30.4.07

25 de Abril (sempre?)

D., 17 anos, aluno do 12º ano, esta tarde, a meio de uma aula: "Andei 2 meses a estudar a Revolução Francesa. Mas nunca estudei o 25 de Abril."
Pois.

Viagem

(Foto: J - Alentejo, Abril 2007)


O Derby

- Grrrrrrr! Grrrrrrr!
- Vriiuuuuuuiiiuuuuu!
- Ão, ão, ão, auuuh...
- Oinc, oinc, oinc!
- Yyyiiiiiiiiiiiii!
- Hinc hinc hinc!
- Zzzzrrrrruuuuummm!
- Catapum catapum catapum!
- Miauuu! Miauuummm!
- Piu piu piu piu piu piu piu....
Etc.
(E, no fim, ficou tudo na mesma).

Cavalo e Árvore com Nevoeiro

(Foto: J - São Cristóvão, Abril 2007)

29.4.07

O derby

(Foto: J - São Cristóvão, Abril 2007)

- O quê?
- O derby.
- Isso não é aquela corrida de cavalos de Epsom?
- Sim. E nos Estados Unidos é um chapéu de coco.
- Estou a ver...
- Olha lá, tens a baliza toda aberta!
- Eu acho que é melhor acautelarmos aqui a esquerda, pá!
- E a extrema direita?
- Já te disse, é a esquerda!
- Estás a ser mula...!
- Mula era a tua mãe.
- Bem, vamos lá a ver os insultos...
- Isto é um derby, é normal...
- Um chapéu de coco?
- Eh! Eh!
- Parece que o Puro Sangue das Antas tropeçou...
- Isso é bom... Como foi?
- Que te interessa? A cavalo dado não se olha o dente!
- Ah! Ah! Tu tens graça, pá! Onde é que aprendeste isso?
- Foi em Epsom.
- No derby?
- Não. No Derby.
- Estou a ver...
- Isto está cheio de moscas.
- Pois está.

28.4.07

Um Poema*

Condomínios fechados

Dá-se o caso de a minha vasta experiência me ensinar
que nos entenderemos
A preocupação prioritária dos nossos serviços
é o seu bem-estar
É claro que aconselhamos a aceitação incondicional
das condições propostas
De resto, as melhores do mercado,
sem nenhuma reserva ou dúvida
O condomínio será rigorosamente fechado,
como o negócio
A garantia é para toda
a vida
Vigiamos electronicamente, temos a tecnologia,
entradas & saídas
Pode dar-se ao luxo de ser cego surdo e mudo
à vontade
Tratamos de tudo, vale-nos (creia) a sua palavra
de honra
Serão incontáveis os benefícios para todo o agregado
familiar
Dá-nos o grande prazer de nos acompanhar
agora ao gabinete?
Leia por favor até ao fim
o contrato (não enganamos ninguém)
Sim, mesmo as letras mais pequenas, temos as lentes
adequadas, não paga mais nada, ao seu caso
Não receie, não vamos deixar embaraçado o futuro,
não é verdade?
Resolvemos tudo sem demora, estamos cá
para isso
E chaves na mão
É só assinar aqui


*do livro Transportes Púbicos (que nunca será escrito, pelo menos por mim).

26.4.07

José Afonso Ao Vivo Agora Aqui


Revi, na RTP-Memória, o espectáculo de José Afonso no Coliseu (29 de Janeiro de 83). Mas fiquei desapontado: a versão emitida, muito reduzida, excluiu vários temas (instrumentais e cantados) como "À Proa", "Comboio Descendente" (Pessoa trabalhado com graça e ironia), "Um Homem Novo Veio da Mata", etc. Felizmente, se as carteiras ainda o permitirem, poderemos reencontrar estas e todas as outras canções dessa noite mágica, registadas em José Afonso - As Últimas Gravações: 1983 /1985, uma edição limitada da Companhia Nacional de Música que, em 4 cd's, nos restitui o concerto de 1983, acompanhado pelas duas derradeiras obras do autor de "Era Um Redondo Vocábulo": Como Se Fora Seu Filho (de 83) e Galinhas do Mato (de 85). Tudo com coordenação e textos do João Carlos Callixto, esse amante incansável e minucioso da música portuguesa.

(Numa nota muito pessoal, deixem-me dizer ainda que, no filme do espectáculo, pude, de repente, dar de caras com o Hipólito, na plateia, a aplaudir, com emoção e entusiasmo, perto do Sérgio Godinho, do Vitorino e de outros... Que surpresa! Era bastante mais velho do que eu... Só vim a conhecê-lo em 86 ou 87, na faculdade, onde fomos colegas do mesmo curso, ainda que ele me levasse um ano de avanço. Depois ele terminou e nunca mais nos vimos. Soube, mais tarde, da sua morte, já não sei por quem. E ontem lá estava, de pé, de cachecol preto e barba a condizer, a aplaudir entusiasticamente...)

Uma PIDE toda modernaça ...

"Os funcionários públicos estão indignados com a última do Governo:
um manual para aprender a denunciar colegas corruptos."

in
Newsletter, SIC, Jornal da Noite

Madredeus : Ao longe o mar ... (*)




(*) a única versão que encontrei :-( ... não acho piada nenhuma a estes mixes ...

... mais Ary ...

Lisboa ...



Canta: Carlos do Carmo
Poema de: Ary dos Santos
Música de: Paulo de Carvalho

No Castelo ponho um cotovelo
Em Alfama descanso o olhar
E assim desfaço o novelo
De azul e mar.

À Ribeira encosto a cabeça
Almofada na cama do Tejo
Com lençóis bordados à pressa
Na cambraia de um beijo.

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que meus olhos vêem, tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura.
Cidade a ponto luz, bordada
Toalha à beira-mar, estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida.

No Terreiro eu passo por ti
Mas da Graça eu vejo-te nua
Quando um pombo te olha sorri
És mulher da rua.

