e o cinema... Os alunos bem abanaram as cabeças, suspirando. E não era só do calor! Mas reconheço que as folhas do exame acabam por ter alguma utilidade: sempre fazem de leque refrescante na tarde abrasadora. Uff!

Less is More?

Como reduzir a dois ou três parágrafos uma overdose de estímulos e propostas e sons e cores e formas? Nota que tirei poucas fotografias, expressão curiosa esta, como se roubássemos pedaços da realidade, tornando-a um pouco mais misteriosa para quem nos segue na interminável fila mas, afinal, fazendo apenas um copy-paste da frenética metralha destes tórridos dias noutra cidade.


Como este homem que foca um detalhe na magnífica Tate Modern, onde se multiplicam referências, telas, objectos, filmes, sons. O que é a arte? O que é a arte moderna? Para que serve? Perguntas mil vezes respondidas sem nunca satisfazer a curiosidade, a inquietação. Serve para interpretar o mundo, seguramente. Para denunciar, às vezes. Para interrogar, interrogar, sem nunca ficar completamente satisfeito com a resposta?

Less is More. Com um dos lemas (alegadamente cunhado por Mies van der Rhoe) dos modernistas ao peito, procuramos filtrar a avalancha, perguntando "do que gostaste mais?", "qual é o teu favorito?", no final de cada sala, de cada piso. Na Tate mas também no V&A onde descobrimos como são tremendamente actuais algumas das referências desbravadas há perto de um século!

A temperatura nas ruas (e sobretudo no infernal metropolitano sem ar condicionado apresentável, numa cidade onde quase tudo o resto é bastante apresentável, incluindo, não há como evitar o t[r]ópico, as esguias pernas de loiras e morenas e asiáticas, que se escapam de mínimas saias e calções) parece acompanhar a escalada do delírio bélico no Médio Oriente. Cada dia mais quente que o anterior, com as fotografias de chinelos arrancando fiapos de alcatrão numa cidade inglesa rivalizando com as imagens dos destroços de pessoas e edifícios no Líbano, nas primeiras páginas dos jornais. Que interessa a onda de calor, perante o tsunami de fogo, apetece perguntar, enquanto uma voz nos subterrâneos volta a lembrar, pela segunda vez em poucos minutos, que é bom ter sempre à mão uma garrafa de água e que, se alguém se sentir mal, deve procurar ajuda, evitando seguir viagem.

Pode ser aqui, enquanto pulamos da District Line para a Piccadilly, que mergulhamos no diário de Zena el-Khalid, 30 anos, artista libanesa. Nas páginas do Guardian, ela lamenta: "Everything we've worked towards for the last 10 years - it's gone". E, ao espreitarmos a intimidade desta pessoa de carne e osso, no olho do furacão das notícias, ficamos a saber que ela não deixa Beirute por causa de uma amiga doente a quem, no entanto, tinham anunciado, no primeiro dia de bombardeamentos, que os tumores pareciam estar a regredir. "I can't leave Maya" explica Zena, que tem dado guarida a alguns estrangeiros de passagem, entre o medo e a fronteira. E ela própria, interrogando-se se também tentaria partir, não fosse a amiga doente: "I would have to leave behind all my artwork in my studio. What about all my brushes and paints and glitter and books? (All my books!) What about our photo albums? Our family pictures?".

De que é feita a vida da gente? Less is more?

19.7.06

A Nossa Vida No Campo Um Pouco Antes dos Quarenta

Depois de um extenuante dia de trabalho, sardinhada nada extenuante na "casa de campo" dos P., nos Brejos da Moita. Os miúdos jogaram à bola na poeira. Comemos em frente à casa, aproveitando a sombra e o crepúsculo da tarde. Rimos e dissemos mal das chefias & restantes ministras. Lançámos achas para as fogueiras. O P. mostrou-me, no escuro, as laranjeiras, as nogueiras, as oliveiras, as pereiras & os pessegueiros que a toda hora exigem rega e cuidados. Falou dos próximos empreendimentos: o forno para os assados, o resto da calçada na frente da casa, o muro sobre a muralha que dá para a garagem... O homem não pára um segundo! Valente! O F. e a Z. celebram, por coincidência, 18 anos de casamento. Mas desistiram de comemorar o evento, pois que as comemorações têm acabado sempre mal! Com gente de família a adoecer! Ou com os cartões de débito a ficarem retidos nas caixas multibancos! Ou com discussões! O diabo a quatro... Deixaram de comemorar, portanto. E, por coerência, hoje também não o querem fazer... O que suscita mais uma caterva bem recheada de "bocas" e comentários cheios de segundas e terceiras intenções. Depois, bebemos café e regressamos, a rapaziada já em ponto de rebuçado. Em casa, a água das lavagens & das limpezas é castanha escura. Mas, pormenor de alguma importância, os rapazes adormecem como dois anjos... Sim, não restam dúvidas, o ar do campo purifica mesmo os corpos & as almas!

