31.3.07

30.3.07

Silêncio de Circunstância

Outra vez o fim. De semana a semana, um parágrafo. Mudar de linha, em silêncio, e recomeçar. Enrolar-me na máquina de escrever descanso e trabalhar mais um pouco. Começar, num parágrafo de silêncio, a derrubar a semana. Escrever, outra vez, como quem inventa um alfabeto para mudar de linha. Pura circunstância, enfim.

Small Talk

A boca abre-se, fecha-se e as palavras vão saindo, acumulando-se ali mesmo, entre o nariz e o queixo, como um bafo nevoeiro num dia frio e sem vento. Palavras flutuantes, como se nada se tivesse passado. Quase o mesmo tom para a mágoa e para os novos estados de alma.

Quanta irremediável estranheza num rosto. Um eco, por entre mil imagens e sons. A boca, já disse – o corpo todo em fade out.

Era uma vez...

... o Pequeno Herói. É pena. Nunca lá fui, mas acompanhei a magia pelos relatos de quem agora me traz a notícia do encerramento. O que havemos de fazer, para manter as ilhas à tona deste mar revolto mas, ao mesmo tempo, tão apetecível? Comprar local, claro. Dinamizar a vida de bairro, sim. Mas, parece que não chega. Chamamos o super-homem?

29.3.07

Abril à porta

Quase um ano depois, as sombras permanecem mas a Luana está mais crescida.

Anúncio da Apple



As coisas bonitas devem ser partilhadas ;-)

O cartaz

Os aracnídeos colocaram um cartaz na rua. É um cartaz nojento, imbecil. Regista-se, é importante registar. As autoridades avaliam a questão legal. Cumprem a sua função. Espero que os media não se ponham aos gritos, sobre o assunto. Quer-me parecer que é isso que eles querem. Mas são apenas parentes menores das baratas. Coisas de rodapé.

Are You Talking To Me?

Às vezes, penso que estou a enlouquecer – loucura mansa mas, ainda assim, loucura. É quando vou na rua, mergulhado nos meus pensamentos (mais ou menos sombrios, mais ou menos extravagantes) e dou por mim à beira de verbalizar as minhas reflexões e os meus diálogos interiores. Isso! Quase, quase, quase a falar sozinho, em voz alta. Normalmente, disfarço. Observo um cão a cagar no passeio ou uma pessoa a tentar enfiar um carrinho de bebé entre dois automóveis, na passadeira – e passa. Hoje aconteceu. Disse, a pensar numa mulher que eu cá sei: “apetecia-me rebolar na relva contigo, escutar o teu riso fresco e esquecer isto tudo!”. Até fiquei zonzo e podia jurar que a velhinha, que se cruzava comigo naquele instante, apressou o passo. O meu olho direito ainda a apanhou a espreitar-me, de esguelha, já o esquerdo controlava o trânsito, no cruzamento seguinte. Não me parece que seja caso de polícia.

28.3.07

Outros Belogues

Gosto do layout e de algumas coisas que leio in.

(Central Park, NYC, 2005)

Olho por Olho

Não sou bem estrábico, tenho apenas um olho preguiçoso – apesar do meu amigo PB me retratar, desde sempre, como um Sartre elevado ao cubismo. Eu explico. Quando estou cansado ou quando fixo o olhar, para ler ou ver televisão, o olho direito arruma-se para o lado de fora e deixa o esquerdo fazer o trabalho principal. Bem sinto o constrangimento de algumas pessoas quando tentam perceber para onde estou a olhar quando, evidentemente, estou a olhar para elas. Nunca peço desculpa. Acho que não devo. Também há pessoas com o nariz torto ou umas orelhas anormalmente assimétricas e eu não me ponho com dichotes. Se têm alguma dúvida, perguntem. (Já agora, uma dica: nestes casos, apontem o olhar para o topo do nariz, mesmo entre os olhos. Nunca falha!)

Retomando. Não tenho visão binocular. Quer isto dizer que, ao contrário da maioria das pessoas, os meus olhos não conseguem formar uma imagem única. Não dava para piloto, até porque também sou proprietário de um formidável astigmatismo, que tem espantado gerações sucessivas de optometristas. Mas também não queria. Às vezes, sonho com um passeio de asa delta, mas não passa disso. Os médicos já me disseram que o problema podia ter sido corrigido quando era miúdo, mas agora tenho que viver assim. Não é nada de grave. Nunca me passou pela cabeça pedir contas aos meus pais. Agora que penso nisso, aquela fantasia da minha mãe querer mascarar-me de Camões, pelo Carnaval, podia ter ajudado. Por causa da pala, estão a ver? O problema era se me tapavam o olho direito, em vez do esquerdo. Mas eu, de Camões? Naaa! Não era por causa dos versos. Era a ideia de que os collants me fariam comichão. Só experimentei muitos anos mais tarde, daqueles para o frio polar. Bem quentinhos, por sinal.

Adiante. Resulta, de tudo isto, uma dúvida: quando o meu olho esquerdo está a processar a informação de um livro, de um filme ou da cara de um interlocutor, o que está a fazer o olho direito? Como não está fechado, presumo que também esteja a recolher dados – formas, cores, movimentos. Chegámos ao ponto. Imaginem que estou a ler na varanda: vou seguindo a história com o olho esquerdo, enquanto o direito vigia a vizinha da frente, que pendura a roupa no estendal. Poderá dar-se o caso de, uns anos depois, a minha memória de um belo romance de cavalaria incluir a surpreendente personagem de uma donzela com um telemóvel entalado entre a orelha e o ombro, enquanto vai espetando molas no equipamento do Benfica que o marido usa aos sábados, no futebol de salão com os amigos? Outro exemplo. Estou na sala, com o meu olho esquerdo a rever “A Mosca”, do David Cronenberg. O que faz o direito? Vai acompanhando o esvoaçar de uma verdadeira mosca, de quadro para quadro, da ombreira para a maçaneta da porta, e por aí fora. Será correcto admitir que este facto pode aumentar a intensidade da memória que guardarei daquele filme? É que, parecendo que não, pormenores destes podem marcar a vida de uma pessoa.