E no bairro mais alto do sonho
Ponho o fado que soube inventar
Aguardente de vida e medronho
Que me faz cantar.

Um cavalo (em 3 andamentos)

Sou lindo, não sou?

Um pouco louco, eu sei...

Mas oooooodeio acordar cedo!


(fotos: J - Poceirão, Abril 2007)

Liberdade (ou o 26 de Abril contado pelos rapazes)

Depois do almoço, transporto os 3, presos pelos cintos de segurança no banco de trás. Passamos por uma rotunda e vemos os cães aninhados ao centro, na relva, adormecidos. Sempre em movimento, eles dizem então:
"Quem me dera ser cão!"
"Podes crer, não tínhamos que ir à escola."
"E dormíamos a sesta!"
"Era fixe."
"E andávamos livres por todo o lado."
"Podes crer. E entrávamos nas lojas e ninguém nos via."
Pura utopia.

25.4.07

Palavras, imagens e sons de Abril (sempre)

RTP1: Não me obriguem a vir para a rua gritar (17.45).

RTP-Memória: José Afonso ao Vivo no Coliseu (22.30).

sempre

A luta continua.

sempre

Capitão Salgueiro Maia, Largo do Carmo, Lisboa, 25 de Abril de 1974.

Al Pacino






















25 April 1940, South Bronx, New York, New York, USA

Ella Fitzgerald : Cherry Red



Date of Birth: 25 April 1917, Newport News, Virginia, USA more
Date of Death: 15 June 1996 Beverly Hills, Los Angeles, California, USA

sempre

José Afonso, Coliseu de Lisboa, 29 de Janeiro de 1983.

24.4.07

Girls & boys

Turma x do 7º ano, esta tarde. A meio da aula, enquanto trabalhamos (ó céus!) os grupos nominal, adjectival e verbal, intercepto e confisco uma folha que circula (clandestina, com o rabo de fora) de raparigas para rapazes, e vice-versa, cheia de palavras (ó alturas!) desenhadas em diversas caligrafias, cores e tamanhos. Nomes, adjectivos e verbos que, por pudor (dá-me, tu, gramática, a coragem!), me abstenho de transcrever. Mas que calculo que não deixariam de impressionar, pela criatividade poética, é óbvio, os ciclópicos autores aqui citados dias atrás! Ó infinitos! Ó universos desalmados!

Boys & girls

E, de súbito, a meio dos 9 anos (ou um pouco mais cedo, ou um pouco mais tarde...), os rapazes começam a mudar. A este que nos interessa tanto fomos encontrá-lo de manhã, concentradíssimo na casa de banho, em frente ao espelho, de desodorizante em punho:
"O que estás a fazer?"
"Estou a perfumar-me."
"Ah sim? E porquê?"
"Porque o P.B. também se perfuma. E as raparigas andam todas atrás dele..."
"Ah sim? Então tá bem."
O facto de estar a utilizar o desodorizante da mãe ("cuidado suave", "máximo conforto", "regula a transpiração com minerais") não me preocupou minimamente. Mas fiquei com a estranha sensação de que há algo que me está a escapar por entre os braços, por entre os dedos das mãos fechadas. E eu sei o que é. E é assim mesmo.

25 de Abril ...




Rex Bloomstein : KZ



Passou na RTP 2 esta segunda feira.
KZ

Um poema (ao acaso?)

"Gosto da tua boca quando sabe
a chocolate, a vinho tinto de Portalegre,
a mar (é sempre a mesma coisa, tem
de aparecer sempre o mar), pensando
bem gosto da tua boca sempre.

Às vezes a tua boca ri e nada sabe,
ri porque prevê a hora certa da minha alegria.
Também eu mergulho no mar, porém
logo secos ficam meus cabelos quando
me lembro que hoje é outra vez dia de S. Nunca."

Helder Moura Pereira, in "Uma Questão Nervosa", A Tua Cara Não Me É Estranha, Assírio e Alvim, 2003

23.4.07

Notas de roda pé ao Dia Mundial que passou

desequilíbrio e sussurros

A biqueira do sapato, em choque frontal com o quase raso batente do portão, ia fazendo das boas mas chego inteiro ao anexo das traseiras. Voando sobre as capas como dois colibris, um rapaz e uma rapariga segredam. Porque segredam? Estamos poucos: eles, eu, um homem carregando livros como tijolos e um sorriso de Hannibal Lecter bibliófago, as duas raparigas da caixa, outros de saída – oxalá não tropecem, derramando a poesia no passeio onde, às vezes, há merda de cão. Três euros, cinco euros, quinze euros, mil folhas.

jogo com títulos à espera do talão do multibanco

A tua cara não me é estranha, dizes, com uma lágrima de coração independente. Trabalhaste o mel de sol a sol. E agora, o que vai acontecer? Biografia. Recebo o talão e um sorriso. Num pequeno terraço do prédio ao lado, camufladas por uma cortina de canas, há vozes de jantar tardio e alegre. Ai que prazer ter um livro para ler e não o fazer? Tomo cuidado com o batente, à saída. Não há merda de cão à vista. Não tenho nada contra os animais, ó Teixeira de Pascoaes! "O cão ladra e uiva, é já sábio e poeta.". Está uma noite de Verão, já viram isto?

todo o cuidado é pouco

É que está mesmo, de manga curta!
Os dois polícias surgem na esquina, três quarteirões adiante. Param de conversar e olham na minha direcção. Percebo que os olhos vasculham os sacos. Nem precisam daqueles óculos de visão nocturna, a rua está bem iluminada. Os sacos são transparentes, tenho o talão da compra, não vou em excesso de velocidade e também não atrapalho o trânsito a arrastar os pés, que diabo! Digo boa noite, como faço às vezes. Respondem-me na mesma moeda. A mercearia do Sr. Santos ainda tem luz. Podia levar um queijo e um pão regional. E braços?