17.7.06

Só Mais Uma...

É por uma boa causa... Força, Benfica!

À Porta (de Casa) Fechada!

E, de repente, isto por aqui ficou bastante mais animado!

Efeito de Estufa (um poema para Woody Allen)


O frigorífico, como um urso branco nos trópicos, arqueja...
A ventoínha, qual fanado besouro, deu o estouro!
Os telefones, coitados, desmagnetizados também...
E eu, caído no chão, "não me sinto lá muito bem!"

16.7.06

Relações Luso-Alemãs 2

Com a aproximação do casamento da N. e do J., as relações luso-alemãs tenderão a intensificar-se nos próximos dias. Hoje recebemos um telefonema e a visita de F., um berlinense, adepto do Borussia de Monchengladbach e da selecção portuguesa, por quem "puxou" no último Mundial, vestindo sempre um blusão com a palavra "Portugal" nas costas, no meio das multidões de alemães que apoiavam a sua equipa nacional. Está, por duas semanas, hospedado numa pensão em Alfama, e vive espartanamente: umas sandes e umas bananas por dia, mais água, porque o dinheiro não dá para mais. Não é, claro, um alemão típico; antes pelo contrário. Conhecemo-lo em Berlim, há uns anos, e está na mesma, o que foi um bom tópico de conversa. Falámos muito de futebol (ele impressiona porque conhece, em pormenor, as vitórias e as derrotas das equipas portuguesas e gosta muito do... Benfica!), de fado (de Amália e de Carlos do Carmo), de Fátima, de Salazar e do comunismo, dos pais dele (que fugiram da desaparecida República Democrática Alemã para a antiga República Federal Alemã: "E ainda bem!", exclamou ele, sorrindo) e dos meus, do Alentejo, de bagaço e da sua primeira vinda a Portugal em 1980... Adorou a Sopa de Peixe da C. e bebeu vinho tinto de Pegões. Foi bom reencontrá-lo. Até breve.

Relações Luso-Alemãs

aqui falei da N. e do J., marido & mulher a partir do próximo Sábado. Já vos contei da confusão, que ele não consegue evitar, por causa do seu português incipiente, entre "amar-te e respeitar-te" e "amar-te e espetar-te"... Não falei foi do P. e da A. M., pais da noiva, emigrantes portugueses na Alemanha a partir dos inícios da década de 70. E que aprenderam alemão sabe Deus como! Bom, o suficiente para viverem e trabalharem lá, como muitos outros portugueses, durante 30 anos. Para se fazerem entender nas coisas básicas, com certeza. Mas, também com certeza, vítimas das armadilhas da traiçoeira língua alemã. Na verdade, tal como o J. confunde "respeitar-te" com "espetar-te", também os pais da N. dizem em alemão coisas que não parecem propriamente alemão (diz quem sabe...). Querem exemplos? P., convidando o seu futuro genro a "fazer festas" à Leoa, uma das cadelas lá de casa, diz em alemão algo como "Pinta o cão!" - coisa, sem dúvida, um pouco surrealista e que deixa confuso e hesitante qualquer um... Mesmo um alemão de Bremen! Por sua vez, a mãe de N., esforçando-se por dar uma imagem positiva do seu país natal, resolve elogiar as séries televisivas portuguesas. Especialmente aquelas que têm, como protagonistas, crianças e jovens. E diz, em alemão: "As crianças fazem um bom papel!" Mas o que diz, afinal, é um pouco mais, ou um pouco menos, que alemão, pois J. não compreende muito bem o significado do que foi dito. Meio confundido, pergunta se são séries de desenhos animados para crianças... ou são as personagens que são de papel? "Não, nada disso! Fazem um bom papel!" "Ah, sim, a falar é que a gente se entende..."; mas como é que se diz isto em alemão?

14.7.06

Quente & Frio

O facto de me sentir agora tão quente, quente, quente, significará que estou quase, quase, quase a encontrar o que está escondido e eu procuro?

Brincar Com o Fogo


Proposta cinematográfica para noites escaldantes como estas? Body Heat, de Lawrence Kasdan...

Falta Aqui Uma Palavra...