Ah, pobres olhos! Já vos dou descanso, depois deste parágrafo. Vou levar à letra o conselho dos oftalmologistas. “Para repousar a vista, procure o infinito, durante alguns instantes e, depois, rode os olhos em todas as direcções. É uma boa ginástica!”. Muito bem. Cá vou eu, a revirar os olhos. Um para cada lado.

AVC

O dia começou com a escuta da primeira versão de um trabalho sobre o impacto do AVC na vida das famílias dos doentes. Testemunhos fortes, cruzados com excertos do livro De Profundis, Valsa Lenta de José Cardoso Pires. Vai para o ar esta sexta, nestas frequências, depois das sete da tarde – na véspera do Dia Mundial do AVC. Vale a pena ouvir mas, atenção, é um bocado duro.

Para o jantar, resolvi estrear a biografia do O´Neill, de que já aqui deu conta o amigo LP. Encomendo os filetes e abordo a obra. Sai-me logo o fim da história, com o poeta a sair de cena, na sequência de um acidente vascular cerebral. “Olha que coincidência macaca!”, foi mais ou menos isto que pensei. De volta a casa, apeteceu-me partilhar a coisa. Mas, para o clima não ficar muito pesado, que a ponte já deve estar a precisar de reforço, junto-lhe uma espécie de música ligeira que tinha guardada em pauta, há algum tempo. Vai já aí em cima.

De resto, é o costume: saúde, amigos! Que as outras fortunas vêm por arrasto.

"O Bom Alemão", de Steven Soderbergh

Houve quem gostasse. C. considerou, irritada, malgré Clooney, "uma pura perda de tempo". Não serei tão radical. Mas, reconhecendo as intenções cinéfilas do realizador, não pude deixar de sentir desilusão: a homenagem ao cinema americano do tempo da guerra, ou do imediato pós-guerra, falha quando deixamos de sentir vontade de ver a homenagem e queremos rever os originais (Casablanca, O Terceiro Homem, etc.). Este é, claramente, um filme que faz lembrar outro do autor: Kafka (de 1991), também de inspiração literária, de ambiente europeu e de estética estilizada. Filmes cuidados e sérios, talvez demasiado cuidados e demasiado sérios. Falta-lhes alma e emoção: aquilo que encontramos, às golfadas, nos romances imperfeitos (inacabados) de Kafka ou nos filmes de Michael Curtiz e de Carol Reed. De Soderbergh prefiro, sem grandes hesitações, os filmes de temática americana como Sexo, Mentiras e Vídeo, Full Frontal ou Traffic. Ou, quem sabe, Bubbles, que ainda não vi.

27.3.07

"Portugal, um retrato social", de António Barreto (1º episódio)

E, agora, algo completamente diferente: serviço público de televisão na RTP! De vez em quando acontece, mas é raro. Na sexta-feira passada, quem soube, ou quis saber, pôde ver no canal 2 Lisboetas, o muito interpelador documentário de Sérgio Tréfaut sobre as diversas gentes que chegam a este extremo da europa ocidental com vontade de melhorar a vida. Hoje, a horas inesperadamente decentes, estreou Portugal, um retrato social, o programa de António Barreto que promete ser um oásis no meio do deserto televisivo público & privado. O que, na conjuntura actual, pôde funcionar como um contraponto involuntário, mas poderoso, aos resultados do concurso promovido pela própria RTP. Na verdade, as imagens e os depoimentos do país miserável, analfabeto e faminto que Salazar deixou aos vindouros também são uma resposta clara aos televotos dados a tão "grande português". Não que seja esse, obviamente, o intuito do programa de Barreto (sendo, aliás, empobrecedor vê-lo apenas a esta luz), mas é inevitável estabelecer esta ligação por força do próprio ponto de partida apresentado: Portugal mudou, e muito, nos últimos 40 anos (ou seja, desde que Salazar caiu da cadeira). Com avanços e recuos, somos agora mais urbanos, menos pobres, mais viajados e alfabetizados, vivemos mais e melhor, podemos dizer o que pensamos, há mais cores para além do cinzento. E, no entanto, o programa não me pareceu nada optimista, antes pelo contrário: é verdade que pudemos assistir ao nascimento da Rosa, logo no início (pretexto para valorizar o feito médico e social da redução da taxa da mortalidade infantil), porém a secção final foi dedicada ao modo como lidamos com os nossos mais velhos. E, embora tudo tenha sido mostrado com pudor e dignidade, a verdade é que sobressaiu, apesar das novas relações familiares, mais livres e individualistas, a imagem de um país pouco jovem, doente e cansado, sem força nem rumo. Bem sei que foi apenas o primeiro episódio, que certamente esta imagem será completada com outras que reflectirão a complexidade de Portugal... Mas talvez seja um sintoma de um país (não apenas de um homem, Barreto; ou de um homem e uma mulher, a realizadora, Joana Pontes) que sabe de onde veio, mas não sabe muito bem onde está ou para onde irá. O que é, simultaneamente, perturbador e estimulante. Aguardemos, pois, pelos próximos episódios.

Billie Holiday & Gerry Mulligan

O rapa-tudo

Nota final (para desanuviar)

Já tinha marcado bem a minha posição sobre o assunto, antes do desfecho do polémico passatempo televisivo. Agora, se ela me tivesse dito que levava o Afonsinho – o facalhão maior do condado da cozinha –, a conversa teria sido outra, naturalmente.

