30.5.06

Do Estado de Choque ao Estado do Sítio (algumas notas a quente sobre uma reportagem e um debate televisivos)

1) Em primeiro lugar: solidariedade total com os professores e as direcções das escolas que aceitaram as filmagens. Mostraram coragem, mas, claro, também desespero perante uma situação que não conseguiram resolver. Ir à ou deixar entrar a televisão é a prova de que já recorreram a todas as portas (especialmente, as do Ministério), mas não obtiveram a resposta adequada, nem o apoio necessário. Resolveram gritar por socorro? Alguém pode atirar a primeira pedra? Notei que o senhor secretário de estado não teve uma palavra para apoiar os professores agredidos e violentados na sua dignidade pessoal e profissional que, todos os dias, recebem aqueles alunos. Nem uma só palavra. Mas falou muito da escola como organização.
2) Não vou discutir a ética jornalística da reportagem. Os apoiantes declarados do governo & outros colunistas tratarão do assunto. Mas reconheço que haverá muito para discutir. Desde logo, o facto de as turmas serem filmadas sem o saberem. Ao contrário dos professores que, obviamente, na posse desse saber, agem de forma, parece-me evidente, menos natural do que agiriam se não se soubessem filmados. Para além do medo declarado e assumido, talvez isto explique, em parte, algo que é notório (e aflitivo) nas imagens: os professores procuram interagir o menos possível com os alunos que praticam actos absolutamente inaceitáveis de indisciplina e violência. O facto é que as imagens existem: e contra elas não há discurso político de relativização que se aguente. O incómodo do senhor secretário de estado foi tão eloquente como as próprias imagens. Mostrou surpresa mas soube, desde logo, identificar a escola em causa. E não desfez uma contradição: se aquela é uma situação extrema e localizada, porque motivo se têm multiplicado pelo país os casos de violência dos jovens contra outros jovens, contra funcionários e professores? A reportagem começou por aí: notícias e reportagens de agressões, verbais e físicas contra quem está na escola para aprender e conviver em paz e respeito por si e pelos outros. Mas, claro, o problema é das escolas, que ainda não se organizaram.
3) A professora Isabel Cluny distanciou-se da acção sindical (fez bem, os sindicatos que façam o seu trabalho) mas apresentou, calma e serenamente, alguns problemas: o incrível regime de faltas (para apresentar estatísticas menos dramáticas a nível europeu); o abandono da escola pelos alunos (este será outro critério para avaliação dos professores, que terão, portanto, de ir pedir encarecidamente aos alunos que não faltem!); os baixíssimos níveis de participação dos pais na vida escolar (o que não pode, de maneira nenhuma, ser criticado: a maior parte trabalha duramente, e muitas horas, longe de casa e só pretende chegar a tempo de fazer alguma coisa para jantar e poder descansar um pouco em frente à telenovela e ao futebol!); a indisciplina "de baixa intensidade" constante e desgastante, etc.; a nenhum destes problemas concretos o senhor secretário de estado respondeu. A resposta foi, vou repetir-me, insistentemente a mesma: há escolas que se organizam e resolvem; outras não. A avestruz também esconde a cabeça na areia. A verdade é que as políticas do ministério têm sido sempre no sentido de enfraquecer os professores. Porquê? Porque com a classe dividida e estilhaçada não há poder reivindicativo e criam-se as condições para instaurar o medo nas escolas. Sim, porque os professores não receiam apenas os alunos; receiam, igualmente, esta tutela que conseguiu o feito inédito de colocar em causa o direito à greve, no final do ano lectivo passado, com a extraordinária invenção, em cima do momento, de serviços mínimos em educação. Só tive pena que a professora Isabel Cluny não tivesse clarificado a sua lateral observação de que alguns dizem defender a escola pública, mas colocam os filhos a estudar em escolas privadas... Talvez tal informação pudesse esclarecer a pessoal motivação reformadora dos nossos governantes.
4) Foi significativo, em contrapartida, observar que o professor Eduardo Sá considera os jovens de 16 e 17 anos crianças. Isso diz muito sobre a noção de responsabilização que grassa em muitos sectores da sociedade. Quanto ao resto, é preciso talvez recordar que atender, individualmente, num gabinete, um jovem problemático é bem diferente de trabalhar com turmas de 24 ou 25 alunos, parte deles problemáticos. Viram como o José Alberto Carvalho conseguiu "conversar" civilizadamente (pelo menos, esforçou-se!) com as "crianças"? Pois é, são as mesmas que, em grupo, reconhecem fazer ou ter feito coisas parecidas com o que vimos nas imagens.
5) Sobre as intervenções da professora Fátima Bonifácio, não tenho comentários. A não ser este: quem souber ouvir que oiça (mas desconfio que quem deveria ouvir está mais interessado em desviar as atenções). De qualquer modo, parece-me que há uma ideia incontornável: destruir a dignidade dos professores é enfraquecer as escolas. E isso só pode ser mau para todos (excepto para quem deseja ganhar muito dinheiro com o ensino privado!), a começar por alunos e pais. E a acabar no país.
6) Acredito no meu país. Continuarei a fazer o meu melhor para o desenvolver. Acredito na escola pública. Continuarei a lutar por ela. Dia após dia. Porque é uma questão de democracia. De cidadania. De responsabilidade. E de liberdade. Agora é tarde, vou deitar-me. Amanhã às 8.15 tenho uma aula para "dar".

1 comentário:

j disse...

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