31.3.06

Isto é tudo o que ele diz antes de

Isto é tudo o que ele diz antes de ficar em silêncio: "Se a razão estiver do lado daqueles que defendem que são as palavras que presentificam o mundo, isto é, que só as coisas para as quais temos nomes passam verdadeiramente a existir para nós, se assim for de facto, será então razoável pensar que o teu corpo (olhos, boca, cabelos, ombros, tronco, mãos, braços, ventre, pernas, pés...) aparecerá aqui, agora, junto ao meu, se eu disser alto no escuro o teu nome? Mas se tu não estás aqui, agora, como me vais ensinar a dizer alto no escuro o teu nome? Como dizer esse nome sem a presença dos teus olhos? E sem a visão da tua boca? Sem os teus cabelos? Sem os teus ombros, tronco, mãos, braços, ventre, pernas, pés...? Não vês que não é possível dizer assim o teu nome? E que também não é possível escolher não o dizer? Que queres tu que eu diga aqui, agora?" E isto foi tudo o que ele disse. E depois ficou em silêncio. Aqui. Agora.

Algumas palavras agarram-se

Algumas palavras agarram-se aos nossos olhos e fixam neles as suas raízes. É então que uma dúvida invade o nosso campo de visão: estas palavras são as lentes que corrigem a nossa miopia (ou o nosso astigmatismo, o nosso estrabismo, etc.)? Ou são a venda que nos conduz, mais tarde ou mais cedo, para o abismo?

Enquanto lá fora o dia

Enquanto lá fora o dia estava radioso, dentro de casa chovia e trovejava por efeito do que ele escrevia. Assim, se alguém viesse da rua, destrancasse a porta e desse um passo dentro dessa casa ficaria, de súbito, e completamente, encharcado. De palavras.

Quando é que um texto

Quando é que um texto se faz poema? Quando colocamos a mão sobre o seu lado esquerdo e, não vejo outro modo de o dizer, sentimos nas palavras a sua incompreensível arritmia cardíaca.

Se os dicionários são

Se os dicionários são, como dizem alguns, "cemitérios de palavras", então deveríamos poder colocar, quando nos apetecesse, flores silvestres sobre as campas daquelas que mais amamos.

Escrevo sobre isto

Escrevo sobre isto. Escrevo e nada parece mudar na minha vida por escrever sobre isto. Mas escrevo e isso muda alguma coisa na minha vida. Só não sei o quê. Isto.

Os lugares são muito mais

Os lugares são muito mais vastos que o teu olhar. Mas os lugares permanecem no seu lugar enquanto tu os atravessas com o olhar a caminho de outros lugares.

Estou quase sempre a pensar em vocês ...

Estou quase sempre a pensar em vocês ... Estou quase sempre a pensar em vocês ... Estou quase sempre a pensar em vocês ... Estou quase sempre a pensar em vocês ...
Estou quase sempre a pensar em vocês ... Estou quase sempre a pensar em vocês ... Estou quase sempre ...

Alguém escreveu uma carta

Alguém escreveu uma carta a que nunca respondeste. Alguém bateu à tua porta quando saíste da cidade. Alguém trouxe vinho mas o teu copo continua vazio. Alguém escreveu o teu nome com tinta invisível. Sabes que foi assim: e que é assim. E por isso escreves uma carta a que ninguém responde. Bates a uma porta que não se abre. Trazes tu o vinho e enches o copo. E depois assinas por baixo. Com esta tinta invisível.

Não.

30.3.06

Jornal de parede (última página / versão condensada)

"Gostei muito do pinguim"

"Vi um polvo num buraco"

"Gostei dos mergulhadores a limpar"

"O mar tem buracos"

(frases expostas nas paredes da sala do colégio de W.;
autores: os meninos e as meninas da sala - de 3 a 5 anos;
fonte de inspiração: uma visita ao Oceanário de Lisboa).

Jornal de parede (primeira página)

"Se eu fosse uma borboleta voava para a minha casa"

"Quero uns sapatos todos iguais, mas não novos"

"Os amigos chamaram o Dr. Caracol"

"Eram as amigas formigas, os grilos, as borboletas e os gafanhotos"

"Havia um carrossel, comboios, música e comida. Era uma festa com bolos"

"Havia chinelos e sapatões"

"Era uma vez uma centopeia..."

(Algumas das frases expostas nas paredes da sala do colégio de W.;
autores: os meninos e as meninas da sala;
fonte de inspiração: a história da centopeia Doroteia)

K. vai ao Shopping (1º episódio)

Com uma tarde livre, K. decide dedicar-se a conhecer o renovado Centro Comercial da sua zona. Ou, como se diz na campanha publicitária – coisa à séria, com encarte na 1ª página do Público -, K. vai ao Shopping. Carro arrumado num piso inferior, cinzento e húmido como qualquer cave do género, tapete rolante a rolar e, de súbito, a Luz. K. vê-se mergulhado, à superfície (piso 0), no admirável mundo novo das cores plásticas, das lojas de marca, do rumor serpenteante da multidão que desliza nos corredores. Esta é a Luz que invade todos os cantos destes espaços iguais em todo o lado. K. sabe que é assim porque, como português suburbano vulgar, conhece um bom lote, plausivelmente representativo, destes exemplares da arquitectura de massas tão em voga nos dias que nos couberam viver. E é toda uma lição de geografia sobre a área da Grande Lisboa: os da capital, os primeiros de todos (Amoreiras, Colombo...), mas também os da Margem Sul (Alcochete, Almada...), para além dos chamados outlets a norte (Carregado) e a sul (Montijo) do Tejo. Mas, agora, K. está no seu território, bem no centro do Rio Sul Shopping. E K. olha à sua volta: se o look e organização do espaço nada trazem de novo, já a fauna humana apresenta alguma originalidade. Não aparentam ser muito abastadas, estas pessoas. Mas parecem realmente encantadas com a novidade. Circulam ruidosamente, conversam alto, comentam as montras. E, facto relevante, há uma riqueza étnica que entra pelos olhos e ouvidos dentro. Claro, a maioria é dos portugueses, “os de olhos castanhos” como diz o poeta; mas anda por ali muita gente de muitos mundos – africanos, brasileiros, eslavos... E há-de haver aqui algum benefício. Uma forma de entendimento, de encontro, entre brancos mais ou menos escuros, ciganos, negros, todos mais ou menos ricos (?), ou pobres. Mas todos no mesmo espaço, no mesmo momento, em convívio directo ou indirecto. Uma espécie de tapete humano que se faz de diferentes linhas e malhas, cruzadas, entrecruzadas, de cores diferentes, mas vivas. E, de repente, K. parece assistir à transformação de um banal centro comercial num verdadeiro centro cultural (multicultural), onde fervilham pessoas, histórias, línguas. É então que K. pára para reflectir: isto está mesmo a acontecer à frente dos seus olhos? Ou é tudo efeito da sua imaginação? Uma alucinação provocada pela Luz fortíssima? Pelo ruído dos passos e das pessoas? K. tem de se sentar um pouco para organizar as ideias e o olhar, antes de prosseguir. Senta-se num banco com a forma de bote, um dos muitos elementos náuticos que enfeitam os corredores e cantos do renovado Rio Sul Shopping. E, por agora, K. ficará sentado. (Continua)

29.3.06

3 X 100 kms

Daqui a nada, diz que chove, conto como foi. Arrumo uns MP3s na bagagem, de B&W na mira, eu que só penso num sol generoso a puxar pelas cores que há no mundo. Arre, cinza! Até já, até já. (E, já agora, o tipo tinha razão: tudo é relativo, claro. As melhoras.)