Laurie Anderson, "Big Science" (1982)

"You were born. And so you're free. So happy birthday."

(Último verso de "Born, never asked", 5ª canção de Big Science, álbum que será reeditado em Junho deste ano. Laurie tocará em Lisboa, no dia 15 de Julho, na Culturgest. Quantos somos?)

O rapa-tudo (alguns apontamentos)

Nota prévia

Desdramatizar este caso que, não tarda (quanto a mim), cai no esquecimento público, não me parece desrespeitoso para com as feridas sentidas pelos familiares e amigos das vítimas do fascismo. É, parece-me, reafirmar a vontade de renovar Abril, com tolerância e discernimento.

25 de Abril, sempre!

Com todo o respeito pelo notável pensador, acho um exagero falar em “morte simbólica do 25 de Abril”, como faz Eduardo Lourenço, em declarações ao jornal Público de hoje. Talvez importe voltar a sublinhar o facto de se ter tratado de um concurso televisivo sem qualquer relevância técnica e científica, do ponto de vista da auscultação dos portugueses (as verdadeiras sondagens realizadas, atiram Salazar para uma cadeira menos notada). Já não me custa subscrever que a pobreza genérica do universo televisivo e os ziguezagues das políticas educativas, nas últimas décadas, têm intoxicado a alegria de Abril.

O maior

Numa recente viagem à Turquia, confirmei que a figura de Mustafá Kemal Pasa (1881-1938) é absolutamente tutelar naquele país. O retrato do homem, que ficou para a história como Atatürk (pai dos turcos), é visível em quase todos os restaurantes e lojas de Istambul, dos mais antigos aos mais modernos. Falando com as pessoas, percebemos que a admiração e o agradecimento, são genuínos e partilhados por velhos e jovens. Afinal, foi ele quem conduziu a Guerra da Independência e fundou o novo país, há menos de um século. Não sei se a TV Turca teve alguma versão do concurso mas não tenho dúvidas sobre o largo consenso (com excepção dos sectores muçulmanos mais radicais) que se formaria em redor de um nome e de uma figura, por razões inteiramente claras. Podemos ambicionar o mesmo em Portugal a não ser, talvez, em relação ao calmeirão (era grande, não era?) que bateu na mãe e espadeirou pátria abaixo?

O concurso

Não acompanhei de perto mas sempre me pareceu que se pretendia comparar o incomparável, de forma básica e trôpega. Como algumas vozes (a de Pacheco Pereira, por exemplo) já fizeram notar, se a RTP tivesse tido algum tino (e gastasse melhor o nosso dinheiro) , realizava programas informativos sobre várias personalidades e depois apresentava uma grande e credível sondagem. Mas isso não era lá grande circo de audiências, pois não? Assim, como também notaram diversos comentadores, aconteceu o costume: os mais radicais mobilizaram-se e os extremos ideológicos aplicaram-se no mediático braço de ferro.

O segundo

A propósito, não merecerá um comentário o facto de Álvaro Cunhal surgir em segundo lugar? Claro que o “prémio” de ser o “maior” teria sido justo, na medida em que Cunhal foi uma figura central no combate à ditadura, e bem sofreu com isso mas, já agora, convém não esquecer o tipo de sociedade que Cunhal e os companheiros da linha dura comunista defendiam para Portugal. Eu sei que isto pode chocar almas mais sensíveis mas não vejo grande diferença em ser perseguido por tipos de sobretudo cinzento ou vermelho – a não ser o facto do vermelho dar mais nas vistas.

Os gajos

Confesso que não percebo o espanto perante o facto de existirem alguns milhares de admiradores do ditador de Santa Comba. Pensavam que tinham fugido todos para o Brasil ou se tinham refugiado debaixo dos calhaus, nas Selvagens, à moda dos lacraus? Não sejamos ingénuos, ele há por aí por muito facho e muita gente danadinha para ter um dótóre daqueles a acabar com as poucas-vergonhas. Há também, por estes dias, notícia de uns aracnídeos que parecem apostados em tomar de assalto o associativismo estudantil. Os maus ventos que já sopram noutros países aconselham vigilância cívica mas, já agora, sem paranóias. E, de uma vez por todas, uma abordagem séria do sistema educativo - principal antídoto para os extremismos que se aproveitam da ignorância e da pobreza de espírito.

Respirar

... ares mais puros.

Orgulhosamente tótós!

Pobre país! Às vezes parece um cadáver apodrecido... Nem o sal o livra de tal azar!

O que sentiram?

O que sentiram os filhos, as filhas, os pais, as mães, as namoradas, os namorados, os amigos, as amigas, os conhecidos, as conhecidas daqueles que morreram em prisões como a do Tarrafal, enviados para lá pela Pide, quando ouviram que os PORTUGUESES elegeram António Oliveira Salazar como o Maior Português de todos os tempos? Eu senti VERGONHA! Eu tenho VERGONHA de pertencer a um povo que elegeu um ditador bolorento como o maior português de todos os tempos ... Escrevi antes que um concurso de Tv vale o que vale, mas foram milhares de portugueses a votar ... por isso fico ainda mais envergonhado. Vivemos em democracia há mais de 30 anos, a história não pode ser branqueada mas daí a eleger um ditador como o maior português de todos os tempos vai uma distância muito grande ... como disse o M.M. há uns tempos: SHAME ON YOU!

Prisão do Tarrafal


Interior da Prisão do Tarrafal ...