Coisas sérias & de folgar

Vem lá de longe, do fundo dos tempos, o uso do palavrão na literatura e, particularmente, na poesia. É uma longa tradição que convive com a chamada literatura séria, coisa tão séria que gerou as "belas-letras" e confunde o escrever bem com essa aventura imprópria para pessoas sensíveis (cf. o poema de Sophia) que tem sido historicamente, tantas vezes, um acto de coragem e de contra-corrente. No caso português, talvez o começo se localize nos cancioneiros medievais (séculos XII a XIV), as colectâneas que garantiram a sobrevivência das belíssimas cantigas de amor e de amigo galego-portuguesas, mas também as de escárnio e mal-dizer, nas quais o folguedo, a sátira desbocada, o insulto empolado e a ofensa são reis & rainhas incontestáveis. Com a respectiva linguagem, curta e grossa, como neste exemplo obsceno de Afonso Eanes de Coton: "Marinha, en tanto de folegares / (...) tapo-t'ao primeiro sono / da mia pissa o teu cono (...)" (cf. Antologia da Poesia Galego-Portuguesa, organização de Alexandre Pinheiro Torres, Lello & Irmão, Porto, 1987, 2ª edição, p. 215). Talvez valha a pena lembrar que Natália Correia acolheu uma parte deste "tesouro" poético-linguístico na sua volumosa Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, reeditada em conjunto, em 1999, pelas editoras Antígona e Frenesi. Uma celebração e um prazer para o espírito e para os sentidos. Uma espécie de reencontro com uma das vocações essenciais do texto poético: a de nos confrontar com a nossa imperfeição, com o que queremos apagar, mas nos constitui essencialmente - um corpo no tempo, no espaço, à procura de outro corpo, da sua carne e do seu calor vital (portanto, da vida, da aura da vida, da alma). Por isso, para além da dimensão carnavalesca ou transgressiva (bem visível, por exemplo, através das experiências das crianças no uso das palavras feias que os adultos proibem), o recurso ao palavrão é também uma forma de recuperação de uma candura para sempre perdida. No fundo, uma tentativa impossível de voltar ao tempo em que as palavras não tinham ainda significados bem precisos, em que só havia palavras e palavrinhas. O tempo do jogo e do amor sem culpa nem pecado, como a água de um rio desconhecido ou o ar das montanhas agrestes. O tempo da inocência desaparecida, facto que o poeta lamenta num misto de ironia e tristeza infinda.

Orquídea Sobre Tecido

("O Tempo é tudo." Marx.)

A franja

Cruzo-me com ela no corredor. Jovem, bem disposta, sorridente. Noto-lhe o cabelo diferente (cortou-o) e vou dizer que lhe fica bem mas a frase é, digamos, tesourada pelo detalhe. Ela solta o riso e desfaz o equívoco: “Não, não foi um deslize da cabeleireira!”. E ri-se mais, riso fresco, a franja ligeiramente mais curta sobre o olho esquerdo do que sobre o direito. “Chama-se franja assimétrica. Está na moda!”. E eu rio e digo-lhe que está muito bem. E penso como faz sentido uma franja assim, a rimar com a vida quase sempre assimétrica, desigual, na moda ou fora dela.

E.

Novidades editoriais


1. Uma pequena desilusão. A começar pela redução do tamanho dos desenhos (?) e a terminar na ideia de ficarmos a conhecer, inesperadamente, o pai biológico do herói. Eu sei que é preciso ir desvendando parcelas da identidade de XIII, mantendo ou aumentando (o que seria o ideal) o mistério à volta da personagem. Mas revelar (?) que Sean Mullway, o irlandês ruivo que parece o seu irmão mais velho, é o pai de Kelly Brian, ou antes de Jason Mac Lane, ou antes Jason Fly, ou antes de El Cascador, etc., parece-me, no mínimo abstruso. Veremos como Vance e (sobretudo) Van Hamme descalçam esta bota irlandesa.

2. Um endereço útil. Ainda não as conheço, mas estas moradas prometem muito. Aguardo, impaciente, notícias pelo correio.

22.4.07

O Ciclópico Acto* (uma brevíssima antologia temática da poesia portuguesa contemporânea)


Quarto poema: "Eu quero foder foder", de Adília Lopes, in Florbela Espanca espanca, Black Son Editores, Lisboa, 1999, pp. 7-8:

Eu quero foder foder
achadamente
se esta revolução
não me deixa
foder até morrer
é porque
não é revolução
nenhuma
a revolução
não se faz
nas praças
nem nos palácios
(essa é a revolução
dos fariseus)
a revolução
faz-se na casa de banho
da casa
da escola
do trabalho
a relação entre
as pessoas
deve ser uma troca
hoje é uma relação
de poder
(mesmo no foder)
a ceifeira ceifa
contente
ceifa nos tempos livres
(semana de 24 x 7 já!)
a gestora avalia
a empresa
pela casa de banho
e canta
contente
porque há alegria
no trabalho
o choro da bebé
não impede a mãe
de se vir
a galinha brinca
com a raposa
eu tenho o direito
de estar triste

(Adília Lopes / Maria José Fidalgo. 1960-...)


*O amor como foda na poesia portuguesa contemporânea. O Ciclópico Acto é um livro que começou por ser um "poema" de Luiza Neto Jorge para um "livro-objecto de Jorge Martins, Livraria-Galeria 111", publicado em 1972.

O Ciclópico Acto* (uma brevíssima antologia temática da poesia portuguesa contemporânea)


Terceiro poema: "Nós somos mais divinos se fodemos", de Amadeu Baptista, in "Signo de Vénus" / Antecedentes Criminais - Antologia Pessoal (1982-2007), Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2007, p. 93:

Nós somos mais divinos se fodemos.
Provavelmente mais castos,
mais autênticos.
É pela carne que o amor é verdadeiro

e falso qualquer temor por o fazermos.
Fodo-te e fodes-me.
Uma espécie de música nesta troca
põe-nos a salvo de qualquer liturgia

e beneficia mais a nossa alma.
Não queremos ser salvos.
Apenas respiramos

e sabemos o sal que vem do sexo
e da nossa inocência.
Monto-te e fodo-te. Eis a felicidade -

(Amadeu Baptista. 1953 - ...)