Caderneta de Cromos (da bola)

Treinador de futebol dos juvenis. Bigode acerado, na aparência sério. Aos domingos de manhã, dia de jogo, oscila entre o fato de treino e o blusão de ganga que já viu melhores dias. A táctica, com variantes episódicas, acaba por ser a mesma para todos os adversários, menos para o Barreirense que, esta época, não tem dado hipóteses. Hoje, a jogar fora, contra um Corroios normalmente bem organizado no meio-campo e perigoso no ataque, resolve meter mais um no meio, mais recuado, e dizer aos da defesa: "Jogam em linha, 'tá bem? Mas, muita atenção, ninguém se atrasa a sair. Ó Belo, és o jogador de comando cá atrás. Eh pá, e metam rápido a bola a correr p'las pontas, para depois se cruzar". Nestes momentos de tensão, antes da entrada dos putos no pelado, não deixa de reviver, mais uma vez, esse fogo que arde em si, a paixão, essa, de sempre. A de jogar e ver jogar à bola. Não propriamente o futebol, que é coisa que, bem espremido o fruto, não entende por aí além - mas não diz mal do Mourinho, embora não compreenda alguns dos termos das conferências de imprensa. No fim do jogo, e porque as coisas não correram mal de todo - um empate fora é, quase sempre, um bom resultado! - diz ao grupo: "Bom trabalho, rapazes!" Mas termina, virando-se para um ponta-de-lança esgotado e esparramado ao seu lado, no banco de cimento gelado de um balneário minúsculo onde todos se apertam: "Ai aquela bola no fim, Nélson! Foda-se, como é que foste acertar na cabeça de caralho do guarda-redes dos gajos?!". Que pergunta, Mister!
Não esqueçam: na terça-feira há treino.

Da grandeza das coisas (em registo escatológico-familiar)

Nada do que é humano me é estranho. Tudo se relaciona com tudo. O bater de asas de uma borboleta aqui pode provocar um tufão na China. K. tem a impressão de que isto pode ser verdadeiro, objectivo, cientificamente comprovável e filosoficamente argumentável. Mas quando o jovem Y. vomita, no chão do seu quarto, às 4 da manhã, o jantar da véspera e o pequeno W. insiste, no dia seguinte, em guardar teimosamente dentro de si o trânsito intestinal (com as consequentes reacções de agonia, repulsa, desespero, pânico, choro e ternura final da Senhora K.), para além de constatar o comportamento diametralmente contrastivo dos seus filhos (Y. expulsa, W. retém), facto que mereceria alguma atenção, K. conclui que está muito mais obcecado com as matérias quentes, pegajosas, pastosas, castanho claras e castanho escuras, amareladas, verdes, pestilentas e terrivelmente mal-cheirosas que jorram ou ficam presas no interior dos corpos por si mais amados do que com todas as equações e palavras produzidas sobre as fascinantes relações entre Luz, Energia, Massa, Tempo e Espaço que fundamentam e formam a Teoria da Relatividade, aquela que (não) diz que tudo, afinal, é relativo.

Pásion

No, no digas que yo me muero
Amor, mi vida es sufrimiento
Yo te quiero en mi camino
Por vos cambiaba mi destino

Ay, abrazame esta noche
Y aunque no tengas ganas
Prefeiero que me mientas
Tristes breves nuestras vidas
Acercate a mí, abrazame a ti por Dios
Entregate a mis brazos

Tengo un corazón ganando
Yo sé que vos me estas escuchando
Con mis lagrimas te quiero
Pasión, sos mi amor sincero

Ay, abrazame esta noche
Y aunque no tengas ganas
Prefeiero que me mientas
Tristes breves nuestras vidas
Acercate a mí, abrazame a ti por Dios
Entregate a mis brazos

Rodrigo Leao/ Lula Pena

Caderneta de Cromos

Contabilista vegetariana. Coloca uma folha com gráficos de barras na mesa, entre o garfo e a faca, e marca um número no telemóvel. “Está, meu querido? Preciso de uma ajuda tua”. A empregada aproxima-se com o sumo de laranja e ela lança-lhe um sorriso amarelo. “É uma expressão de contabilidade”. Beberica o sumo. “Escuta: the largest the company, the largest the turnover share”. A empregada chega com a lasanha de espinafres, num prato ligeiramente micro-ondas-fumegante e ela pega na folha dos gráficos. “Não, eu percebi tudo menos turnover share, como é que se diz em português?” questiona, pousando o diagrama junto do guardanapo de papel. “Diz-se turnover share?!” A empregada afasta-se, deixando esvoaçar um “bom apetite!” que acaba por pousar na folha com barras coloridas, na terceira coluna, a contar da esquerda.

Caderneta de Cromos

Taxista de Lisboa. Através do espelho retrovisor, daqueles panorâmicos, espreita-me com uns óculos escuros, também panorâmicos, aros dourados em curva, segurando lentes verdes que acompanham as maçãs do rosto ossudo, rematado por uma cabeleira branca, muito escovada para trás. “Eles andam mesmo na caça à multa, já reparou?” Noto a fila de carros encostados à berma, alguns metros depois do óbvio carro azul escuro, solitário, com uma espécie de homem-estátua lá dentro. Quando mete uma mudança, faísca o cachuco no dedo mindinho. “Outro dia um advogado que eu transportei (transporto muitos, sabe?) disse-me que, se as pessoas estivessem informadas, não pagavam e até podiam apresentar queixa”. Ai sim? “Sim senhor! Eu até tenho para aí o cartão, se quiser posso tentar encontrá-lo, quer dizer, tenho imensos cartões de advogados mas é uma questão de ir telefonando, até acertar no que me deu esta dica, está a ver?” Entre cada mudança, com o faiscante cachuco e uma volta no gordo volante, agita o corpo franzino no banco e volta a espreitar-me por detrás dos óculos escuros panorâmicos, espelhados no panorâmico retrovisor. Tem vestido um fato de treino branco, acetinado. “A questão é que devia estar uma placa, no início da avenida, a dizer velocidade controlada por radar!” Na bolsa das costas do banco do lugar do morto estão algumas revistas, uma de automóveis, outra do Correio da Manhã e uma feminina, o serviço completo. Mais uma guinada no volante, um estremecimento do cetim de treino, cachuco, óculos, espelho. “Não é a nossa lei, percebe? É a lei da Europa, foi o que me disse o advogado, aí onde o senhor vai”. Viro-me para trás, ainda a tempo de ver uma sucessão de luzes de stop, indicando que alguns condutores deram pelo suspeito carro azul na berma. “Mas também só cai quem quer, os tipos são tão estúpidos que páram ali o carro, naquele sítio, e ainda por cima azul!”

28.3.06

Da importância das cores (equipamento alternativo)

Vermelho & branco: que a Força esteja connosco! Faça-se (na) Luz!

Da importância das cores

Pequenos prazeres, numa pausa de alguns minutos, antes de regressar ao trabalho: o céu bem azul (aqui e ali, uns fiapos de algodão) e o rio, caudaloso, verde (afagado pelo vento com dedos de espuma). Há muito que não desejava com tanta intensidade dias assim, inundados de sol. As cores nítidas parecem tornar os pensamentos mais claros.

Da relatividade do tempo

Durante três horas rezou fervorosamente, e pediu. E voltou a rezar, e a pedir. Depois, ergueu-se, voltou a benzer-se e saiu para a rua. Passados três anos aconteceu de facto o que ele tinha pedido que acontecesse. Mas ele já cá não estava para o comprovar.