26.3.07

O Pente do Vento

(Praia de Ondarreta, Donostia-San Sebastián, 2005)

As memórias, despenteadas, como o vento. O aço na pedra, sobre a água – matérias vitais, como a memória. E a ferrugem. Faz agora 30 anos. Regresso por acaso, por aqui. Gosto desta paisagem. Desta marca do homem na paisagem. Ou ao contrário. O desejo de ser vento, que não pára, sabes? E, ao mesmo tempo, o desejo de ser aço na pedra. “Sopra-me, e eu vou” – parecem dizer as ondas em que me imagino mar. “Agarra-me, que fico” – respondo, aço, sangrando.

Miguel Robles/Arvo Part: Tabula Rasa

Arvo Part: Spiegel im Spiegel

INACREDITÁVEL

"Os Grandes Portugueses" (?)
Em programa da RTP Salazar eleito "o maior português de sempre"???????????
Podem chamar-me o que quiserem mas isto é uma aberração incrível!!!!!!
Mas será que esta gente não tem memória? Não conhecem a história de Portugal, só pode!
Lamentável!

Tradução Simultânea

Se bebermos o mesmo vinho, no mesmo instante, eu aqui e tu aí – descontado o fuso horário –, será que nos sucede saborearmos a boca um do outro? As crónicas enófilas nunca esclarecem estas questões. Só falam dos taninos e da compota. Ora, abóbora!

25.3.07

quod facis fac sitius

Ele, que não pescava uma de latim, insistiu na mesma tecla, socorrendo-se das páginas azuis do dicionário mas esperando, secretamente, que o amigo não alargasse mais a prosa por esses lados, para não fazer triste figura. Sentia que o latim podia dar uma ajuda, pela sólida base que representava, embora não fosse, de todo, o mais natural nele. Sentia ainda que a amiga estava bem intencionada mas, de facto, toda aquela história começava a incomodá-lo. Não é que não fosse uma possibilidade (a vida está cheia delas, claro) mas começava a transformar-se numa ansiedade. Como passar agora à acção, sem ser de uma forma, digamos, caricata? (A pergunta é, ela própria, também um pouco caricata, naturalmente). Pareciam-lhe sábias, as palavras do amigo: “carpe diem!”. Foi fazer chá. Tinha arrefecido, apesar do mais tardio pôr-do-sol. Enquanto enchia a chaleira, pensava: "nunca nos devemos levar demasiado a sério, nem mesmo em latim!". Especialmente em latim.

De Natura Rerum

"Eu, no teu lugar, não dizia nem mais uma palavra!", ele disse. Mas ela, que não era ele, continuou a dizer o que bem entendia, uma frase a seguir a uma piada, meia palavra depois de uma gargalhada, até não se perceber a diferença entre o que de facto se devia dizer e o que se deveria calar enquanto se foi dizendo. Em suma: falar é humano; não há, como é natural, naturalidade que assim sobreviva.

tempus fugit

“Não percas tempo!” disse-lhe a amiga, sublinhando a urgência em cada palavra. “Só te digo isto: não percas tempo!”. Ele lembrou-se das palavras dela, enquanto cuidava de acertar os relógios, um a um, vagarosamente, desfazendo tempo entre o polegar e o indicador. Lembrou-se também das palavras dele.
Quando passou pelo móvel onde repousava a velha ampulheta, parou e mirou-a, por instantes. Não resistiu: pegou-lhe no corpo de madeira, metal e vidro e deu-lhe a volta.

24.3.07

Meta Física

Desenhar no teu rosto um sorriso, depois de desvendar o teu rosto. Muscular a minha alegria. Calar-me, já agora.

23.3.07

Estação do Oriente

Naquela noite, no vagão-restaurante, havia arroz de jasmim com carne de porco marinada em cinco perfumes. Vestiu o fato de linho e esperou que lhe servissem a fantasia, enquanto bebericava a frescura de uma Bia Ha Noi.

Honky tonk blues - Hank Williams

Ciclorama

A ferrugem vai contaminando a memória. Ia jurar que alguém diz, no final da primeira parte: gostava de ter navegado mais ao sabor do teu vento. Comprar um chocolate ou fumar um cigarro.

(Trogir, Croácia, 2003)

Escolher outro lugar na sala, mesmo sabendo que pode ser o lugar de alguém. Nem de propósito, uma personagem, no princípio da segunda parte: a vida não tem lugares marcados. Até que me tocam no ombro e eu acordo, dentro do filme.

22.3.07

Não-acontecimentos Numa Rua da Mouraria

Uma gata amarela com riscas cinzentas. Para cá e para lá nesta rua, a meio da tarde, gemiando como uma mulher enganada por um marinheiro irlandês.

Uma mulher enganada por um marinheiro irlandês. Que ninguém viu.

Uma jovem empregada de uma loja de revenda de materiais de bijuteria, o preto como cor predominante do vestuário. (Desfez pedaços de pão em pedacinhos mais pequenos que atirou para o meio da rua. Os pombos - três, quatro, cinco...-, sob o olhar da gata amarela com riscas cinzentas, debicaram espalhafatosos.)

Uma mulher velha e uma mulher nova: passaram. Acompanhadas de um miúdo de 6 ou 7 anos que fez todo o comprimento da rua aos pontapés numa caixa vazia, amarela, na qual se podia ler, em letras castanho-escarlate, Friskies.

Um homem alto, fato castanho completo, sapatos de gigante, sem dúvida que à procura da direcção certa.

Um outro homem, mais baixo, talvez o padre, de meias e sandálias pretas. Entrou na igreja pela porta das traseiras, depois de bater três vezes.

Um rebanho de ovelhas do outro lado do rio, não-hoje, do outro lado da rua.

Um cavalo branco pela segunda vez: estático no meio do baldio suburbano, com uma colcha escura sobre o dorso contra o frio da noite. Já deste lado da noite, já muito longe da Mouraria.

