1) Para ler os clássicos é preciso tempo. E silêncio. Esses escassos bens.
2) Para ler os clássicos é preciso estar disposto a deixar em suspenso o imediato, veloz, alucinado. E entrar num outro tempo, mais lento, feito de palavras e não de imagens. Ou melhor, aceitar criar imagens com as palavras e as frases. O tempo dos clássicos não se coaduna com um qualquer regime de consumo rápido. O tempo dos clássicos é lento, paciente, exasperante, por vezes. Quem não sente a tentação de saltar a descrição do "Ramalhete" no princípio de Os Maias?
3) Os clássicos não são para todos, tal como nem todos gostam de cinema clássico americano ("filmes a preto e branco? Que horror!"). Pode-se aprender a gostar, mas nem todos chegam a aprender. Nem todos querem aprender. Não estão dispostos a arriscar nesse sentido. Muitos nem lêem uma linha do romance. Mas lêem dois ou três volumes de resumos e de análise do romance. E pensam que ficam a conhecê-lo.
4) Os clássicos podem ser perigosos e chocantes. Álvaro de Campos elogia "a graça feminil e falsa dos pederastas" e manda tudo e todos à "MERDA" no seu "Manifesto Futurista". Os clássicos não são bem comportados, não têm uma moral necessariamente boazinha. Lembram-se do "Sermão de Santo António aos Peixes", do Padre António Vieira e da denúncia que ele faz dos falsos e dos medíocres, dos aduladores e dos presunçosos? Dos grandes que exploram e massacram os pequenos? Para alguns, isto deve soar a discurso pré-marxista.
5) Os clássicos são difíceis, mesmo quando parecem fáceis. Exigem estudo, esforço, trabalho. Leitura atenta, disponibilidade para pensar. E repensar. Valores de baixa cotação na sociedade do espectáculo e dos Morangos Com Açúcar.
6) Veja-se a ironia. A ironia é uma das figuras mais difíceis da retórica - tanto na pespectiva daquele que a produz (o criador, seja ele qual for), como do lado de quem a lê, ouve, interpreta. É uma prova de inteligência fina, de espírito capaz de ir para além do óbvio. De ler nas entrelinhas, captar segundos sentidos. É igualmente uma questão de cultura, de saber, de conhecimento. É como no humor: se não houver um contexto e uma cumplicidade comuns, a piada não se percebe. Não há piada. Emissor e receptor têm de estar na mesma onda, de outro modo a corrente dos sentidos não passa. Por exemplo, em Eça a ironia é um procedimento retórico fundamental - e difícil de explicar. Porque ele diz uma coisa e quer dizer o contrário do que diz. Por outro lado, como achar piada a uma piada que se tem de explicar: explicar uma piada é o pior que se pode fazer a uma piada. Esta é uma das grandes dificuldades de ler os clássicos. Para apreciar é preciso explicar; mas explicar retira metade do prazer.
7) E, depois, há a linguagem. Os clássicos são o puro gozo da língua, da sua invenção permanente. Mas também da obscuridade da língua. Das palavras caras (notem o duplo (?) sentido da palavra, meus caros), difíceis, que pedem dicionário. Tudo isto com malta que está em plena revolução hormonal! Que cocktail! Mas que desafio... De que não podemos abdicar. Porque os clássicos são tão modernos como os modernos (ou os pós-modernos). Ou, até, mais modernos: "vejo sem olhos, e sem língua falo" (Camões). Coisa, em séculos, só para alguns. Aproveitemos.
2 comentários:
Bem observado.
Boas ideias para partilhar amanhã?
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