Pormenor irrelevante, próprio de assuntos com o valor de "amendoíns": à recensão de João Miguel Tavares, hoje, no suplemento "à 6ª" do Diário de Notícias, falta(m) a(s) ùltima(s) palavra(s). Trata-se de uma crítica à meritória edição, pela Afrontamento, dos dois primeiros volumes, em Portugal, da integral de Peanuts, a criação inconfundível de Schulz, texto que termina assim: "A vida de Peanuts estava tão misturada com a sua (do seu autor) que morreu na noite anterior à publicação da sua última". Última quê? Tira? Prancha? História? É óbvio que houve aqui uma "falha técnica" - alguma coisa falhou na composição/impressão do texto do crítico...

Mas, por outro lado, agrada-me pensar que isto foi uma partida (involuntária?) do Snoopy. Ou imaginar que o texto, num efeito irónico, teve um colapso cardíaco e não chegou ao fim, tendo mesmo assim acabado. Ou, ainda, que o texto ficou em aberto para que o leitor se sinta implicado nele e o continue e conclua à sua maneira, reforçando o desejo de ver e de ler os desenhos e as palavras de Charlie Brown, Patty e companhia...


"Apenas amendoíns", dizem vocês? Pormenor irrelevante? Também a vida o é, em certo sentido. Como afirma Charlie Brown, citado por João Miguel Tavares logo na abertura do seu texto: "A vida é como um grande chupa-chupa. Hoje existe, mas amanhã já não." O sabor do chupa-chupa é, pois, o pormenor irrelevante que faz toda a diferença.

13.7.06

Maldita Cafeína & Estuporada Nicotina

Mesas-tabuleiros-de-xadrez. A preto (café) e branco (cigarros). O Roberto vai ao dentista no lugar do Steve(n). Há sempre um gémeo bom e um gémeo mau. Algures na Califórnia, Iggy Waits For Tom. A música e a medicina são a vida do último. E deixaram os dois de fumar. Por isso o Tom, no seu famoso tom fanhoso, diz: "A parte mais bela disto é que, agora que deixei, posso fumar um cigarrinho... porque já não fumo." A dieta de Vinny Vella e a dieta de Vinny Vella Jr. Rennée, very french, com sua combinação perfeita (cor & temperatura) de café, leite, dois grãos de açúcar e um cigarro. E o empregado impertinente. E o catálogo de pistolas & revólveres. Etecetera. Os dados estão lançados. A Cate loura e a Blanchett morena. Meg, Jack e Nikola Tesla. 24 Hour Party People e a história falhada de dois actores que descobrem que são primos. A diferença entre Spike Lee e Spike Jonze. E a diferença entre RZA e GZA: outra vez música e medicina, mas desta vez com o Bill Murray em "serious delirium". "Isto fica entre nós, OK?" Uma ária de Mahler: "Já Não Conheço o Mundo", um pouco antes do coffeebreack. "Long Live Joe Strummer"! Sim, o cinema prejudica gravemente a saúde. "Queres fumar um comigo?"

12.7.06

Informações. E Segurança?


A pedofilia é o Horror. Nenhuma dúvida quanto a isso. Mas como é que se pode dar este passo? Uma nova "caça às bruxas"? O SIS é a nova Inquisição? Vão queimar os livros de Thomas Mann, de Nabokov e do surpreendido e chocado (com toda a razão!) Possidónio Cachapa na praça pública? Os filmes do Visconti e do Kubrick (e do Jarmush: Broken Flowers cita directamente Lolita, lembras-te PB?)? E com o argumento de que "esses autores e títulos terão sido encontrados em sítios da Internet relacionados com a pequisa que estava a ser levada a cabo"! Agora que citei esses livros e autores, passo ser suspeito (tal como o Diário de Notícias e a jornalista Fernanda Câncio que nos informam sobre esse relatório do SIS)? Onde é que iremos parar? A arte faz-se com bons sentimentos? Com moralismo? Com boas intenções? Não é disso que o Inferno está cheio? Kundera aparecerá nessa lista? Foi ele que escreveu: "Desde sempre, profundamente, violentamente, detesto os que querem descobrir numa obra de arte uma atitude (política, filosófica, religiosa, etc.), em vez de procurarem nela uma intenção de conhecer, de compreender, de apreender este ou aquele aspecto da realidade." (Os Testamentos Traídos, p. 85). Palavras sobre A Sagração da Primavera, a obra-prima de Stravinski... Será que lhes levantarão um Processo? Ou Kafka também é para queimar?

L.A.

Não podendo ir ao Porto amanhã, coloco aqui, e agora, os auscultadores para ouvir a voz & a música sibilina e densa de Laurie Anderson: "there are a milion stories in the naked city. But no one can remember which is theirs." ("City Song", United States, Part Two).