*O amor como foda na poesia portuguesa contemporânea. O Ciclópico Acto é um livro que começou por ser um "poema" de Luiza Neto Jorge para um "livro-objecto de Jorge Martins, Livraria-Galeria 111", publicado em 1972.

O Ciclópico Acto* (uma brevíssima antologia temática da poesia portuguesa contemporânea)


Segundo poema: "Andas grávida de cão", de José Emílio-Nelson, in Penis, Penis /A Alegria do Mal - Obra Poética I /1979-2004), Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2004, introdução de Luís Adriano Carlos, p. 69:

Andas grávida de cão
Fodeste depressa não te mordas
Que a tua mãe não te mordeu não sabe
Não mijas para as vizinhas na garrafa das portas
Mas o pior é das crianças
(Bebes do leite que escorre sem alfinete de bebé)

(José Emílio-Nélson. 1948-...)


*O amor como foda na poesia portuguesa cntemporânea. O Ciclópico Acto é um livro de que começou por ser um "poema" de Luiza Neto Jorge para um "livro-objecto de Jorge Martins, Livraria-Galeria 111", publicado em 1972.


O Ciclópico Acto* (uma brevíssima antologia temática da poesia portuguesa contemporânea)


Primeiro poema: "Minibiografia", de Luiza Neto Jorge, in A lume / poesia, Assírio & Alvim, Lisboa, 1993, organização e prefácio de Fernando Cabral Martins, p. 254.

Não me quero com o tempo nem com a moda
Olho como um deus para tudo de alto
Mas zás! do motor corpo o mau ressalto
Me faz a todo o passo errar a coda.

Porque envelheço, adoeço, esqueço
Quanto a vida é gesto e amor é foda;
Diferente me concebo e só do avesso
O formato mulher se me acomoda.

E se a nave vier do fundo espaço
Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:
Logo me leve, subirei sem medo
À cena do mais árduo e do mais escasso.

Um poema deixo, ao retardador:
Meia palavra a bom entendedor.

(Luiza Neto Jorge. 1939-1989.)


*O amor como foda na poesia portuguesa contemporânea. O Ciclópico Acto é um livro que começou por ser um "poema" de Luiza Neto Jorge para um "livro-objecto de Jorge Martins, Lisboa, Livraria-Galeria 111", publicado em 1972.

A máquina

Para facilitar, dou uma certa quantia em moedas. A menina recorre de imediato à máquina para calcular o troco. Recebo-o e pergunto-me se ainda demorará muito a ser inventada essa máquina que permitirá acertar contas com o passado, com a vida, connosco mesmos.

O colar

Quando ela me pergunta se aquele colar lhe fica bem ao peito, ouço a minha boca dizer: "Ah, sim, fica muito bem! Muito bonito!" Mas a verdade é que eu só tenho olhos para o peito, nem vejo o colar.

21.4.07

Memórias futuras e repassadas

(Fotografia de Rosa Reis, do conjunto Lisnave - Contributos para a história da indústria naval em Portugal).

1.
Fomos ver uma exposição de fotografia de Rosa Reis: Trabalho - Retratos e Memórias Futuras. São fotografias, a cores e a preto e branco, sobre o trabalho, numa linha temática e estética que faz lembrar, naturalmente, um fotógrafo como Sebastião Salgado. Imagens de trabalhadores da indústria pesada (estaleiros, siderurgia, um mundo agora praticamente desparecido), da construção civil ou naval, mas também do campo da arte e da medicina, modo de sublinhar o valor social e político de todas as actividades produtivas humanas. É pena, só, o reduzido número de trabalhos, pouco mais de duas dezenas.

2.
A visita à exposição vale, também, pelo espaço que a alberga: os refeitórios da Mundet, fábrica na qual a minha mãe foi operária corticeira durante alguns anos e onde foi instalada uma extensão do Ecomuseu Municipal. Circulando por ele, não pude deixar de pensar que é um óptimo espaço para (outras) exposições (de desenho, por exemplo). Ou para o lançamento de livros de poesia ou prosa speedada. Ou, ainda, para a apresentação de leituras mais ou menos extravagantes. Tudo isto organizado, claro, por um colectivo que se poderia chamar, sei lá, deixa cá ver... Poros! Sim, eu sei, a tarde está quente; mas não, não estou a delirar!

Antony & The Johnsons : You Are My Sister

Javier Bardem (Reinaldo Arenas) : Before Night Falls

Cliff Martinez : Brian Eno : An Ending (Ascent) Traffic OST




20.4.07

As imagens de um país

"O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível (...)"
Ruy Belo

"Portugal - Um Retrato Social" já está online. Para ver ou rever aqui.

Just One More For The Road


(Janis Joplin - Mercedes Benz)

19.4.07

As mulheres

Z. tem 36 anos, ama, é amada e é, se o pudermos dizer assim, feliz. X. tem 35 anos e está no meio de uma grande confusão sentimental e conjugal. O seu olhar não consegue esconder o desamor. Entram as duas na retrosaria e são atendidas pela empregada. X. é sempre tratada por "menina"; Z. sempre por "senhora". E eu fico confuso: será assim tão clara e visível a fronteira entre os 35 e os 36? Ou será que a tristeza, qual elixir da juventude, rejuvenesce? Ou será que a felicidade envelhece esplendidamente, tragicamente, as mulheres?