A Silver Mt. Zion 2

Da grandeza das coisas

K. nota que, na sua vida, os detalhes, o pormenor, as pequenas coisas (uma palavra surpreendente, um desencontro, algo que não chega a ser dito...) têm uma importância desmedida, aparentemente desproporcionada se posta em relação com as grandes coisas da vida (as ideias, as teorias, os grandes temas...). Para o bem e para o mal. Assim, K. constata que pode até concordar com certas pessoas a nível ideológico, político, ou até filosófico (admitindo-se aqui que K. tem alguma espécie de filosofia, coisa muitíssimo duvidosa), mas revela-se incapaz de as sentir como próximas de si se as mesmas manifestam uma incapacidade gritante de compreender a importância de uma vírgula ou de um ponto final (ou a sua ausência) num verso de um poema. Porque é um universo inteiro que pode estar contido numa só vírgula, num só ponto final. Por isso, K. fica seriamente preocupado quando são os seus adversários ideológicos, políticos, ou até filosóficos, a manifestar um apreço genuíno por esse tipo de detalhes, pormenores e pequenas coisas. Porque K., colocado hipoteticamente na posição extrema de ter de escolher entre as grandes e as pequenas coisas, não é agora capaz de dizer, de modo peremptório e franco, qual dos dois campos escolheria. K. compreende, neste passo, como é relativa a grandeza das coisas na sua vida. E, como para provar a si próprio que afinal possui um olhar filosófico sobre o Ser e a Existência, arrisca mesmo que isto é válido não só para um entendimento mais profundo e amplo da sua vida, mas da Vida. É então que K. percebe que não está a falar das pequenas coisas, e que o seu discurso é o Discurso Sobre as Grandes Coisas. Pelo que agora só lhe resta uma alternativa: esboçar um sorriso (que é mais um trejeito, ou um tique) e colocar um ponto final no seu post. Uma, feitas bem as contas, bem pequena coisa.

Ogham, Iaki, Chamicaro

Blog. Contributor. Post. O que significa isto? Que língua é esta? Será verdade que 72% dos sítios na Net são em Inglês? Que 90% das línguas existentes no mundo não estão presentes na Rede? Quantas línguas estão a desaparecer agora? Quando morre uma língua, porque morrem os velhos que a falam e porque os novos, as crianças, já não a aprendem, perde-se uma maneira de ver e dizer o mundo. Única, intraduzível, perdida para sempre. Quando morre uma língua, desaparece uma maneira especial das pessoas se relacionarem. As pessoas não falam (cerca de 20% das línguas conhecidas não tem escrita) ou escrevem apenas com e na sua língua. Vivem nela, morrem nela, sofrem nela, sonham nela. Apaixonam-se nela. Existem cerca de seis mil e mais algumas línguas, mas muitas delas desaparecerão no espaço de uma geração. Línguas como o Ogham, o Iaki, o Chamicaro. Depois, ficaremos todos mais iguais, mais parecidos uns aos outros. E mais pobres, ainda mais pobres. Como aquela "mulher que era a única falante de uma língua. Gravaram-na a falar. E ela, quando ouviu a sua voz gravada, começou a falar com o gravador." (uma aluna portuguesa, apresentando oralmente, numa aula de Português, um trabalho de investigação sobre as línguas e a sua importância).

O que significa isto? Que língua é esta?

Cinefilia 14 (ou dos malefícios do Jazz)

Se um dia o Tom Cruise for ao teu Clube de Jazz e te fizer uma pergunta sobre Miles Davis vê, por favor, se acertas com total exactidão na resposta.

(Colateral, de Michael Mann (2004). Com Tom Cruise, Jamie Foxx, Jada Pinkett Smith, Mark Ruffalo, Peter Berg. 27.03.06, no Premium).

Herberto Helder, como se falasse de j.

"O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor."

(in Poesia Toda).

27.3.06

A rota (evitar ler em voz alta)

"Portugal passará a estar na rota das grandes exposições internacionais"

Isabel Pires de Lima, ministra da Cultura (?), entrevistada por uma aguerrida Fátima Campos Ferreira, esta noite na RTP1, depois de prometer também "um choque tecnológico para a Cultura" e "aproximar a Cultura das pessoas".

Sentido Possível

"Se me disser qual é o sentido da vida, eu logo lhe digo qual é o sentido da arte"

Manoel de Oliveira, 97 anos, esta noite na RTP1, a uma gongórica Fátima Campos Ferreira que o bombardeou com perguntas sobre a morte, eventualmente na expectativa de que esta seja a (famosa) última entrevista.

Sófocles, em Tebas

"ANTÍGONA
Nasci para retribuir o amor, não o ódio."
(Antígona, tradução de Fernando Melro)

A Sombra de William Shakespeare

"LEAR
Há por acaso alguém que me conheça aqui? Este homem que aqui está não é Lear? É porventura Lear que marcha assim? que fala assim? Onde estão os seus olhos? Com certeza a sua inteligência enfraqueceu; as suas faculdades de discernimento paralisaram! Estará ele acordado? Não, não está. Quem me poderá dizer quem sou?
BOBO
És a sombra de Lear."
(Rei Lear, tradução de Domingos Ramos)

Prémios Jornal da Noite do Dia (de hoje)

- Prémio Temos os Desempregados, Doentes Crónicos e Candidatos à Aposentação Mais Upload do Hemisfério Norte do Dia:

"Desemprego, doença, reforma. Subsídios podem ser pedidos pela Internet."
(Teleponto de Bronze).
«»
- Prémio Há uma Diferença Significativa entre Ensinar e Saber Fazer do Dia:

"Em Santarém. Burlões enganam professores reformados."
(Teleponto de Prata).
«»
- Prémio Vai um Tirinho aos Pratos? do Dia:
"Há um milhão de armas registadas em Portugal, o que corresponde a 10% da população."
(Teleponto de Ouro).
(Jornal da Noite, SIC)

Sisters! brothers! small Boats of Fire Are Falling from the Sky!



a ouvir A Silver Mt. Zion ... amigo K, principalmente tu és capaz de gostar desta banda ... eu acho-a muito boa ... principalmente este tema: Sisters! brothers! small Boats of Fire Are Falling from the Sky!


Sin City

Sin City.
Frank Miller.
Gótico. Gothic City.
Negro. Violento. Muito.
Preto e branco ... quase.
4 estórias.
Para quem gosta da Marvel ou acha alguma piada ...
Vale a pena ser visto.

26.3.06

Cinefilia 13

Abel Ferrara, O funeral (1996). Com Christopher Walken, Benicio del Toro, Vincent Galo, Chris Penn, Isabella Rosselini, Annabela Sciorra, Paul Hipp. Um filme católico sobre a Família e a culpa; a loucura e a ausência do Pai; a vingança e a indiferença de Deus. Eis Ghouly (Paul Hipp) e Johnny Tempio (Vincent Gallo):

Ghouly: "Sabes qual é o teu problema? Lês demasiados livros! Porcaria de livros a mais! Dão-te a volta ao miolo.
Johnny: É essa a tragédia americana. Precisamos de algo que nos distraia. Tudo o que temos são livros. E talvez a rádio e o cinema. Mantêm-nos vivos. Eu acho que a vida é insípida sem o cinema, não achas?
Ghouly: Eu acho que vais para o Inferno por falares assim!"

Um filme sobre a solidão, a nossa grande solidão.

"- Chez, Chez, dá-me o revólver.
- E vivia sem os meus irmãos!?
Buuum."

Prémio Hot Lines do Dia

"Telemóveis podem explodir" (notícia do Jornal de Domingo da SIC, hoje).