Problemas com o Simplex

Chegando esta manhã à repartição de finanças, dou conta de que há cerca de 40 pessoas à minha frente para serem atendidas. Amontoam-se num espaço minúsculo, ao cimo de umas escadas, e junto ao balcão da tesouraria. Resolvo esperar, tentando perceber qual o ritmo do expediente. Passados 10 minutos, um primeiro contribuinte sai, após o respectivo atendimento. O calor é sufocante (muita gente, pouco espaço, nenhuma janela...). Alguém resmunga. Trocam-se duas ou três palavras sobre a maldição do país. Diz-se uma ou outra piada (falhada)... E o tempo passa, ou custa a passar. Olho o relógio e faço as minhas contas: desisto de esperar e decido que o melhor é mesmo aderir à modernidade dos pagamentos ao estado via internet. Chego a casa e procuro pagar o imposto em causa. Mas, ou não consigo abrir a página das Declarações Electrónicas (excesso de utentes? programas sem qualidade? as duas coisas juntas?...), ou o programa abre e vai abaixo a meio do processo de fornecimento e confirmação de dados, de apresentação de senha, de emissão dos documentos de cobrança, enfim, uma festa! Praticamente, uma hora e meia nisto! Podia ser mais simplex e mais rápidex, não podia? Bom, ao menos fui ouvindo a Laurie Anderson no leitor de CD's cá de casa. Sentado. E com muito menos calor... humano.

11.7.06

play it

Morte. Fim?

Six feet under.
A melhor série que alguma vez vi sobre a morte. A mais séria pelo menos. 63 episódios. Excelente.
Para mim nota 10.
Chegou ao fim ...

10.7.06

O "Desporto-Príncipe"

Virada a página do Mundial, é tempo de voltar a olhar cá para dentro. E devo começar por dizer que, ao contrário do Figo e do Pauleta, ainda não chegou a minha hora de ceder o lugar aos mais novos cá de casa. Mas quero deixar claro que é por eles, não por mim. No meu entendimento, ainda têm muito que aprender e, sozinhos, talvez não consigam os resultados que estão ao seu alcance e que todos esperamos deles. Por isso, seja qual for o seleccionador, eu continuarei disponível para dar o meu melhor à equipa. Para ajudar na transição. Desde logo porque, embora jogadores seleccionáveis, não se entendem quanto às regras básicas do jogo. Por exemplo, a noção de golo é algo abstracta, subjectiva, pois não existem materialmente balizas. Isto é, existem umas linhas imaginárias, mais ou menos indefiníveis, que podem andar para a frente ou para trás, em conformidade com a posição de atacante ou de guarda-redes que cada um vai ocupando à vez. Portanto, como calculam, os jogos não primam pela serenidade, apesar do meu pulso forte enquanto árbitro. Empurram-se, gritam, caem, uma cegarrega! De resto, para haver jogo, ele ganha, não poucas vezes, contornos algo absurdos. É o caso dos momentos em que, ao contrário do futebol dito normal, o desafio só avança se houver duas bolas em campo, uma para cada um. Pelo que o mais velho corre para um lado, e o mais novo para o outro, marcando sucessivos golos simultâneos! Chego a perder-lhes a conta! Mas não é o golo o gozo do jogo? Que marquem, portanto, muitos! O que tem uma vantagem evidente, em comparação com o jogo oficial: jogando um contra o outro, ganham sempre os dois. E com grandes goleadas! Qual futebol defensivo e táctico! Qual "catenaccio"! O futuro está no ataque: imaginar a baliza em cada remate... Gritar golo a cada pontapé na bola... Como no princípio.

Joguinho didáctico ...

Vai uma CABEÇADA?

"SIM, sou um pouco pateta ..."

Um gajinho que faz as equipas com base nas cartas astrológicas tem muito que se lhe diga ...

"Não meu, aqui é para jogar futebol ..."


"Não meu, aqui é para jogar futebol ..."