Começar

O bairro é novo, bem localizado, com vista para o rio. Prédios e vivendas dividem o espaço. 500, 600 pessoas? Mas não há, aqui, uma única estrutura de lazer ou de desporto. As zonas verdes são baldios. As crianças correm e andam de bicicleta no meio dos carros estacionados, mais ou menos atentas aos que entram e saem de ruas e pracetas. Fazem dos portões das garagens as balizas que não têm, e deviam ter. São, portanto, absolutamente necessários espaços públicos para brincarem e passearem, em segurança, com pais e avós. O M., do prédio em frente, passa a mensagem ao A., que a passa a muita gente: "gostávamos de o convidar para uma troca de ideias para encontrarmos a melhor forma de conseguirmos o apoio das entidades responsáveis para a resolução deste e de outros problemas que possam ser também identificados." Vamos a isso. O encontro acabou há pouco. Éramos 5, no total. E então? Há coisas para fazer: recolher os projectos/planos/plantas da autarquia para a zona; saber como se constitui uma comissão de moradores; melhorar a comunicação com os residentes; marcar novo encontro; etc. Hoje fomos 5; na próxima 5ª seremos mais. Mãos à obra.

Tópico

“Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos, do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo.”

Herberto Helder, in “Estilo”, Os Passos Em Volta, Assírio & Alvim

BOM DIA!

18.4.07

Fala do jardineiro nocturno

Já dormes. Eu sei que já dormes. Escusas de fingir que estás acordada.

17.4.07

A vida e os poemas

Ainda não foi desta, amigo. Estou para aqui com um word a meio, serviço encravado. Mas, mais ou menos solene , que o poeta não pediria tanto, aqui deixo um naco do Pacheco:

"(...)

Um homem tem que viver.
E tu vê lá não te fiques
- um homem tem que viver
com um pé na Primavera.

Tem que viver
cheio de luz. Saber
um dia com uma saudade burra
dizer adeus a tudo isto.
Um homem (um barco) até ao fim da noite
cantará coisas, irá nadando
por dentro da sua alegria.

(...)"

Fernando Assis Pacheco, in "Poeta no Supermercado", A Musa Irregular, Asa, 1996

Jerusalém, 2 canetas e um alentejano

Confesso que não sei qual a opinião do (a familiaridade entende-se, depois de um dia inteiro juntos) Amos Oz sobre este assunto. Eu achei bastante razoável, sobretudo tendo em conta o preço. O João Paulo Martins vai sempre um pouco mais longe e escreve que é “um tinto de bom gabarito”, carimbando nota 5, em 8. Enfim, já lá vai o que sobrava da garrafa de há dois dias: Vinha do Almo, 2003, Alentejo, sobre discreta mas composta omoleta de segredos.

O que ficou: um terceiro capítulo muito divertido, Do prazer de escrever e do compromisso. Amos Oz retoma algumas ideias dos ensaios anteriores e leva-nos pelas razões que o tornaram escritor de “duas canetas estilográficas” - uma para as histórias e outra para os ensaios políticos. A chave continua a ser o compromisso, o acordo. E é o escritor quem nos assegura: “Estou casado há 42 anos com a mesma mulher, o que faz com que entenda de acordos.”.

Cresceu a vontade de conhecer Jerusalém. E falhei o Barreto – quando liguei, a contar com o horário das 22, embora um pouco atrasado, já rolava o genérico. Obrigado pelas notícias, amigo LP.

As Cores Unidas de Portugal

Um trabalho histórico, o de António Barreto e de Joana Pontes. O episódio de hoje, sobre a emigração/imigração foi impressionante pela qualidade documental e pelos rostos e rosários, de muitas cores e contas, que aflorou, questionando-se e questionando-nos sobre o que devemos e podemos fazer, aqui e agora: uns com os outros? uns contra os outros? uns por todos e todos por uns? Últimas palavras (citadas de memória), a branco sobre fundo negro, de um velho mineiro da Panasqueira, chegado a Portugal nos anos 50, vindo de Cabo Verde: "Estamos misturados. Estamos todos numa nação. Eu acho que somos todos pessoas humanas."

(Portugal, um retrato social, de António Barreto. Realização de Joana Pontes. RTP1).

Calmaria

De regresso a casa, a admirar o vermelho e o verde dos semáforos sobre o azul eléctrico do céu, que anoitece. Um pulsar cromático enquanto, da rádio, entre as brancas do jazz do José Duarte, escorre o piano de Red Garland, o trompete de Donald Byrd e o sax de Coltrane. Sim, isto é uma grande verdade.

Não, não é um poema*

Teste de Escolha Múltipla

Há a ponte das 3 entradas e

verso a) nenhuma saída;
verso b) uma saída;
verso c) três saídas;
verso d) inúmeras saídas.

Reflecte bem e escolhe
a resposta errada.
Nunca te justifiques.


*do livro Transportes Púbicos (que nem merece que se diga que...).

I'm sorry ...

"Quem são os bons?"

A lucidez é uma excelente companhia para o almoço. O segundo ensaio do pequeno livro de Amos Oz faz um zoom sobre o conflito israelo-árabe e, em particular, sobre o conflito que tem oposto israelitas e palestinianos. Mostra que o que é complicado não é simples, mas pode ser menos complicado do que parece. Apesar das dores insuportáveis. A certa altura lembra uma expressão que formulou em tempos: "Faz a paz, não o amor", explicando depois o alcance da ideia. Voltará a ela, no terceiro ensaio. Espreitei o primeiro parágrafo e fechei o livro. Apetece-me boa companhia para o jantar.

Contra o Fanatismo

(Amos Oz fotografado por Lotte Fernvall)

As grandes ideias cabem no bolso de trás das calças de ganga. Confirmo isso mesmo quando compro o Público de hoje, que oferece um pequeno livro com três ensaios do escritor israelita Amos Oz. Leio o primeiro, acompanhando um lento café. Da natureza do fanatismo começa com uma pergunta: “Como curar um fanático?”. Numa escrita simples, notável, Amos Oz leva-nos numa pequena viagem pela intolerância que varre o mundo, o Médio Oriente mas que é também semente dentro de cada ser humano, à espera da chuva ácida adequada, para se tornar planta carnívora. Conclui que “sentido de humor, a capacidade de imaginar o outro, a capacidade de reconhecer a capacidade peninsular que existe em cada um de nós, pode pelo menos constituir uma defesa parcial contra o gene fanático que todos temos dentro de nós.”