Biografia

Aprender a viver com algumas feridas nunca completamente saradas.

Entrelinhas

(Mauritânia, 2007)
Uma pausa na leitura e na escrita. Olhar, simplesmente. Saber que há lugares assim, sem reclamos nem polvorosa. Ficar sentado na areia morna deste olhar. Esvaziar-me, fundo. Um dia, voltar a escrever-te, de um modo mais claro.

Notas Para Uma Biografia Impossível 39

- Agora que chegaste aqui, vais para onde?
- Pergunta isso a ti próprio, ok?

Notas Para Uma Biografia Impossível 38

- Está na altura de escreveres tu esta nota para uma biografia impossível...
- De acordo. Com as minhas ou as tuas palavras?

Breve Carta Para Campanhã

Cara M.

Imagina a última estrofe da Ode Marítima, do Álvaro de Campos, em crioulo. A noite passada, José Luís Tavares brindou-nos com essa outra música das palavras. Foi um belo momento. A casa estava cheia, não sobrou uma cadeira livre e havia gente pelas escadas, de ouvido nas paredes, como os índios e os cobóis do velho oeste (mas aí era no chão, não era LP?), em busca de um sinal do desfiladeiro.

O anfitrião já havia explicado as regras do jogo das palavras. Cada convidado iria ler quatro ou cinco poemas próprios e mais alguns “impróprios” – sorriso largo na sala. Foram sete vozes, libertando os aromas das palavras, como quem roda o vinho no copo, para melhor lhe descobrir o corpo todo (uma ou outra voz turvando os versos porque há vozes que estrangulam as palavras).

Gostei dos inéditos que Fernando Pinto do Amaral e Pedro Mexia fizeram voar dos papéis. Gostei dos poemas de Maria do Rosário Pedreira e de Pedro Sena-Lino e das vozes deles. Tocaram poucos telemóveis durante o serão, o vinho aqueceu a conversa na noite fria (não cheguei a provar o caldo verde) e foi bom reencontrar um amigo.

Toma lá um abraço Intercidades do
J

Para que servem as palavras (10)

Para saltarem das bocas, molhando alguns versos num copo de tinto. Fazendo do dia seguinte, outro dia da poesia.

21.3.07

Notas Para Uma Biografia Impossível 37

- Embora não digas nada eu sei que estás aí.
- Faço meus os teus silêncios...

Notas Para Uma Biografia Impossível 36

(Tarde ventosa. Breve encontro com dois putos que andam na rua a dar pontapés às pedras.)
- Então, tudo bem?
- Humm...
- A esta hora não deviam estar na escola?
- Humm...
- O que é? Não gostam da escola?
- Humm...
- Que idade tens tu?
- 10 anos.
- E tu?
- Humm... 6.
- Mas gostam ou não gostam da escola?
- Humm...
- Então, não dizem nada?...
- Não me arranjas 10 cêntimos?

Para que servem as palavras (9)

Para dizer a uma rapariga que ela tem uns bonitos olhos tristes.

Para que servem as palavras (8)

Para quase tudo e quase nada. Parafernália, parasita, pára-quedas.

Para que servem as palavras (7)

Pergunto ao carteiro e ele: a conta do telemóvel.

O que diz Machado ...


21 de Março de 2007: Os 30 anos de "O que diz Molero" e os 77 anos de de Diniz Machado ...

Para que servem as palavras (6)

O silêncio pode não ser ansiolítico. Abraçar uma árvore.

Para que servem as palavras (5)

Abrir a boca e só sair um bocejo. Tentar de novo, mais tarde.

Para que servem as palavras (4)

Poesia, árvore, floresta e sono. Que dia prosaico, este.

Para que servem as palavras (3)

Tomar a palavra silêncio como se fosse um ansiolítico.

20.3.07

Para que servem as palavras (2)

Este é um bom programa. Garimpar versos e reversos.

Para que servem as palavras (1)

Partilho deste entusiasmo. Que escrita (in)tensa e desassombrada.

Notas Para Uma Biografia Impossível 35

Estava eu a passar os olhos por alguns sítios que, de quando em quando visito, e dei com este texto do JPN que, imediatamente, liguei a este outro texto, escrito por mim sem conhecimento prévio daquele. Não sendo plágio, nem paródia, o que resta? Duas (ou múltiplas) biografias impossíveis cruzando-se como num conto não escrito de Borges? Sim, eu sei: aquilo que eu escrevo aqui e agora já foi vivido por alguém, e aquilo que eu vivo aqui e agora também já está a ser escrito por alguém. Algures.

(com passagem pela linha do norte)

Notas Para Uma Biografia Impossível 34

A questão de sempre: querer falar, mas não ter as palavras. Não é que elas não existam, simplesmente não as tenho. E não é coisa que se resolva com dicionários.

Notas Para Uma Biografia Impossível 33

- Não percebo onde queres chegar.
- Isso significa que estou no bom caminho?

Notas Para Uma Biografia Impossível 32

(Travis/de Niro e o passageiro/Scorsese a dissertar sobre os danos causados por diferentes tamanhos de balas no corpo humano; Taxi Driver, 1976)

Notas Para Uma Biografia Impossível 31

("You talkin' to me?"; R. de Niro, Taxi Driver, 1976)

"(...) Travis, sozinho na sala a praticar com as armas. Achei que ele devia falar consigo mesmo enquanto fazia isso, e foi uma das últimas coisas que filmámos, numa casa desabitada num dos sítios piores e mais barulhentos de Nova Iorque. Não queria que se parecesse com outras sequências ao espelho que já tinhamos visto e, por isso, Bob passava a vida a perguntar-me, "Estás a falar comigo?". Porque eu estava sempre a dizer-lhe, "Diz isso outra vez!" Encontrava-me no rés-do-chão com auscultadores e mesmo assim ouvia-se muito do barulho da rua, e achei que não íamos conseguir fazer nada, mas afinal a cena acabou por ficar mesmo boa."