(Man)Obras na Costa

De acordo com informações, mais ou menos fiáveis, da Senhora K., o mar avançou 1 cm. em média, sobre a terra, nos últimos 500 anos. Os especialistas calculam, segundo a mesma fonte, que nos próximos 100 anos o avanço das águas será de 5 cm. O mar imita-nos na nossa ânsia de sermos mais altos, mais rápidos, mais fortes? Chama-se a isto erosão galopante?
Fomos ver (e ouvir) o Mar da Costa. E vimos gruas, vedações metálicas, buracos e muita poeira. O homem tenta remediar os males que fez / faz (olhem aquelas torres de apartamentos e apart-hoteis a esconder a arriba!) à casa natural na qual vive e respira: constrói, com pedra pesada - arrancada onde? - e betão, uma muralha que procura calar a linguagem do mar. Fomos ver e ouvir o mar. E vimos e ouvimos. E o mar estava, ao mesmo tempo, cansado e zangado. Ou, pelo menos, parecia.

O Processo, segundo K.

No dia 26 de Março de 1994, por volta das 12 horas (faz hoje 12 anos!), na Conservatória do Registo Civil Local, K. assinou o contrato oficial de casamento civil com a, a partir desse momento, Senhora K. Dadas as idiossincrasias e as condições de funcionamento da Justiça Portuguesa, O Processo continua a decorrer sem fim à vista.

Laura

Gene Tierney, "Laura" 1944
IMDB

Prémio Eu Também Não Seria Uma Pessoa Mentalmente Sã Se Fosse Neto de Um Ditador Do Dia (de ontem)

"É melhor ser fascista que maricas" (Alessandra Mussolini sobre "Vladimir Luxuria, travesti, comunista e futuro deputado", in Público, 25.03.06)

Colisão

Colisão, hoje, 21:30 cinema Charlot em Setúbal, 3 euros.
Alguém quer ir ver? Eu e a P. vamos.
Se quiserem digam qq coisa,
Ab.

Cinefilia 12

Laura Hunt. Mark McPherson. Waldo Lydecker. Shelby Carpenter. E Bessie...

Da primeira Morte de Laura (apenas alguns exemplos):

"É fácil ter sentimentos a 50 cêntimos a palavra."

"Não sou amável, sou odioso. É essa a razão do meu encanto."

"É melhor ter cuidado ou ainda acaba no manicómio. E eles nunca devem ter tido um paciente apaixonado por um cadáver."

"- O que quer saber? / - O que todos queremos saber. Quem matou Laura Hunt?"

"- Vou chamar a Polícia. / - Eu sou a Polícia."

Da Segunda Morte de Laura (alguns exemplos mais):

"O que eu quero é resolver o mistério. Quem foi assassinado e quem foi o assassino."

"Não se pode confiar em tipa nenhuma."

"Alguma vez viste um fantasma pedir ovos?"

"Preciso de autorização da Polícia para beijar a minha noiva?"

"Não queres desmaiar outra vez? Foi a única vez que te vi calado."

"Não, nunca matei. Mas sou capaz."

"Estava 99% seguro de si. Mas precisava de eliminar o 1% restante."

"Sou tão culpada como ele. Não pelo que fiz, mas pelo que não fiz."

"O amor é mais forte do que a vida..."

"Waldo, já roubaste uma vida. Não é suficiente?"

"Adeus, Laura. Adeus, meu amor..."

in Laura, produzido e realizado por Otto Preminger. Com Gene Tierney, Dana Andrews, Clifton Webb, Vincent Price, Judith Anderson. Em 1944. Nos Estados Unidos da América.

Dos benefícios do tabaco 3

Laura e Shelby cruzando fumos na noite em Laura, de Otto Preminger.

Ooops, menos uma hora? Ladrões!

25.3.06

Cinefilia 11

Viver é arriscar. Aos 20, ou aos 38/39. Escolher, ou ser escolhido. Deixar, ou não. Por isso, entre as Mulheres Perfeitas de Stepford (apesar da Kidman, apesar de Christopher Walken; hoje, 22h., Premium) e a Laura, de Preminger, escolho a imperfeição do preto e branco de 1944 (na 2:, 23h.). Porque a vida não é a cores.

Does God's light guide us or blind us?

7 de 11.
México.
Muito, mas muito forte ...
Até agora o melhor de todos ...
e tb já vi o do Sean Penn ...

K. said... (ou melhor, cita, e pede esclarecimento)

K. cita um comentário de j. (reproduzido na íntegra para maior comodidade de Leitores e "alguma eventual Leitora") sobre o post de K. intitulado "K. said... (ou melhor, recusa traduzir, indignado)":
"Um delírio, um delírio, este post. Mas, acrescente-se com uma pontinha de enviesamento sexista: por que carga de água é que a companhia será "(feminina desejavelmente)"? Quer K. arredar do blog alguma eventual Leitora, que aprecie carnes um pouco mais rijas? Meu caro K., não lhe parece perigoso começar a matar, à nascença, a possibilidade de sermos lidos, consultados, quiçá digitalizados por senhoras, senhoritas e meninas?"
Obviamente, K. não deseja reduzir a sua intervenção neste blogue a produzir comentários sobre os comentários de j. No entanto, em nome da sua honra e dignidade de "contributor" desta ponte e suas entradas, K. sente o dever de se referir ao citado comentário, não para o comentar (e muito há a comentar!), mas para pedir ao seu ilustre autor um necessário, nos tempos que correm, esclarecimento. A saber: quando o meu querido amigo, acerca de matéria tão séria como aquela que aqui tratamos, decide terminar o seu comentário com uma tripla enumeração, cujo elemento final é, passo a re-citar, "meninas", fá-lo em sentido metafórico ou literal? Se metafórico for o caso, K. está preparado para desenvolver todos os pontos da sua contra-argumentação, agora mesmo suspendida por falta do seu, afável amigo, esclarecimento; porém, se a palavra "meninas" tiver sido incluída no seu comentário, concluindo-o, em sentido literal, deve então o meu amigo definir, previamente, os limites etários a que se está a referir. É que K. está aberto a discutir, comentar e abordar tudo o que diga respeito à maravilhosa criação de Deus que é a Mulher (e, muito especialmente, a Mulher Leitora!). Mas K. não pretende correr o risco de ser processado por utilizar linguagem considerada chocante para menores! Por isso K. pede que o esclareça; ou melhor, que nos esclareça, caro amigo! Dito isto, dando tempo ao tempo, K. vai ver o Benfica. E, como é hábito, sofrerá até ao último segundo do jogo. Sozinho na sala. Sem a desejável companhia de senhoras, senhoritas ou meninas.

DADOS PARA UMA AVALIAÇÃO OBJECTIVA DA PRODUTIVIDADE NACIONAL (fornecidos por K. sobre o dia agora a meio)

Tipologia do apartamento: T4.
Limpeza do pó & outras sujidades: 60 minutos.
Aspiração de poeiras & outras sujidades: 35 minutos.
Jornais comprados na Papelaria do Senhor R.: 2.
Jornais folheados à pressa durante o almoço: 2.
Jornais lidos: 0.
Conversas breves e consequentes com a Senhora K.: mais ou menos 7.
Portefólios de alunos lidos e avaliados (devolver na próxima semana): 11.
Testes de alunos por corrigir: 11.
Turmas com a avaliação deste período praticamente concluída: 3.
Turmas com a avaliação deste período não concluída: 2.
Posts próprios: 2 (incluindo este).
Poemas: 0.

Prémio Jim Thorpe do Dia

"As tarefas domésticas são mais simples e rápidas quando são feitas por outra pessoa" (in Revista Xis / Público, hoje)

Dobradiça

Não volto a juntar letras em palavras que não espreitem
numa janela uma porta.

Meus amigos ...

Meus amigos, a minha menor participação no nosso Blog deve-se ao facto de eu estar a trabalhar numas capas para uns livros juvenis a editar por uma editora portuguesa. Como tenho de apresentar um esboço na segunda feira estou a aproveitar a luz do dia ... Continuo a gostar muito de vocês ... apesar de por vezes não parecer. Abraço x 2.