Uma leitura muito recomendável e oportuna.

The Album Leaf : Window






In a Safe Place
City Slang Records
CD/LP, Released: June 2004

História

A mana voltou hoje do Porto. Foi à Casa da Música, a Serralves, ao Parque da Cidade. Diz que gostou muito e viu coisas bonitas. Também aprendeu algo – aprende-se sempre. Ficou a conhecer o significado do monumento que está na Praça da Boavista, aquele que tem um leão a dominar uma águia, no topo de uma longa coluna. Pois: pretende lembrar a vitória do patriotismo português sobre as tropas invasoras de Napoleão, durante a Guerra Peninsular. Mas nem sei porque é que estou aqui a empatá-los com esta história.

16.4.07

Actualidade

O presidente dos EUA, George W. Bush, mostrou-se horrorizado com o massacre ocorrido hoje na Universidade da Virginia. Se o seu grande amigo, Charleston Heston, se mostrasse pesaroso pelo sucedido também não me espantaria. Gente sensível.

Lembras-te J? ;-)

Una altra scena del quotidiano... con grande macchina!

A caminho da escola do filho mais velho para o trazer para o almoço, vejo o Micolli a sair do seu Bugatti preto-ruidoso-ruinoso, ligar o telemóvel, atravessar a rua e entrar no café cá da esquina... Eu, benfiquista pacóvio, me confesso: fiquei em êxtase perante o ídolo (que, ainda por cima, é da minha altura)!

(Claro, o filho mais velho teve que esperar por mim mais do que o costume à porta da escola... e ainda não parou de me importunar por não ter pedido um autógrafo ao craque!).

Çenas du Có Tidiano ...

"... As autoridades já identificaram o proprietário da viatura que no sábado entrou em contramão no Viaduto Duarte Pacheco, em Lisboa, entrando no Túnel do Marquês. Na viatura seguia um casal de idosos que conseguiu escapar à polícia e que, até agora, continua por localizar ... "
in Sic, Primeiro Jornal, 2007.04.16 (sicnewsletter)

Um grande golo de Sócrates (não é esse!)

Para começar a semana com umas boas gargalhadas, seguindo esta sugestão.

15.4.07

A aula de Balística Terminal em "The Departed - Entre Inimigos" de Martin Scorsese

Texto fulgurante de precisão e... terror: "A Balística Terminal estuda o impacto do projéctil ao atingir o alvo e a destruição que provoca. As vossas munições, por exemplo, uma bala de 9 mm com ponta oca. Quando a ponta atinge o crânio, expande-se em forma de cogumelo. Ao fazê-lo, fragmenta-se. O resultado é termos seis, oito, dez partículas da bala que são como lâminas de barbear, rasgando órgãos internos, fígado, pulmões, coração, tecido, osso, sangue, provocando lesões extensas no cérebro." Alguma dúvida?

(Onde é que já ouvi algo parecido com isto?)

Amigos, amigos... cinema à parte (sobre "The Departed - Entre Inimigos", de Martin Scorsese)


1) Compreendo este entusiasmo, mas (sorry...) não o partilho integralmente. The Departed - Entre Inimigos é, claro, um filme muito bem feito e Scorsese um profissional que não brinca em serviço. Mas, para mim, isso não é suficiente como ponto de referência para a avaliação do trabalho de um cineasta que já nos deu meia dúzia de filmes enormes e, pelo menos, três obras-primas assombrosas: Taxi Driver, O Touro Enraivecido e A Última Tentação de Cristo.

2) Na verdade, desde Casino, o seu último grande filme, a trepidação e o nervosismo geniais de Scorsese diluiram-se em filmes que, mesmo quando marcados a sangue, sofrem de um défice de paixão e risco que trai os propósitos do que, em tempos, foi o mais apaixonado (e apaixonante) realizador do cinema americano contemporâneo. O exemplo mais flagrante desta situação será O Aviador, mas Entre Inimigos ou Gangues de Nova Iorque também se deixam enfraquecer por um excesso de produção que não tem resultados equivalentes em termos de conseguimento cinematográfico. Dois sinais evidentes disto: por um lado, o olhar do realizador parece agora claramente distanciado em relação às narrativas que conta em geral, e em relação aos seus protagonistas em particular (um olhar demasiado frio, quase anti-scorsesiano...); e, por outro, uma impressão de paródia do seu próprio estilo que se tem imposto (facto sublinhado por diversos críticos), um Scorsese a fazer de Scorsese, o que contribui para a intelectualização de uma maneira de fazer filmes em que cérebro e emoções se equilibravam sempre na perfeição.

3) Tudo isto é verificável em Entre Inimigos. Por exemplo, a sequência final do filme retoma e rima com a sequência final de Taxi Driver. Mas o que era demência genial e vertiginosa no filme de 76, revela-se agora dejá-vu, terreno conhecido (e isto nada tem que ver, julgo, com a natureza de filme-remake de Infiltrados, filme que não vi), demasiado conhecido para interessar verdadeiramente o espectador, roçando o gratuito (pormenor revelador: enquanto a câmara filma o massacre final de Taxi Driver em cima dos acontecimentos, fazendo parte deles, agora a câmara olha como que protegida por uma zona de segurança, não se aproximando em demasia, protegendo-se das explosões e dos salpicos de sangue). E este, parece-me, é o tom geral do filme. O que não significa que, em alguns momentos, sintamos como o realizador está vivo, ainda que adormecido. Como um grande predador artístico, uma espécie de urso gigante, em letargia, na sua gruta durante o Inverno. À espera de reaparecer, a qualquer momento.