9.7.06

A "Guerra Gelada"

Agora que a Coreia do Norte, com uns estranhos mísseis de curta duração, quer fazer de União Soviética e a América de Bush quer continuar a fazer de América (é fácil, não?), recuperando o clima de "Guerra Fria" do pós-Guerra do século passado, leio uma notícia, vinda a lume no suplemento de "Economia" do Diário de Notícias da última 6ª-feira, a páginas 14, que me deixa pasmado: "Funcionários da Coca-Cola apanhados a roubar informação e vendê-la à Pepsi". Descontando as imprecisões e os erros de português deste título, passemos ao núcleo duro dos factos, à matéria noticiosa propriamente dita: a jornalista Cátia Almeida diz-nos, então, que "(...) Três funcionários da Coca-Cola, nos Estados Unidos, estão a ser acusados pelo FBI por espionagem industrial. Os empregados terão roubado informação confidencial da empresa, incluindo uma amostra de uma nova bebida, tentando vendê-la posteriormente à Pepsi." Até aqui, nada de mais: há espionagem industrial desde que há indústrias, empresas, mercado, concorrência, capitalismo, etc. Em suma, há notícia, mas não há novidade. Os dois parágrafos seguintes é que são de assombrar. Duvidam? Então leiam isto: "Só que a rival da Coca-Cola não gostou da atitude, por muito valiosa que fosse a informação. Depois de contactada, a Pepsi denunciou o caso ao FBI, colaborando com as autoridade para desmascarar os espiões. / Mais: avisou a Coca-Cola que tinha recebido uma carta de "um funcionário de alto nível" da companhia, dizendo que tinha "informação muito confidencial e detalhada". Em troca dos documentos, os colaboradores pediram à Pepsi 1,5 milhões de dólares. E foram apanhados no dia em que se preparavam para receber este montante da Pepsi." O mundo mudou? Ou só a Pepsi? Se os concorrentes começam a agir deste modo, adeus espionagem industrial. Têm medo? A ética e a lei passaram a contar? Estranho, muito estranho... E imaginem agora que o vírus se espalha por outras áreas da economia, da sociedade, da política mundial. Dois norte-coreanos, cansados do Kim Jong Il, decidem dar com a língua nos dentes e revelam, à administração americana, o segredo bem guardado da melhor (!?) cerveja norte-coreana. Deve Bush entregá-los, com a ajuda preciosa das manobras sempre eficazes da CIA e do FBI, aos seus patrões de Pyongyang? Ou vice-versa? Não: os espiões merecem o nosso respeito, sejam militares ou civis; actuem no plano político ou industrial. É preciso preservá-los, protegê-los; não denunciá-los! Como é que John Le Carré poderá desenvolver a sua carreira de romancista? Caramba, sem o Garganta Funda não existiria Watergate, nem filme do Pakula, nem livros do Bob Woodward e do Carl Bernstein... Revelados os espiões da Coca-Cola pela Pepsi matou-se, à nascença, o Colagate. É pena. Assim é tudo mais limpo e honesto. Mais branco (e nós não somos esquimós, não temos não sei quantos cambiantes de branco!). Enfim, uma espécie de mundo colgate: um mundo que lava mais branco. Sem zonas negras, cáries, um hálito a aventura e a perigo. Sem adrenalina. Mas com muita Coca-Cola.

Ganhar, Perder & Empatar


Enquanto eu acompanho, na SIC, a musculada final desta noite, os rapazes cá de casa preferem, no Panda, os jogos das estrelas Oliver & Benji, uma animação japonesa em que, por norma, vencem os bons e perdem os que se portam mal. No episódio de hoje, as equipas (que podem ter nomes como Toho, Namkatsu, Clifford Yuma ou Furano) acabaram empatadas no fim dos 90 minutos, porque nenhuma mereceu perder. As noções de justiça e de camaradagem sobrepuseram-se, claramente, à de ganhar a qualquer custo, provocando e humilhando o adversário. Também o Itália X França acabou empatado, ao fim de 90 e de 120 minutos. Com uma diferença em relação aos desenhos animados japoneses: nenhuma das equipas mereceu ganhar. E uma diferença ainda maior: uma agressão incrível de Zidane a Materazzi. Foi aí que se decidiu o jogo. A França não poderia ser campeã do mundo depois de uma cabeçada daquelas por parte do seu melhor jogador de sempre. Não é só na animação que os bons vencem e os maus são vencidos. No lugar do Zidane expulso, Trezeguet fez o que tinha a fazer. E a bola bateu do lado de fora da linha de baliza, precisamente ao contrário do que aconteceu aos 7 minutos da primeira parte...

8.7.06

Cinematoca

(foto: marianne muller)
O calor, sem legendas, decalcado no chão da cozinha. Nú, de pernas abertas.
- Se apetecer, há gelo? – Diz: de pé! (com os braços esticados sobre a cabeça, apoiados no armário).
- Assim ?
Lampejos na barriga contra o mármore.
A palavra exacta para tescrever, em branco, uma cicatriz.
- Tenho o guia pronto. Falta decidir que praças e avenidas levo de mim.
- Sai a correr ou fica para sempre!
- Assim ?
Uma voz na nuca. Sem legendas.