Ora, hora!

Na próxima madrugada, temos menos uma hora de sono. Mas, e o ganho, ó senhores, ó primaveris damas?

Cordão Humano

Esta luta parece-me justa. Já a expressão cordão humano dá muito que pensar. Por exemplo, em Donatien Alphonse François. Estaria ele de acordo com a nova infraestrutura para a outra banda?



Inéditos

K. ficou muito bem no retrato. Mas, confesso, gostei mais da versão do mais novo. Notem o brilho dos olhos, perscrutando caminhos para os pequenos Y. e W.

20 anos




Aos dezoito anos, como se escolhe um caminho? Como somos escolhidos? 20 anos depois, jantar no Instituto Superior Técnico, com perto de 30 sobreviventes. Comida sofrível, vinho de sofrer e um comentário de um companheiro, depois da sobremesa: agora somos a geração que está no poder ou perto disso. Para o melhor e para o pior, não é?

Perto dos quarenta, o que se escolhe?

K. said... (ou melhor, recusa traduzir, indignado)

j. coloca K. perante um grave problema de tradução no seu comentário ao post anterior a este, levantando, intencionalmente, ou não (não é essa a questão!), a difícil ou problemática relação entre a letra e o espírito do que se diz, ou escreve. Num golpe, digamos a verdade, traiçoeiro, embora maquilhado de desprendido comentário sobre peãs, malinhas e quejandas, j. confronta K. com essa tremenda e absolutamente impronunciável palavra que é, nem mais, nem menos, notem: kosmestikadressen (reparem no arrastamento das sibilantes, pura serpente feita de quatro ssss; e na utilização dos dois kk, espécie de duplo murro no estômago, primeiro com a esquerda, logo a seguir com a direita). Ora, embora K. traduza muito (e alguns dizem que bem!), a verdade é que o seu alemão não chega para tanto. E j. sabe-o! Mas finge que não sabe! Por isso, K. não aceita traduzir, ou melhor, recusa traduzir, e opta por fornecer ao Leitor, Merecedor de Todo o Respeito, não uma, não duas, mas três opções de tradução da malfadada, tremenda, absolutamente impronunciável palavra. Assim, segundo K., kosmestikadressen poderá significar apenas: opção a) endereço cosmético; opção b) endereço cósmico; opção c) endereço cómico. O Leitor, Merecedor de Todo o Respeito, que escolha a que melhor lhe convier de acordo com a sua disposição, a situação e a companhia (feminina, desejavelmente). "Tradução traição é que não!", diz K. E parece, de facto, realmente, sem dúvida, indignado.

24.3.06

K. said... (ou melhor, resmungou, mas baixinho)

"A praga de K.(s) que atacou este blogue tinha que dar nisto! Nestas confusões de Geografia, nestes atentados à Toponímia! Vê-se logo que são rapazes do Sul: trocam os Bês pelos Pês! Não distinguem uma surda de uma sonora! Cambada!" (E seguiu, remoendo, dobrado para a frente, sem olhar sequer para as duas belas eslavas - ucranianas? moldavas? talvez checas? ou eslovacas? - que com ele se cruzaram na passadeira para peões). (tradução do alemão pelo próprio K.)

K. said...

"Vejamos, caro amigo, houve com certeza um engano, um equívoco, um mal-entendido. Coisa comum quando se conversa, as palavras estão sempre a traír-nos, já para não falarmos das letras (como a letra K., como o meu amigo bem sabe). Em suma, indo ao que interessa: não é Praga, cidade que, de resto, não conheço, mas sim Braga, a do Minho, a nossa, com suas igrejas barrocas, mais o seu Bom Jesus! É dela, e apenas dela, creia querido amigo, que eu falo. Ou, para ser mais exacto, falei!" (tradução do próprio K.)

capa de K em praga

k.

Prémio Rio Sul Shopping do Dia

"Ai, estou esvaídinha das ideias! Isto é muito bonito! Fazia muita falta uma coisa assim..." (uma consumidora anónima, ao telemóvel, rodeada de uma multidão de outros consumidores anónimos, no local do crime).

No comments

Pois. Serão ru(s)gas de expressão?

Comments ...

Não sei se repararam mas alguns comentários não aparecem publicados e outros desapareceram ...

Infância (de relance)

A flauta do amolador serpenteia pela rua. Um gato suspende o salto. Uma fisga. O gato conclui o salto, com elegância. A rua segue a flauta. Fica pousada a fisga.

Alguém tinha de pôr a questão da liberdade de expressão

Será Franz Kafka o K.(apa) da literatura?

Será Frank Zappa o K.(appa) da música?

Será Robert Cappa o K.(appa) da fotografia?

Será Kappa a K.(appa) das marcas de produtos de desporto?

Haverá neste blogue espaço para as perguntas idiotas de K.?

Retrospectiva



(dedo sobre grito)

4 de 11 perspectivas ...

L, já vi 4 ... e achei muito interessante. Gostei do paralelo das chaminés das fábricas de tijolo com as Twin Towers e da estória da francesa muda ... a ver vamos ... o resto ...

23.3.06

DADOS PARA UMA AVALIAÇÃO OBJECTIVA DA PRODUTIVIDADE NACIONAL (fornecidos por K. sobre o dia agora no fim)

Km. percorridos (em viatura própria): mais ou menos 10.
Aulas dadas: 6.
Aulas não dadas: 1 (motivo: falta inexplicada dos alunos).
Testes entregues aos alunos e corrigidos em aula: 21.
Conversas breves e inconsequentes com colegas na Sala de Professores: mais ou menos 7.
Posts próprios: 8 (incluindo este).
Comentários a posts de pb: 1.
Comentários a posts de j: 3.
Comentários a posts de Lp: 2.
Poemas: 0.

sem título 8



(lápis de cera)

sem título 7



(aguarela)

Dos malefícios da literatura (segundo K., numa versão de 2005)

A leitura era um ritual que avançava por fases. Primeiro, procurava os textos, ou estes vinham ao seu encontro, como por acaso. Encontrava-os em bibliotecas públicas, em casas de amigos ou, o que era mais raro, em alfarrabistas, com os quais negociava horas a fio até alcançar o preço justo para ambas as partes. Organizada a antologia, era tempo de colocar todos esses textos em recipiente adequado. Depois, pegava-lhes fogo, e deixava que este fizesse o seu trabalho até não restar mais que cinza negra do que fora tinta e papel. De seguida, com um cilindro apropriado, esmagava as cinzas até se converterem num pó tão fino que era forçoso fechar portas e janelas não se desse o caso de alguma corrente de ar, por mínima que fosse, o espalhasse como poeira celeste. Por fim, com recurso a algumas gotas de limão, uma colher, um isqueiro, garrote e seringa, injectava o produto nas veias. O prazer da leitura revelava-se tão maravilhoso como imediato. E era sempre diverso. Fechava os olhos para o gozar, corpo e espírito completamente eriçados. Nesses instantes, tensos, intransmissíveis, as imagens corriam misturadas com o seu sangue quente. E era vulgar encontrá-lo nas ruas a dançar convulsamente enquanto dos seus lábios, tomados pela alucinação, jorravam as elegias perfeitas de certos clássicos ou os parágrafos encantatórios de alguns contemporâneos, aparentemente destinados a esse fim. No entanto, concluída a leitura, a ressaca era tremenda. O retorno à realidade causava-lhe dores terríveis, facto que confirma, uma vez mais, que viver a vida é bem pior do que imaginá-la em palavras.