4) Dois exemplos apenas. Primeiro exemplo: bastante mais conseguida, e perturbadora, que a sequência dos tiros e assassinatos do final do filme, é a cena da queda do capitão da polícia (Martin Sheen) na rua, no momento em que o agente infiltrado no seio dos criminosos (Di Caprio) está em fuga. A suspensão que se segue (o que fazer? continuar a fuga? sair do carro para perceber o que aconteceu? cumprir as ordens? etc.), que dura alguns segundos, é absolutamente Scorsese vintage... mas, precisamente, dura apenas alguns segundos. Segundo exemplo: a sequência, logo no início, da formação cruzada dos dois jovens futuros polícias (gato e rato um do outro ao longo de todo o filme). Veja-se a aula de Balística Terminal, o contraste entre a pose aprumada, concentrada e limpa dos cadetes e aquilo que aprendem através do discurso claro, mas como que automatizado e enfastiado, do formador: o terrível poder de violência, sofrimento e morte que potencialmente poderão provocar, ou sofrer, por meio das armas que passarão a usar. Tudo servido através de uma montagem que articula imagens, palavras e banda sonora que só pode ser considerada como perfeita. É possível, portanto, manter viva a ideia de que o autor de Os Cavaleiros do Asfalto ainda tem muito bom cinema para nos apresentar.

5) É, pelo menos, essa a minha esperança de scorsesiano interessado. Que o homem, conseguido finalmente o Óscar, deixe de fazer "filmes para Hollywood ver" e regresse ao cinema. Cá nos reencontraremos...

Correio

O primeiro leitor, devidamente identificado (Manuel Arroba Sapinho do Charco), opina que “Ausência parece o nome de uma daquelas novelas choramingas da TVI”, mostrando-se satisfeito pelo facto de ter sido colocado “um ponto final nessa treta”. Registamos a crítica construtiva, com agrado, mas não nos podemos comprometer com uma resposta pública (ou privada) a todas as mensagens. É que temos mais que fazer, embora às vezes não pareça. De qualquer forma, fica aí em cima o endereço. Para o caso de quererem vender um carro em segunda mão por bom preço, fazer ameaças físicas, propor a edição do livro de poemas Transportes Púbicos do LP ou comprar uns bonecos do PB.

Este email foi aprovado em Assembleia Geral de convivas desta mesa de café.

Ausência (último episódio)

Ela tinha-lhe telefonado, há uns tempos.

“Tenho espreitado o blogue. Olha lá, tu continuas esquisito ou aquilo é estilo?”

Ele respondera-lhe – se os nossos arquivos estão em ordem – politicamente correcto. Mas ficou a pensar.

“É um estilo esquisito, este meu.”

Sabe-se que estava a tentar poupar na terapia, castigando a escrita. Chegou um dia, domingo, 15 de Abril de 2007 – a data está rasurada mas é a hipótese mais provável – e decidiu desamparar a loja, creio que é a expressão. Deu sinal para um T0 na Rua da Blogosfera. Uma espécie de estúdio. Precisava de obras?

“Chega para os meus fantasmas mais íntimos.”

Precisava de obras. Mas isso não interessa.
Escreveu aos amigos a dizer-lhes que, doravante, deixaria de colocar os intestinos crus e outras miudezas na mesa do café que partilhavam. Puro bom gosto.

“Mais um café, por favor!”

Estás a ver? Não deixaria de frequentar a tasca da Ponte. Isso nem se discutia. Gostava da companhia dos amigos. Gostava de trocar cromos com eles. Era apenas uma nova atitude. Separar as águas, creio que é esta a expressão.

“Vejo que rapou o bigode, caro amigo!”

É esquisito. Nunca usara bigode, por uma questão de estilo. Vá-se lá entender isto.

Diário da Manhã ... Correio de Notícias ...

Parágrafo

Toca-me o despertador Lembro-me que nevava no meu sonho É raro lembrar-me dos meus sonhos inconscientes Os outros assombram-me os dias e raramente têm neve Há uma pilha de sinais de pontuação no balcão da cozinha com restos de palavras e uma mosca mole Afasto-os com a mão Faço um café Sei que está (quase) tudo dito

Cinema

Um regresso à Turquia, esta noite. Um filme intenso. Belo, dolorosamente belo.

Climas, realização de Nuri Bilge Ceylan, com Ebru Ceylan, Nuri Bilge Ceylan e Nazan Kirilmis, Tur/Fr, 2006

GPS

Sempre às voltas, mesmo com o GPS ligado.

14.4.07

GPS

Quando chegares à ponte das 3 entradas saberás escolher a melhor das saídas.

The Pogues : The band played waltzing Mathilda




Additional Note: Alec Campbell, the last known survivor of the ANZAC forces at Gallipoli (and the last known survivor of Gallipoli) died on Thursday, May 16, 2002 at the age of 103. Mr. Campbell enlisted at 16, and served at Gallipoli in 1915. He led Hobart's ANZAC Day parade three weeks prior to his death.

The Pogues : Fairytale Of New York

O livro é uma festa


Repete-se, este ano, a graça. Uma tenda branca, de dimensões generosas, do género da que esteve na Praça da Figueira (será a mesma?) até há poucos dias, aguarda por nós enquanto guarda livros, segredos e tesouros até 29 de Abril. Podemos, para dar dois exemplos, (re)descobrir, a preços convidativos, O Vinho e as Rosas, belíssima "antologia de poemas sobre a embriaguez", organizada por Jorge de Sousa Braga para a Assírio & Alvim há alguns anos (9 euros), ou uma Breve História das Nádegas, de Jean-Luc Hennig, uma edição de 1997, da Terramar, integrada na colecção "Pequena História" (5 euros), que, na contra-capa (o traseiro do livro?), promete ao "leitor céptico ou renitente (...) uma manancial de informações surpreendentes." Eu, que estou longe de me considerar céptico ou renitente em relação a estas matérias históricas, vou já lançar-me na leitura. À vossa!