7.7.06

Vidro & Metal


Crash. O título do filme diz muito mais do que "colisão": estrépito, estampido, estrondo, destruição, ruína, bancarrota, queda (por exemplo, de um aeroplano no solo...). E diz muito sobre o filme, tão inesperado e belo. Tão triste e realista, se bem que tocado por uma espécie de ensinamento sobre as coisas da vida. Um ensinamento que não é novo, não há aqui qualquer pretensão de novidade filosófica; já dominamos esta matéria, mas aprendemo-la de novo. Aprofundamos. A ideia simples de que não podemos nunca saber o que nos vai acontecer a seguir. Alguém, ou alguma coisa, poderá colidir connosco. Ou nós podemos colidir com alguém, ou alguma coisa. Sem querermos. Ou querendo uma coisa e provocando outras. De resto, o filme parece querer dizer-nos que as nossas vontades ou intenções de pouco servem na vida real. As coisas acontecem, e pronto. Aceitamo-las melhor ou pior, ou não as aceitamos de todo. Mas elas já aconteceram e estão a acontecer. E viver é isso. Acidentes (não, particularmente, de natureza automobilística), incidentes, acasos, enganos, trocas, equívocos, sorte e azar, tempo certo e local errado, ou local certo e tempo errado. Ou outra qualquer variação que não dominamos. Sendo um filme sobre Los Angeles, trata de tudo isto numa perspectiva singular: partindo do pressuposto de que essa não é uma cidade como as outras. Qual será, então, a diferença da cidade dos Anjos (directamente citados no episódio do iraquiano que dispara sobre a rapariguinha de 5 anos, filha do serralheiro honesto e trabalhador, vítima, como quase todos, de preconceitos e racismo)? A ausência de toque, de contacto físico: de encontrões, de raspões nos passeios, do roçar dos corpos humanos desconhecidos e anónimos em espaços diminutos como são as grandes urbes modernas. Em Los Angeles, todos se protegem, como diz o polícia negro, logo no início do filme, por detrás do vidro e do metal. Dos edifícios e dos carros. E, sobretudo, por detrás do vidro e do metal da incompreensão e dos preconceitos sobre os outros. O tema do racismo é óbvio; mas também se abre espaço, por exemplo, para se pensarem as mentiras do politicamente correcto (personagem do procurador) ou a raiva e o desapontamento conjugais (relação entre o realizador televisivo e a mulher, depois do encontro nocturno com os polícias brancos), etc. De qualquer modo, o mais interessante no filme são a sua estrutura (personagens que não se conhecem e se cruzam nas ruas e descampados da cidade, salvando-se e destruindo-se mutuamente sem saberem muito bem porquê) e o facto da mesma colocar cada uma das personagens, de forma um pouco aleatória, em situações ora de domínio e humilhação de outros, ora em situação de serem dominadas e humilhadas; ora de ódio em relação ao outro, ora de disponibilidade para o ajudar. Exemplos? Primeiro: o polícia racista (magnífico Matt Dilon) salva da morte a mulher que na noite anterior humilhara em frente ao marido; segundo: o polícia branco, bom e justo, que mata o rapaz negro a quem dá boleia na noite gélida, julgando-o, naquele momento erradamente, um perigoso delinquente. Neste sentido, o filme é, ao mesmo tempo, muito familiar e completamente surpreendente para o espectador, que nunca pode dar por garantido o passo seguinte de qualquer personagem. Por isso há quem morra ou quem sofra no hospital; mas há também quem redescubra o amor (o casal do realizador) ou a verdadeira amizade para além das diferenças raciais e sociais (a surpresa de ver Sandra Bullock como uma mulher frustrada e agressiva que, só depois da sua queda - crash -, compreende quem é a sua "melhor amiga"), sendo que o filme não cede a um qualquer happy end para recompor o caos. Pelo contrário, o que as imagens finais sugerem (a neve, a cidade e os seus milhões de luzes e habitantes) é que as colisões continuam sem parar. Quer dizer: os estrépitos, os estampidos, os estrondos, a destruição, a ruína, a bancarrota, as quedas... Tudo isso criando sempre algo de novo: energias, encontros, amor, ódio, criativade, desilusões, sonhos, sobrevivência. Vida. Como uma fogueira gigantesca no meio da noite escura e gelada.

XIII


L. quando puderes tens de ler estes albuns.
Tenho os 10 primeiros de 17. Vale a pena.
Podes comprar ou se quiseres empresto.

Aliás tens de ler:
Comanche, Bernard Prince, Bruno Brazil, Luc Orient, Largo Winch (a Gradiva recomeçou a publicar) ... ETC!!!
Neste momento tenho quase tudo o que se publicou destas personagens e do Hermann e do William Vance ...

