10.5.06

Ei-los Que Falam! (Os Outros Nomes de Um País)


A Odete é uma jovem luso-francesa que, ao abrigo de um protocolo cultural entre Portugal e a França, está na minha escola a desenvolver um projecto de aproximação dos alunos à língua e à cultura francesas, claramente secundarizadas em relação à referência anglo-saxónica (inglesa e, sobretudo, americana) hoje hegemónica em (quase?) todo o mundo ocidental. É uma rapariga de vinte e poucos anos, muito bonita e dinâmica, que conseguiu colocar um grupo relativamente extenso de adolescentes portugueses sub-urbanos a ver cinema francês (embora legendado) ou a cantar e a dançar ao som da música moderna francesa (um pequeno grupo de alunas minhas vai, por exemplo, dançar amanhã no Institute Franco-Portugais no âmbito deste projecto bem simpático). Desconheço os pormenores da saga familiar dos pais da Odete, mas suspeito que eles não tenham andado muito longe dos passos dados por muitos dos portugueses retratados no 4º episódio da excelente série sobre a História da Emigração Portuguesa que a RTP1 tem exibido desde meados de Abril. Ei-los Que Partem tem sido uma lição extraordinária sobre uma parte da nossa história recente, pouco ou nada mostrada e, muito menos, discutida ao nível do grande público, facto que faz redobrar a importância do trabalho histórico-documental que tem sido apresentado nas terças à noite. Vi, até ontem, todos os episódios; posso dizer, por isso, que sendo todos eles muito bons, o 4º é de uma excelência invulgar. Recorrendo aos arquivos (imagens e documentos) e, essencialmente, aos protagonistas anónimos que viveram a "anti-epopeia" (Eduardo Lourenço) da emigração para França, nas décadas de 50/60/70, a jornalista Fernanda Bizarro deu-nos a (re)conhecer a situação política, económica, social e cultural de um tempo que parece, em simultâneo, demasiado longínquo e, por estranho que pareça, demasiado próximo de nós. Um tempo de grande, dramática pobreza, razão mais que suficiente (em conjunto com o problema guerra colonial) para levar um milhão e meio de portugueses procurar, em vários países do norte da Europa e, especialmente, em França, as condições mínimas de subsistência que o seu país, rural, católico até à medula, salazarista, lhe negava. Tudo isto mostrado de forma notável, através de um trabalho que explica e implica o espectador no que está a ver: são imagens que obrigam a reflectir sobre a nossa história recente, não como algo distante, mas como matéria de que somos feitos, aqui e agora. Em articulação com a música de Carlos Paredes ou de Adriano Correia de Oliveira, as imagens do "cinema novo" português, as páginas dos jornais franceses da época, os excertos dos programas de propaganda do "estado novo" e a opinião de sociólogos, jornalistas, historiadores e pensadores da identidade nacional, fomos colocados perante os homens e as mulheres concretos que procuraram mudar de vida (Paulo Rocha), quase todos a salto, virando as costas a uma terra atrasada e, aparentemente, sem futuro. São, na verdade, essas pessoas, e as suas histórias, tão diferentes todas, e tão comuns, o fulcro da própria história colectiva que se conta aqui na primeira pessoa. Rostos e palavras comoventes e inesquecíveis. Por exemplo, José Baptista Bastos, emigrante em França: "Austerlitz faz parte da História de Portugal. Tanta gente ali. Tanta gente a chorar ali." João Rosa Cabanas, emigrante em França: "Levámos 13 dias para chegar a França. A pé. Continuávamos toda a noite a andar. Quando chegámos, as solas dos sapatos estavam coladas aos pés. Um teve que arrancar as solas da pele. Esteve 4 dias sem poder andar." Emília Costa, emigrante em França: "Foi muito difícil. Muitas saudades. Muito duro. É uma coisa que não posso esquecer." Conceição Cabanas, emigrante em França: "A gente evoluiu. Eu acho que o essencial foi a mulher portuguesa ter um salário igual ou mesmo superior ao do homem. Assim passou a haver igualdade." Outros, ou os mesmos rostos: "Uma das maiores ambições que tenho como emigrante é regressar ao meu país." "Eu, lá em baixo, já me sinto tão emigrante como aqui." "Sabe, a minha casa em Portugal é muito grande. Eu gosto, e não gosto dela. Quando lá vou, gosto. Mas quando chego aqui é que me sinto bem. E é uma casa pequenina. Mas eu sinto-me como um pássaro numa gaiola dourada." Os outros, ou os mesmos nomes de um país.

2 comentários:

PB disse...

nada como o nosso poiso ...

j disse...

Espero bem que editem isto em DVD.