(O Livro Em Festa - feira do livro. Organização da Câmara Municipal do Seixal. No Jardim do Fogueteiro, Paivas/Amora).

Nick Cave & Kylie Minogue : Where the Wild Roses Grow

Where
the Wild
Roses
Grow

Lapsus linguae

Ao balcão da cozinha conversam sobre trivialidades, a escolha de certo vocábulo para um poema, os talheres por dispôr na mesa, a garrafa de vinho. Ela passa por água as folhas de alface e a pele fresca do tomate, ele corta as laranjas ao meio, passa as duas metades pelo espremedor eléctrico. Fazem alguns planos para a tarde calorosa. Depois, ela chama os filhos para a mesa e ri-se, muito, do lapsus linguae que acabou de produzir. E esse riso é um pequeno lapso de tempo que parece conter, de súbito, toda a eternidade.

Cantaloop(s) ...



John Cale (Leonard Coen) : Hallelujah

Ausência


Ausência

Ele ia escrever.

“Às vezes, acho que já enlouqueci.”

Depois, armou-se de certezas. Estava pendurado na varanda, a olhar a rua, e pensava como seria fácil, o eclipse. Consta que sentiu uma vertigem e recolheu-se, o cobarde! Acendeu mais um cigarro (sim, tinha recomeçado a fumar) e fumou-o à janela, para evitar encher a sala de tabaco frio. Repara só no detalhe patético! Ffffffffff…

Escreveu.

“Basta-me um sopro na vela do meu peito e sigo o vento”.

Tinha encontrado uma bifurcação nestas palavras que lhe permitiu adormecer nessa noite (evitava os químicos, drogava-se com letras ou coisa do género). Afinal, havia a possibilidade de um pano no lugar do pavio.

Escreveu.

“Pano e Pavio”

mas depois, algum tempo depois, trocou “pano” por “fio”. Malabarista! Que interesse têm estas merdas? Fffffffff…!

Uns dias depois, voltou a escrever.

“Às vezes, acho que já enlouqueci.”

Inquietou-se.

“E se eu for um psicopata?”

Responderam-lhe, das gavetas do congelador.

“Que disparate!”

Rasgou um sorriso misterioso, um pouco ausente

e desapareceu.

Ausência


13.4.07

Ausência

(Encontros de Fotografia, Coimbra, 2006)

6ª, 13

Os jornais mudam, tal como tudo o resto na vida. É normal. O DN voltou a mudar, desta vez sem grande espalhafato. Acertos gráficos, o fim do suplemento diário de economia, uma nova organização das secções. No dia em que chega às bancas, de cara lavada, apresenta como grande novidade uma revistinha de televisão com 100 páginas. Surge na mesma sexta em que desaparece o suplemento , de que era cliente regular. A era bem feita, inteligente, abria horizontes, lançava pistas. Bem sei que os assuntos que por ali passavam podem ter (algum) lugar no caderno principal mas não sei se continuarei a comprar, pelo menos com o mesmo gosto, este DN das sextas-feiras.


Actualiz. (23:30): Ainda não vi com atenção o conteúdo - confesso que tinha mesmo comprado por causa da e só dei pela falta depois - mas parece que a remodelação não foi apenas um arranjo e já há algum espalhafato... Mas desta vez não é marketing. Ou será?

Care For a Drink?

“The rats are running in the subway
the fat cats are choking on the cream
the roaches are creeping in the plumbing
and the dinosaurs are drinking gasoline.” *

TOM – Do you post, Jerry?
JERRY – Oh, yes! I love to post!
TOM – Let’s go to NYC! We could post from there.
JERRY – Yeah! Why not? From the subway!! Hiii!!
ROACH – Não há pachorra.
TOM – What?
Who the hell…?!
JERRY – Let it be, Tom… probably’s a freak scubadiver …
TOM – Oh… ok! Where were we?
JERRY – NYC… posting and .. you know.
TOM – Oh, yeah! Sure. Let’s GO!

* (Ben Godwin, Drinking Gasoline, do CD Skin and Bone – uma descoberta feita aqui, depois deste bom passa-palavra)

12.4.07

Post(a) Restante

Excelente correspondência, esta que acaba de me chegar às mãos. O César e a Julieta, que conheci há cerca de um ano, são os criadores do Chuchurumel, com raízes lá para as bandas de Trancoso. O novo disco, o segundo (que estará à venda em Maio), chama-se “Posta Restante” e mostra que o projecto (cruzamento de músicas tradicionais, recolhas e electrónica) vai de vento em popa. Talvez mais à frente dê outra conta da encomenda. Agora vou fechar os animais.



Realização do videoclip: Tiago Pereira
Música: Coquelhada Marralheira
Tradicional / Freixiosa (Trás-os-Montes)
César Prata: bandolim eléctrico, programações, samples
Julieta Silva: sanfona
Clementina Rosa Afonso: voz


Wim Mertens : Iris




Gustavo Santaolalla : Wings




11.4.07

Um Poema*

Colagem à maneira de Carlos de Oliveira
(com versos de Dante, Machado, Drummond e um cartaz de rua do PSD)


A meio do caminho
da nossa vida fez-se
todo o caminho
a caminhar. E

tinha uma pedra
(era eu, eras tu?)
a meio caminho
de lado nenhum.


*do livro Transportes Púbicos (bláblá...).

História familiar

O meu filho mais novo não quer entrar na banheira, faz birra para tomar banho. Banho tomado, não quer sair, faz birra para sair da banheira. Não há pachorra!

Dead Man Ray : Chemical




Laurie Anderson : Speak my language





Smog : Bathysphere




Jan Garbarek : Iceburn




Michael Andrews : Cellar_Door : Donnie Darko




Mercury Rev : Holes




U2 : Sunday Bloody Sunday