Néon

Abandonou o blogue no passeio, junto aos contentores da reciclagem. Pouco depois, um vulto aproximou-se e remexeu-o com o pé, distraidamente. Olhou em volta, coçou a nuca, levantando ligeiramente o boné. Depois, num gesto rápido, agarrou no blogue e virou a esquina, em passo largo.

Foi encontrado no dia seguinte, debaixo de um viaduto movimentado. Tinha o corpo cravado de posts melancólicos.

Quiz Portugal

O que há aqui, para além do desejo de ganhar o Mundial de Futebol e fugir ao fisco?

Gosto.
Das azeitonas (e da comida quase toda). Do Alentejo. Do mar, apesar de tudo, sempre por perto. Do modo como algumas palavras se juntam para desencadearem poemas. Do vinho. Da segurança nas ruas da cidade.

Não gosto.
Dos taxistas. Da sujidade. Dos atrasos. Da inveja, pequenina. Do improviso chico-esperto. Do queixume. Da subsídio-dependência. Do modo como se conduz.

(continua / continuem)

Stina Nordenstam

Sento-me na cama e dobro-me para descalçar os sapatos. Puxo o atacador, de forma ligeira. Ele parece desfazer o laço mas afinal aperta um nó. Só, isto.

Hey, you! ( a vida também é como nos filmes)

Corria o ano de 86, (onde é que nós andávamos? seguramente que não era em) Brooklyn, NYC, USA. O casal Berkman vive num ambiente tenso, esboçado em metáfora de jogo de ténis, aos pares, com os filhos, logo a abrir. Um dia, depois de uma discussão com a mãe Joan (Laura Linney), o pai, Bernard (Jeff Daniels), pede a Walt, 16 (Jesse Eisenberg) e Frank, 12 (Owen Kline) para virem para casa logo a seguir à escola, porque vão ter uma reunião de família. O filme vai contar-nos a história da separação do casal (ele professor/escritor a viver à sombra de louros antigos, ela a despertar da sombra dele para o sucesso próprio), com uma complexa custódia partilhada dos dois rapazes. Num filme que faz lembrar algum Woody Allen, boas interpretações, numa história de desejos, frustrações, descobertas. A vida, um pouco como ela é. Antes do filme, nas apresentações, um trailer a lembrar que este também já estreou.

6.7.06

Os Bons, Os Maus & O Vilão


Assim que digo ao Mais Velho para ir escovar os dentes, ele bate com os tacões das botas na poeira e resmunga: "És muita mau, pai!" Quando lembro ao Mais Novo que são horas de ir para a cama, ele levanta a aba do chapéu e barafusta: "És muita mau, pai!" Andaram os dois na mesma escola de actores? Claro que sim, claro que sou o Mau. Mas, como em qualquer western que se preze, alguém tem de fazer de Vilão nas fitas cá de casa, não? De outro modo, como se reconheceriam a coragem física, a nobreza, a grandeza de alma dos heróis? Na verdade, os Bons precisam dos Maus (tanto, afinal, como estes daqueles). E os piores índios são os que se armam em cowboys!

Ganhar & Perder


Hoje de manhã, na agência bancária, a meio de uma demorada exposição sobre as vantagens (para quem?) de novos "produtos finaceiros" (o que significa, verdadeiramente, esta expressão?), o meu (novo) "gestor de contas" (e esta quer dizer o quê?) afirmou, sorrindo, que "a nossa vida está cheia de dívidas!" Sobre isto, não tenho nenhuma(s) dúvida(s).

A Vida (Não) É Como Nos Filmes


"Em Abril de 1976, estreou-se a versão cinematográfica de Os Homens do Presidente (All the President's Men). Dustin Hoffman fez o papel de Carl, conseguindo captar a persistência frenética e nervosa de Bernstein. Redford representou-me e Jason Robards fez o papel de Bradlee como se ambos fossem gémeos. O aspecto, as maneiras e o ímpeto de Bradlee eram perfeitos. Robards viria a conqusitar o galardão de Melhor Actor Secundário da Academia. Não era de facto um filme sobre a Casa Branca, mas um filme sobre jornalismo. O centro era a sala de redacção do Post. Nixon e os seus homens só apareciam nos ecrãs dos televisores da sala de redacção ou em vozes sem corpo, a negar qualquer coisa ao telefone.
Nat Hentoff escreveu na Columbia Journalism Rewiew: "Em determinados sítios, a familiaridade é tão convincente que um jornalista pode ser atingido pela sensação obsessiva de que está a falhar os prazos enquanto está ali sentado.""
Bob Woodward, in O Homem Secreto - a história do Garganta Funda do caso Watergate, QuidNovi, Lisboa, 2006, p.87.