Dos benefícios do tabaco 2

K. lembra-se dos seus encontros com j. e pb há muitos anos. E dos ingredientes dos mesmos: cafés & cigarros; sonhos & cigarros; desenhos & cigarros; poemas & cigarros; histórias & cigarros; amores & cigarros; dissidências & cigarros. Bebidos, vividos, cravados, partilhados, fumados até ao fim. Minúsculas centelhas no escuro. Castelos de fumo no ar. Espirais. Fundações.

Dos benefícios do tabaco 1

Belmondo em O Acossado de Godard.

O inferno são os outros (Sartre)

Ponto comum entre fumadores, ex-fumadores e não-fumadores: não suportam o fumo dos cigarros dos outros.

De Quimigal ao canto da boca

"Um cigarro contém, por exemplo:
acetona (removedor de esmalte)
terebentina (dilui tinta de óleo)
formol (conservante de cadáver)
amónio (desinfectante para pisos, azulejos e wc's)
naftalina (eficiente mata-baratas)
fósforo P4/P6 (usado em veneno para ratos)"

(De um trabalho em curso.)

Nota: claro que são quantidades ínfimas. Só fazem efeito ao fim de alguns anos.

... Ainda as árvores (e os pássaros)

Ainda as árvores (e os pássaros)

“Fernando Gil queria um cemitério no campo onde se ouvissem os pássaros” conta a mulher do filósofo ao Público, explicando o que o levou a querer ser enterrado em Osse-en-Aspe, pequena aldeia “em frente dos Pirinéus, perto da torrente, no meio das árvores”.
Eu, que já me decidi pela cremação, sinto-me tentado a mudar a última vontade: sempre gostei de receber bem os meus amigos.

sem título 6



(met@l e m@deira)

sem título 5



(quase sem palavras sobre fotografia)

Ocidente / Oriente

K. debruça-se sobre o mapa: "Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!" (Cesário Verde, "O Sentimento dum Ocidental", 1880).

Feminino / Masculino

K. gosta da palavra kapa. Mas detesta a palavra kapo.

e o J?

Com quatro letrinhas apenas se escreve a letra K.

Kapa.

22.3.06

Pensando bem, afinal ainda há espaço para a Filosofia

Alunos de K. preparam-se para o teste de Introdução à Filosofia, rindo e repetindo alto uns para os outros: "O sujeito sai de si. O sujeito está fora de si. O sujeito volta a si." Pergunta de K. "O que é que estão p'raí a dizer?" Resposta, quase em coro: "São as etapas do processo do conhecimento." E continuam: "Não há sujeito sem objecto, nem objecto sem sujeito." Perante tal demonstração de sabedoria, K. remete-se ao silêncio. Mas fica a pensar se se encontra na categoria dos sujeitos ou na dos objectos. Ou será em ambas? Ou em nenhuma? Não se atreve a fazer tais perguntas aos seus alunos. Afinal, K. é o Professor. O Professor K., disso não há dúvida. O Sujeito do Suposto Saber. Não o Objecto da Suposta Desconfiança. Ou da Provável Troça. Para não falar da Ironia Socrática.

Se

K. reflecte sobre a velha questão aristoteliana da tragédia (da literatura) e da história (deixa de lado, por falta de espaço, a filosofia). Ou seja, a estafada mas sempre pertinente oposição entre o campo do possível e o campo do factual; entre o que poderia ter acontecido e o que efectivamente aconteceu. K. vê-se empurrado para esta reflexão por força do real, quer dizer, porque sofre de dor de cotovelo: neste momento, Porto e Sporting disputam um lugar na Final da Taça de Portugal em futebol. Este jogo não lhe interessa absolutamente nada, visto que o Benfica já não se encontra em prova. Mas, se o Vitória de Guimarães tivesse saído derrotado do jogo dos quartos-de-final no novo Estádio da Luz e, por consequência lógica, o Benfica jogasse amanhã em Setúbal, K. estaria, de certeza, em frente ao televisor, desejoso de conhecer, em primeira mão e em directo, o previsível adversário do seu clube do coração (isto, se este conseguisse ultrapassar o Vitória de Setúbal, "vingando" a derrota no Jamor, na época transacta). Como nada disto é do campo do factual, K. escapa para o campo do possível, mas com regresso à história: nesta medida, se o possível fosse o factual, nenhum dos três ou quatro últimos posts de K. teriam sido escritos e aqui apresentados. E K. poderia dizer como Garrett: "Eu sacrifico às musas de Homero, não às de Heródoto: e quem sabe, por fim, em qual dos dois altares arde o fogo da melhor verdade."

Pai & filho

K., à falta de papel próprio, utiliza o bloco de papel do filho como blog(o).

The Ice Storm (Ang Lee, 1997)

Constróis a tua casa de pedra e betão
como uma muralha
Com a tua casa de pedra e betão
ficas protegido da tempestade de gelo

e dos ventos ciclónicos dos outros
da chuva de agulhas do trabalho da cólera
Mas quem vai proteger-te
da pedra? e do betão?

Quando é com palavras

Quando é com palavras
que carregas o revólver
a bala sai pela culatra
sempre direita ao coração.

Sim. fui eu ...

Trabalho com a letra K.

K. escuta, de novo, Computer Love dos Kraftwerk (versão Balanescu Quartet) enquanto lê Karl Kraus: "Só é artista aquele que é capaz de transformar a solução num enigma."(O Apocalipse Estável, versão António Sousa Ribeiro).

Ainda outros nomes & assinaturas

K. de King (Lear). K. de (Martin Luther) King. K. de (B.B.) King. Mas não de King (Crimson) ou de (Burguer) King.

Para acabar de vez com a inocência (nove variações em K.)

K. de Krieg. K. de Konzentrationslager. K. de Ku Klux Klan. K. de KGB (Komitet Gossoudarstevennoi Bezopannosti). K. de Kolyma. K. de Kalashnikov. K. de Kim (II Sung). K. de (Ruhollah Musawi) Khomeini. K. de (to) kill.

Sem título possível

Abaixo os post cinéfilos?

... depois vim para o calor da nossa sala ...

fui ver os pássaros ...

Para acabar de vez com a inocência (fim)

Oito lições restantes:

- "A racionalidade não nos salvará"

- "Existe algo para além de si próprio"

- "Maximizar a eficiência"

- "A proporcionalidade deve servir de directriz na guerra"

- "Obter dados"

- "A crença e a visão costumam estar erradas"

- "Esteja preparado para rever o seu raciocínio"

- "Para fazer o Bem talvez seja preciso fazer o Mal"

Campo de aplicação: Cuba / Vietname.

Contexto: Guerra Fria / Guerra Quente (anos 60 / 70)

Docente: Robert S. McNamara, Secretário da Defesa de J. Kennedy e L. Johnson, in Testemunhos de Guerra / The Fog of War, de Errol Morris (segunda à noite, no Lusomundo Gallery)

Nota de rodapé: este também não é um post cinéfilo.