(in Scorsese por Scorsese, organização de David Thompson e Ian Christie, tradução de Ana Paula Magalhães, Edições 70, colecção Arte & Comunicação, Lisboa, 1991, pp. 91-92)

Airborne

Gosto do vento. Desta mão invisível que me empurra pela rua e arrasta pequenas partículas de nada, sem razão (ou talvez baralhe sementeiras – razão suficiente para gostar). A dado passo, um assobio, um roçagar, um tesão atmosférico. O encontro do mistério com a matéria, num tubo de uma antena de televisão, num toldo de uma loja fechada para almoço. Plásticos bailarinos em acrobáticas coreografias, como naquele filme dentro do filme, lembras-te? Este desejo: ser invisível, no vento. Voar, outra vez. Ser ventoso e leve. Partir.

Por mais que viaje, nunca deixo de me espantar com a facilidade com que os grandes aviões abraçam o céu. Toneladas aos ombros e upa!

Notas Para Uma Biografia Impossível 30

- Já viste os dois bancos de jardim que colocaram na rua?
- Já... mas não sei onde esconderam o jardim.

Notas Para Uma Biografia Impossível 29

- Estás a falar comigo?! Estás a falar comigo?!
- Contigo, comigo, com ele, com ela...

Não voltarei a dizer o teu nome

"Quando não temos nada para dizer devemos permanecer calados"

19.3.07

Notas Para Uma Biografia Impossível 28


- Grande sofrimento! E, no fim... grande golo do Petit!
- É bom poder sonhar durante 15 dias...

18.3.07

Regresso (lentamente)

Viagens, também no tempo. A nova - hipnótica - música de Istambul e o anoitecer de Lisboa. Vinho alentejano e um livro de memórias com a seguinte epígrafe:

“The beauty of a landscape resides in its melancholy”
Ahmet Rasim

Banda sonora:
Nefes, Mercan Dede, DoubleMoon, Istambul, 2006

Letra:
Istanbul, Memories of a City, Orhan Pamuk, Faber and Faber, Londres, 2006

O livro está recheado de velhas fotografias, a preto e branco (os tons da cidade, segundo o autor). E para que servem elas, por exemplo, emolduradas sobre o piano mudo da casa da infância? Ou, dito de outra forma, pela voz de Pamuk: "if you plucked a special moment from life and frame it, were you defying death, decay and the passage of time, or were you submitting to them?".

Notas Para Uma Biografia Impossível 27

Imagino este filme. Fim do dia. Estendido na cama do meu filho mais velho saboreio a montagem de memórias de Scorsese por Scorsese, livro que trouxe ontem da Biblioteca Municipal. Aproveitei até à pouco a intensa luz da tarde, mas já baixei o estore e acendi o pequeno candeeiro amarelo em forma de scooter que está na mesinha de cabeceira. Do fundo da casa chegam as vozes dos rapazes e da televisão que os entretém. Da cozinha vem o perfume marinho dos medalhões de pescada estufados com camarões, vinho branco, salsa e molho de soja. C. chama-me para jantar, mas não tenho fome. A noite aproxima-se. E eu, se desligar a luz, fico completamente imerso na noite.

(Scorsese por Scorsese, organização de David Thompson e Ian Christie, tradução de Ana Paula Magalhães, Edições 70, colecção Arte & Comunicação, Lisboa, 1991)

17.3.07

dos filmes imaginados

Görüsmek Üzere (*)

(* até breve)

3 andamentos e várias pontes

Manhã:
Ao pequeno-almoço, o avô conta histórias de velhas batalhas à neta, enquanto rabisca postais ilustrados.

Tarde:
Um café turco no terraço de Ludwig, com a cidade aos pés.
“Freedom we find only if we are one with the heart in us”.

Noite:
Smoke? Nargile de maçã. Os barcos nas nuvens. Mármara. O corpo cansado. Quantas peles tem uma cidade?

dos filmes imaginados

Vozes

(click & bla: J)

16.3.07

Notas Para Uma Biografia Impossível 26

- Private jokes...
- ... public posts!

Notas Para Uma Biografia Impossível 25

- Porto de abrigo.
- Ponte de encontro(s)...
- Vocês dois com as vossas manias de complicar: mesa de café!

Como o tempo passa

Um ano, noutra cidade. Brindo com raki, pode ser? Nos últimos meses, este tem sido um verdadeiro porto de abrigo. Obrigado pela cumplicidade, amigos. Até breve.

15.3.07

dos filmes imaginados

A Rosa Púrpura de Istambul

(click & bla: J)

Notas Para Uma Biografia Impossível 24


- Grandes golos do Simão! Grande golo do Petit!
- E grande vitória do Fernando Santos...

All is full of love - Bjork

Hector Zazou & Björk - Vísur Vatnsenda Rósu

velvet underground - sunday morning

Notas Para Uma Biografia Impossível 23

- Tu e essa tua mania da perfeição que te persegue em todos os lados!
- Talvez seja o meu principal defeito.

Notas Para Uma Biografia Impossível 22

- Um ano depois, e está tudo na gaveta!
- E ainda tenho que esperar mais um ano.

Notas Para Uma Biografia Impossível 21

- Esticar a corda até partir?
- Pois!

Notas Para Uma Biografia Impossível 20

- Ou será que quem não tem nada para dizer agora deve procurar o que quer dizer um pouco mais tarde?
- Posso terminar o que estou a fazer? Obrigado.