"On Deep Background"


Como sabem, Garganta Funda é o título do filme (de 1972) que lançou Linda Lovelace no estrelato.
Como sabem, Garganta Funda foi a expressão que Bob Woodward & Carl Bernstein utilizaram para designar a fonte que "orientou" grande parte da sua investigação jornalística, que culminou no Watergate e na demissão de Nixon (Agosto de 74).
Como sabem, o meu primeiro post aqui foi sobre o documentário Dentro da Garganta Funda, filme que problematiza, entre outros, o tema da liberdade de expressão.
Como sabem, a vida (não) é como nos filmes.
Como sabem, é no "como" que tudo se joga.

Perder & Ganhar

Digerir. Aprender. Levantar a cabeça. Olhar em frente. Começar de novo.

5.7.06

Portugal - França

Vamos ganhar...

Bela foto ...

in siconline

4.7.06

Imagens da Infância


Primeiro foram as palavras, depois vieram as imagens. E, por vezes, o encontro tem sido feliz. A relação da literatura com o cinema e a televisão é longa e fecunda, apesar das diferenças dos meios de expressão. Os exemplos são muitos, e poderei recordar alguns que me interpelaram ou comoveram especialmente: As Vinhas da Ira da dupla Steinbeck / Ford; O Coração das Trevas e Apocalypse Now de Conrad / Copolla; "O Morto" de James Joyce e do filme de John Houston; a Manhã Submersa de Vergílio Ferreira e a de Lauro António, para dar um exemplo português, etc. Como se vê, os exemplos que dou têm em comum o facto de ligarem literatura e, particularmente, ficção narrativa e cinema. Mas uma outra vertente que me interessa é a da relação do cinema com a realidade não ficcional, isto é, a forma de um filme lidar com a complexidade do real a partir de uma perspectiva, digamos, objectivamente realista. Falo daqueles filmes que, explícita ou implicitamente, se baseiam em factos verídicos, estabelecendo com o espectador uma espécie de pacto informal sobre a validade de um ponto de vista sobre algo que aconteceu, de facto, no mundo real. Em breve estaremos a falar de vários filmes sobre o 11 de Setembro (por exemplo, o de Oliver Stone). Mas esta é uma questão (quase?) tão antiga como o cinema. Quando os filmes conseguem criar esse efeito de real - isto é, quando, sabendo que estamos a assistir a um filme, todas aquelas imagens nos parecem tão genuínas como a realidade -, a emoção e a perturbação que sentimos (eu, pelo menos, sinto) diluem as fronteiras do verdadeiro e do ficcional e podemos viver o filme como uma experiência de descoberta de certas parcelas do mundo. Foi o que aconteceu comigo em relação ao Munique, de Spielberg. O efeito de real foi tão intenso que não descansei enquanto não li Munique - A Vingança, o livro do jornalista canadiano George Jonas que inspirou o filme. E tive de ver também Terror em Setembro, o documentário realizado por Kevin McDonald em 1999, sobre os acontecimento trágicos ocorridos nos Jogos Olímpicos de 72. Fascinado e horrorizado pela força da História. Pela ideia de que aquilo aconteceu de facto (mesmo que não exactamente assim...), a e com pessoas concretas e reais. E não, somente, a e com personagens. Algo de semelhante aconteceu agora, ao ver (em DVD) Os Homens do Presidente, o filme de 1976 de Alan J. Pakula sobre o caso Watergate. Baseado no livro de Carl Bernstein e Bob Woodward que descreve a sua minuciosa e persistente investigação dos meandros do poder político americano nos anos Nixon. Infelizmente, não existe tradução do livro disponível em português; eu seria, de certeza, um leitor apaixonado. Pela matéria jornalística, propriamente dita, claro; mas também porque, tendo em conta o filme, é impossível recordar esses idos de 70 sem os pensar em relação com a minha história pessoal. Sem pensar, por exemplo, que, em 76, eu tinha 8 anos. E que aquilo aconteceu já no meu tempo! E esta sensação de proximidade histórica pode revelar-se através dos pequenos pormenores (como aconteceu também com o Munique de Spielberg, perfeito na recriação da época): a roupa das personagens, o aspecto das casas, o mobiliário, os carros, a televisão a preto e branco, etc. Por tudo isto, é impossível ver (ou rever estes filmes) sem uma espécie de nostalgia de um tempo perdido que foi o da infância...

Onde "andem"?

Onde "andem"?

2.7.06

filme.

in record.pt