Mais nomes & assinaturas (acompanhados com fruta)

K. (Harvey) Keitel. K. de (Paul) Klee. K. de Nastassja Kinski. K. de Kiwi. Mas não de (Herbert von) Karajan ou de Klaus Kinski.

sem título 1 (#b)



(pastel digital sobre retrato)

21.3.06

sem título 1 (#a)



(manipulação de sombras)

Outros nomes & assinaturas

K. de (Elia) Kazan. K. de (Stanley) Kubrick. K. de (Buster) Keaton. Mas não de (Calvin) Klein ou de King Kong.

Brincadeiras de crianças

Observando os seus filhos a brincarem com os seus carros telecomandados, carregando nos botões de avançar e recuar, da esquerda e da direita, K. pensa como, de certo modo, o seu texto é também um brinquedo que ele telecomanda com as teclas dos caracteres. Assim, o texto avança ou recua, vira à esquerda ou à direita, seguindo numa certa direcção. No entanto, ao contrário dos brinquedos dos filhos, que são arrumados e ficam parados e silenciosos durante toda a noite, todas as noites, o texto de K., depois de escrito, agarra com unhas e dentes o seu próprio volante, engrena as suas próprias mudanças e ganha o seu próprio comando, não obedecendo a ninguém. Nem a K. que o julga ter escrito, nem ao eventual, previsível ou imprevisível, leitor que o leia. É então que K. coloca uma questão a si próprio: em caso de acidente (atropelamento, choque frontal, capotamento...), será ele o responsável? Sim, ele sabe que é o culpado. Não é necessário um novo processo. É o culpado. Ainda que, até ao momento, a sua única multa por infracção ao código da estrada tenha sido provocada por um banal mau estacionamento. Há muitos anos. Bem longe daqui. Numa cidade que não conhecia. E a que não voltou mais.

Para acabar de vez com a inocência

Primeira de onze lições:

- "Criar empatia com o inimigo"
(...)

Décima e Décima Primeira de onze lições:

- "Nunca dizer nunca"

- "Não se pode mudar a natureza humana"

Lição Suplementar:

- "Nunca responder à questão"

Docente: Robert Strange McNamara, Secretário da Defesa de John Kennedy e Lyndon Johnson, in Testemunhos de Guerra / The Fog of War, de Errol Morris (ontem à noite, no Lusomundo Gallery).

Nota de rodapé: este não é um post cinéfilo!

How strange innocence

"Blogger Problem"

"Blogger Problem


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Culpa

Festa na aldeia ...

sem título 4



São jardins! Lugares de paisagem contra
natura onde a natureza é feita
de palavras - riachos, pontes, patos, aves
várias que adornam a imaginação. (...)

Fernando Luís Sampaio

(poema sobre piscadela de olho)

2006 ...

Não uma, mas duas, SIM! Duas Frida Kahlo!

Frida Kahlo, Le due frida ...

Prova de estafetas

Como se estivesse numa prova de estafetas, K. corre o mais depressa que consegue na pista tartã. O estádio está completamente cheio. Mas K. não vê, nem ouve nada. Corre. O seu único pensamento é: "corre!" E, assim, K. corre. Obedece ao seu pensamento. Ao único que tem. Na mão direita leva o testemunho. E corre, corre, corre. E continua a correr, pois não há ninguém que venha receber o testemunho, nem há meta. Por isso K. continua a correr. E corre. Continua a correr, mesmo agora, depois de o seu único pensamento o ter abandonado para sempre.

Nomes & assinaturas

K. de Karl (Marx). K. de Kurt (Cobain). K. de (Imre) Kertész. Mas não de (Immanuel) Kant ou de (Frida) Khalo.

Doenças provocadas pela água matam uma criança a cada 15 segundos


As doenças provocadas pela água provocam a morte de uma criança a cada 15 segundos, diz a UNICEF. A directora executiva desta instituição diz que as crianças são as principais vítimas num mundo sem condições de higiene.
in TSF online, 06/03/21

Tenho dito ...

Febre

As palavras, como chumbo quente,
agarram-me ao écran.

Agenda: café e duche. Sair
com as palavras a dançarem nos olhos.

Dizes, talvez, Primavera.

David Mourão-Ferreira

A sábia Criança
é quase feroz
Mas quanto mais canta
mais morre de fome

Manuel Gusmão

Tudo parece ter outra vez começado.

In and out

Se a alma é mais real
Que o mundo exterior, como tu, filósofo, dizes,
Para que é que o mundo exterior me foi dado como tipo
[da realidade?


Alberto Caeiro

Carlos de Oliveira

Colagem
com versos de Desnos, Maiakovski e Rilke

Palavras,
sereis apenas mitos
semelhantes ao mirto
dos mortos?
Sim,
conheço
a força das palavras,
menos que nada,
menos que pétalas pisadas
num salão de baile,
e no entanto
se eu chamasse
quem dentre os homens me ouviria
sem palavras?

Camilo Pessanha

Eu vi a luz em um país perdido.

Luís Miguel Nava

O mar, no seu lugar pôr um relâmpago.

sem título 3

An apple a day keeps the doctor away.
Dia Mundial disto e daquilo
Oliveira
Carvalho
Gingko Biloba
Dragoeiro
Laranjeira banda sonora: “Sentimental Journey” Ella Fitzgerald, 1947
& um poema de Mário Cesariny na rádio:

“no  país  no  país  no  país  onde  os  homens 
são só até ao joelho
e o joelho que bom é só até à ilharga
conto os meus dias tangerinas brancas
e vejo a noite Cadillac obsceno
a rondar os meus dias tangerinas brancas
para um passeio na estrada Cadillac obsceno(...)

(técnica mista)


Veeeeeeeeeeeeeeeera!

O paraíso é exctamente como

K. escuta Laurie Anderson enquanto corrige testes de alunos. As palavras amontoam-se à frente dos seus olhos. Em vários tons de azul ou preto. K. sente-se sufocar. São sufocantes, as palavras. Significa que sufocam. É nesse momento que K. sonha, de olhos abertos, com a página em branco. Essa página é a sua salvação. Então K. olha em frente e vê a página em branco. Mas essa página é ainda mais sufocante que as palavras. Sufoca, essa página. É a sufocante página em branco. Vazia. K. desvia os olhos dessa página e volta às respostas dos seus alunos. As caligrafias azuis e pretas, de súbito, tornam-se legíveis. Laurie Anderson diz:

Paradise is exactly like
Where you are right now
Only much much better.
E estas são as últimas palavras da canção. Mas as últimas palavras não existem. Sim: a linguagem é um virus. Ou um vício?

Búuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu! ... Eco?

Que silêncio! De palavras?

K. nota que Alguém nos deu as Vozes, e as Línguas, e as Palavras. Mas nota também que nessa dádiva há uma espécie de condenação: Alguém fez desaparecer o silêncio. Alguém que precisa de nos ouvir? Alguém que se escuta em nós, através de nós? Com todas as Vozes, e Línguas, e Palavras - Alguém ainda escuta? Como falar? E como escutar? É em silêncio que K. regista estas palavras: um silêncio impossível, pois ouvem-se os ruídos longínquos de um carro que atravessa a noite, muito ao fundo, ou a toada mínima da fonte de alimentação do computador, bem perto de si. Os seus dedos carregam nas teclas negras e K. ouve essa espécie de música que acompanha a escrita, que é a escrita. Assim, no silêncio, K. descobre a sua vocação de pianista.

20.3.06

ROMA / AMOR

Tito Pulo aos pulos com Cleópatra: vibrações do corpo...

Que silêncio de palavras ...

Vibrações do corpo ...

Chuva

sem título 2




(fotografia)

Match point!

19.3.06

O avô (ainda a tempo deste dia)

O meu avô José, pai do meu pai José, faria hoje 100 anos. Já escrevi sobre ele, noutro lugar, a propósito de um outro avô.

Escrevi:
"O meu tinha uma mercearia, com uma faca no balcão para cortar bacalhau - um adereço quase cinematográfico, juntamente com o alçapão para a cave. Lembro-me que, nesse tempo, quando o visitava na loja, daquelas com medidas de madeira para feijão, grão e Cª, o avô cheirava a mistérios embrulhados em cartuchos de papel. E havia rebuçados e "folhas de alface", como chamava às notas de 20 paus. E as mãos fortes do avô. Lembro-me, pois."