Notas Para Uma Biografia Impossível 19

- Quando não temos nada para dizer devemos permanecer calados.
- Ena, hoje estás inspirado!

Notas Para Uma Biografia Impossível 18

- Quem tem pouco tempo vai escrevendo umas notas para uma biografia impossível...
- Muito gostas tu de te queixar! Não tens vergonha? E talento?

dos filmes imaginados

The Perfect Belly

(click & bla: J)

14.3.07

... com orgão de igreja em chamas como fundo ...

... My body is a cage that keeps me
From dancing with the one I love
But my mind holds the key ...

Notas Para Uma Biografia Impossível 17

- Sabes, é como entrar sem mapa numa cidade desconhecida...
- É esse o teu problema: não aprendes com os erros!

Notas Para Uma Biografia Impossível 16

- Não me saem da cabeça os candeeiros derrubados, as árvores arrancadas, as pedras removidas...
- Nunca menosprezes a força das águas!

Notas Para Uma Biografia Impossível 15

- Só escrevo ficção.
- Mas, afinal, queres enganar quem?

Time ...

Notas Para Uma Biografia Impossível 14

- Tudo o que dizes já foi dito por alguém...
- Claro! Mas isso também já foi dito por alguém.

Istambul em Lisboa

Yasemin vai passar o próximo fim-de-semana a Lisboa. Pede-me uma opinião sobre um bom local para ouvir o fado. “Mas não um daqueles sítios para turistas!”. Eles sabem que nós sabemos que eles sabem que nós sabemos...

dos filmes imaginados

Taksi Driver
(click & bla: J)

13.3.07

Notas Para Uma Biografia Impossível 13

- Viste os putos na rua a jogar à bola com a garrafa meio cheia de coca-cola?
- Vi... mas a mim pareceu-me que a garrafa estava meio vazia.

Notas Para Uma Biografia Impossível 12

- Se eu deixar estes espaços em branco...
- ... sim, eu preencho-os.

Notas Para Uma Biografia Impossível 11

- Vou criar uma lei que te proíba de olhar para mim!
- Mais uma lei para eu não cumprir...

Notas Para Uma Biografia Impossível 10

- Normalmente só me apetece escrever quando estou a fazer outra coisa, urgente e obrigatória, com prazos que não podem esperar.
- Mais uma das tuas desculpas esfarrapadas para não escreveres nada...

Lisboa em Istambul

Passa o eléctrico vermelho na Istiklal Caddesi, enquanto o vendedor apregoa castanhas (quentes e boas?), colocando-as com cuidado, lado a lado, num tabuleiro. Passam duas ou três gaivotas. Passam mulheres bonitas. Passa tempo.

12.3.07

Notas Para Uma Biografia Impossível 9


- Grande golo do Simão! Grande golo do Petit!
- Sim, ao menos nisso estamos de acordo...

Notas Para Uma Biografia Impossível 8

- Lês os textos dos outros e não os meus...
- Bom, a verdade é que não escreveste ainda uma palavra e eu já sei o que vem a seguir!

Notas Para Uma Biografia Impossível 7

- Vou passar a escrever textos curtos...
- Mas assim não vou ter desculpa para não te ler na íntegra!

Notas Para Uma Biografia Impossível 6

- Agora queria estar em Istambul...
- Eu preferia Constantinopla!

Hermenêutica de uma canção 3

- É a canção mais feliz do disco...
- É a única canção feliz do disco.

Hermenêutica de uma canção 2

- Já reparaste que no EP de 2003, Arcade Fire, "No Cars Go" é a terceira canção?
- Sim. No Neon Bible é a décima, e penúltima.
- No disco de 2003 tem uma duração de 6 minutos e 4 segundos.
- E neste, 5 minutos e quarenta e três segundos.
- Mas é a mesma canção!
- Não. Não é a mesma canção.

A Bíblia de Néon


"(...)
Estava uma noite calma no vale, e os pinheiros do monte abanavam ao de leve. Lá em baixo, na cidade, as luzes das casas iam-se apagando, até só ficar aceso um anúncio de néon na Main Street. Conseguia ver a grande bíblia de néon iluminada na igreja do pregador. Talvez hoje esteja também acesa, com as páginas amarelas e as letras encarnadas, e uma grande cruz azul ao meio. Talvez a acendam, mesmo que o pregador não vá lá.
(...)"

John Kennedy Toole, A Bíblia de Néon, Tradução de Ana Barradas, Terramar, Lisboa, 1992, p. 49.

(John Kennedy Toole nasceu em Nova Orleães, em 1937; suicidou-se em 1969. Tinha 31 anos. Escreveu, para além de A Bíblia de Néon, o romance Uma Conspiração de Estúpidos, também editado pela Terramar.)

The Arcade Fire, Neon Bible 2007, Ocean Of Noise

Cada vez que oiço este albúm há sempre uma música que passa a ser a melhor de todas!
Ontem foi, My body is a cage ... mais tarde a Neon Bible ... mas Ocean of Noise é MESMO fantástica! (até descobrir outra ...) esta (também) tem um não sei quê de Western ... um duelo em que alguém vai acabar por morder o pó ...

Notas Para Uma Biografia Impossível 5

- Devias falar menos e fazer mais.
- Mas, repara, neste caso, falar e fazer coincidem!

Notas Para Uma Biografia Impossível 4

- Devias levar-te um pouco menos a sério...
- Tens razão. Mas, em contrapartida, tu devias levar-te um pouco mais a sério!

Notas Para Uma Biografia Impossível 3

- Estou tão obcecado com a ideia da escrita que, na prática, não escrevo nada.
- A quem o dizes!

Notas Para Uma Biografia Impossível 2

"- Há coisas que tu escreves que eu não entendo...
- Nem eu..."

Notas Para Uma Biografia Impossível

- Não, o que tu escreves não faz raccord com o que tu és!
- Mas tinha de fazer?

11.3.07

Hermenêutica de uma canção

- Deve ser uma private joke...
- O quê?
- Esse lugar onde os carros não vão. Onde é esse lugar?
- Ele diz: "Between the click of the light and the start of the dream".
- Isso é onde?
- Ele diz: aí.

Ouver para Crer!

Arcade Fire, 3 de Julho, no Super Bock Super Rock.

The Arcade Fire ... (2005)

My Body is a Cage




(o vídeo não é oficial claro)

... words...

"(...)
I know a time is coming
All words will lose their meaning
(...)"

"Black Mirror", Neon Bible, Arcade Fire (2007)

Arcadas a arder!


Depois do Funeral (2004), eu vi a Ressurreição do rock: Neon Bible, Arcade Fire. Aos cinco dias de Março, como não podia deixar de ser. Bem vindos ao fogo!

10.3.07

dos filmes imaginados

Duplex

(click & bla: J)

cãocomcaudaemvírgula. para J.

Podia Ser Uma Arte Epistolar

Em silêncio, no coração da tarde azul, uma vespa agoniza sobre a laje morna. De regresso a casa - de partida. O musgo nos relógios rastejantes. Os braços, abandonados ao longo dos dias. O veneno da solidão a comprimir-me o peito, na tarde azul. Volta não volta, apetece-me dizer-te para regressares.

Boca de Cena

"Os actores são pessoas que encontram os desejos dos outros, e eu nunca encontrei os desejos dos outros."

Jorge Silva Melo, Expresso, 10.03.07

Polaroids

O sol quente nas pernas cruzadas, num banco de jardim primaveril. Uma caminhada alternativa.

Uma menina que ensaia os primeiros passos e me sorri (a mãe, bonita, também).

Alguns cães com caudas de vírgula: nem sempre os mais pausados.

Na cintura de uma mulher, um porta-chaves com um enorme urso de peluche.

As mesas de jogo sobrelotadas. Reis, valetes e jokers a fazerem tempo para o almoço.

9.3.07

Podia Ser

Por momentos, sinto-me em LA – escuto um helicóptero na noite. Mas, afinal, pode ser a palavra moscardo a fazer voz grossa para a palavra libelinha.

(click & click)

O Ocidente do Oriente

Dir-se-ia uma partida do destino. Mas o sol nada tem a ver com o meu coração árido. Trocava já o passaporte por um beijo teu, para prolongar a alegria breve de há pouco.

Podia Ser uma Arte da Leitura

Enquanto esperava na rua, de livro aberto, encostado à parede do prédio, o insecto leitor veio aterrar no intervalo entre a primeira e a segunda estrofes do poema. Uma espécie de salpico preto: deu uns saltinhos minúsculos na página e, como chegara, assim desapareceu no ar. Mas eu vi algumas palavras a quererem eriçar as asas: preparavam-se, de certeza, para o seguirem tarde fora... Zás, tive de fechar o livro!

(Agora as palavras são formadas por letras que me fazem lembrar pequenos insectos esmagados contra as páginas... E os poemas!? Não os vêem? Pois parecem verdadeiros enxames!)

(bla & bla)

- Mas afinal tu queres o quê?
- Se soubesse dizia-te!

Podia Ser uma Arte da Vertigem

Escrever também para te contar isto: surgiram do sul, de repente. Um bando de pássaros brancos de gestos lentos (gaivotas?), lá bem no alto, reflectindo as luzes da cidade. Umas três dezenas de pares de asas, desenhando novas constelações sobre a ardósia sem nuvens onde brilham as poucas estrelas que o clarão urbano deixa ver (não, nenhuma estrela cadente...). Deram uma volta, suave, rumo a ocidente, deixando no vento esta breve alegria, como se fosse o filme perfeito para Os Nocturnos de Chopin, que Maria João Pires vai acariciando no piano. Dou por mim a sorrir, inebriado pela magia da música e dos pássaros.

nostresemlinahresdabeira

8.3.07

dos filmes imaginados

You Name It

(click & bla: J)

Os sentimentos no lixo

(Varandas de Avô, 2007)

Escrever para quê?

dos filmes por imaginar

Escrever ainda para quê? Para partir da biografia e inventar outra vida. Para partir a biografia em dez mil pedaços.

Podia Ser Ainda Outra Arte Poética

Escrever para quê? Por exemplo, para dar significado a acontecimentos insignificantes. Por exemplo, uma criança pedir que apaguem as luzes do corredor para poder adormecer. Na noite da tua casa. Por exemplo.

Tricky > Pumpkin ...

Podia Ser Uma Arte da Salvação

Que tolo! Enganado pelas palavras! Como uma criança numa história infantil lançava-as ao chão, uma a seguir a outra, enquanto avançava pelo interior da floresta obscura - deixava assim, atrás de si, um fio de luz que permitiria o regresso seguro a casa. Mas já não é uma criança, nem isto é uma história infantil. E não está escrito em lado nenhum que as palavras servem para salvar o que quer que seja.

Podia Ser Outra Arte Poética

Falhado o projecto de fotografar os pardais resta-me o consolo de olhar os ramos nos quais estiveram, por instantes, pousados. Vistas de baixo, sem folhas nem flores, as pontas esguias parecem querer tocar o céu. Mas são as raízes, que não se deixam ver, que (nos) estão mais próximas.

O Espelho

Eis uma ideia clara que apetece transportar pelo reflexo dos dias mas, às vezes, tudo o que o espelho nos devolve é uma imagem vaga.

dos filmes imaginados

Fado

(click & bla: J)

7.3.07

dos filmes imaginados

Tri

(click & bla: J)