Mil imagens

Diz que “a vida indocumentada não merece ser vivida”. É que “se tiver que escolher entre olhar uma coisa e fotografá-la, prefere fotografá-la” escreve Alexandra Prado Coelho na Pública de hoje, permitindo-nos redescobrir um dos nossos emigrantes de luxo e, ao mesmo tempo, lançando uma pista para uma boa conversa. Agora, Jorge Colombo “está fascinado com filmes de um minuto”. Vale a pena espreitar.

O meu Dia do Pai

E depois pegamos em espadas e enfrentamos o que for preciso, juntos, não é? Como naquele postal que enviaste de Espanha, um dia, há muitos anos, durante aquela viagem que costumas recordar. Um homem, a cavalo, com uma armadura e uma lança e outro, mais pequeno e gorducho, a pé, puxando um jumento. Combinamos assim: tu vigias a encosta poente e eu a nascente, de acordo?

Match point, 21:30, aqui ...

Match point, 21:30, aqui ...

Dia do Pai (fim) ou

Quase no fim do Dia do Pai, K. relê certos parágrafos da Carta ao Pai, texto privado tornado público sem que Kafka o tenha expressamente autorizado. E K. recorda o que diz Kundera sobre esse texto e sobre Max Brod, o Grande Amigo Editor kafkiano:

"ele (Brod) publica tudo, sem discernimento; até mesmo essa longa e dolorosa carta achada numa gaveta, carta que Kafka nunca se decidira a mandar ao pai e que, graças a Brod, à excepção do seu destinatário, quem quer (que) fosse doravante poderia ler." (in Os Testamentos Traídos, p. 239, tradução de Miguel Serras Pereira).

Nesta sequência, à mente de K. assoma outra lembrança, a de que o polaco nascido Josef Konrad Korzeniowski será mais tarde o inglês que assinará Joseph Conrad, autor de O Coração das Trevas, a narrativa que inspirará Coppola em Apocalypse Now: "- O horror! O horror!". As penúltimas palavras de Kurtz.

Foi assim que K. ficou obcecado com a letra K.

Foram à procura do sol ...

Foram à procura do sol ...

Justificação

Para mim tem sido mais fácil ... tenho ido ao baú buscar coisas empoeiradas por vinte anos de rodeladas dos ponteiros dos relógios ... mas a minha ideia é começar a fazer desenhos novos ... não sei se consigo ... serão desenhos novos ... ou de novo "os desenhos"? ...

Relógio(s)

Desenhos & fotografias

Primeiro olhou os desenhos, depois as fotografias. E reparou que, passados mais de vinte anos, estavam todos mais ou menos na mesma, ainda que as rugas fossem, sem dúvida, mais fundas, tracejando a pele. Cada um tinha a sua casa, o seu tempo, a sua distância. Mas alguém abriu uma porta, acertou o relógio e começou a atravessar campos e montanhas. Agora, neste momento.

Cinefilia 10

O meu post anterior não tem um ponto final, que será este. Sobre Jarhead/Cabeça de vidro desejo sublinhar ainda as referências cinéfilas óbvias feitas a Apocalypse Now e a O caçador, ambas em registo paródico, obsceno e satírico. Harold Bloom fala, nestes casos, de ansiedade da influência: necessidade de matar os pais para que aquele que chegou depois possa afirmar a sua voz própria. Por isso o protesto do fuzileiro que reclama contra o facto de, em plena Primeira Guerra do Iraque, se ouvir ainda a música que se ouvia durante a Guerra do Vietname. Ferida não cicratizada na carne americana? Sem dúvida. Mas "todas as guerras têm a sua própria banda sonora".

Cinefilia 9

Volto a Jarhead/Cabeça de jarro para dar o devido valor ao processo sistemático de desvendamento/ocultamento de situações vividas pelos dois fuzileiros protagonistas: as portas que se fecham, depois de terem sido entreabertas, sobre a concepção e as relações familiares da personagem Anthony S. - lamento, mas não consigo lembrar com exactidão o seu "strange name" - ou o segredo de Troy sobre a sua vida criminal anterior. Consequência deste processo: a dúvida do espectador sobre o que Anthony terá visto/feito, na sequência da auto-estrada da morte, depois de se ter afastado do pelotão sob pretexto fisiológico - a resposta dada ao sargento de que "ali não há nada" é correlata das portas que ele nos fecha sobre o seu passado no início do filme. Veja-se a esta luz a imagem final da janela que se tranforma em ecrã e que mostra que o deserto já não está lá fora, mas bem dentro da personagem. De nós? Há coisas que nunca saberemos sobre nós próprios

Dia do Pai 2 (versão do filho mais velho)

Dia do Pai 1 (versão do filho mais novo)

Imperfeito do Indicativo

Perguntava-me para que servia aquilo. Respondia que ajudava a encontrar alguma serenidade. Ou exactamente o oposto.


“A Srª Saeki fitou as suas mãos pousadas na secretária, depois levantou os olhos para Nakata.
- As recordações são aquilo que nos aquece a alma. Mas também despedaçam o nosso coração.
Nakata abanou a cabeça.
- Essa é das difíceis. Nakata não compreende o que são recordações. A única coisa que compreende é o tempo presente.
- Comigo passa-se exactamente o contrário – disse a Srª Saeki”

Kafka à beira-mar, Haruki Murakami

sem título 1




(fotografia)

Cinefilia 8

Mão à palmatória: em Jarhead/Cabeça de frasco ninguém aparentemente põe as botifarras em solo iraquiano (apenas no Kuwait); e trata-se de fuzileiros. O Troy de Peter Sarsggard é mais intrigante que o sniper de Jake G. E Sam Mendes volta ao bom cinema depois do infeliz O Caminho Para a Perdição (desculpa, pb). Melhor sequência para mim: noite de insónia na rectaguarda do private Anthony S., música desligada dos Nirvana, caminhada no escuro da camarata e pesadelo em frente ao espelho a vomitar toda a areia do deserto que se alojou no interior de si (estranho e inquietante como o banho de rosas em Beleza Americana: onde havia uma banheira, há agora um lavatório). Um filme onde um cavalo vagueia no deserto, coberto de petróleo. E arfa como um homem perdido. Um filme que começa com Bobby McFerrin (Don't worry, be happy - remember? 1988). E termina com uma janela a dar para o deserto americano.

18.3.06

Violência

A sombra dentro do homem. Um passado que explode no coração de uma família. Uma bela líder de claque. Uma arma. Uma bofetada. A multiplicação da suspeita. O contágio da violência. O difícil equilíbrio da repulsa feita desejo. Um nome ou talvez dois. O Bem ou talvez o Mal ou talvez o Bem ou talvez

Mudar De Vida (Música De Fundo) - Carlos Paredes

O sexo em silêncio

As folhas, molhadas, dos coentros. As mãos ao nariz: um perfume vegetal. Uma fina fatia de limão, dois dedos de gin e água tónica. A penúltima cena de Munique, cinéfilo? “O sexo mostra o que levamos dentro” – Santiago Rocagliolo no Mil Folhas do Público de hoje, a propósito do livro “Pudor”. As nuvens carregadas desaguaram, ainda a tempo de um azulão, salpicado de estrelas. A casa em silêncio.

It’s the end of the world as you know it, pb?

Windows já corre em computadores Apple.

E la nave va ...

Cinefilia 7

Hoje à noite, em vez de Sylvia, com Gwyneth Paltrow e Daniel Craig na 2:, Máquina Zero de Sam Mendes, com Jake Gyllenhaal, num écrã perdido dos subúrbios. Em vez da relação gato-e-rato de Plath e Hughes, as botas poeirentas da infantaria americana no Iraque. Espero acertar na escolha, pois o filme de Christine Jeffs tem uma desvantagem enorme em relação ao de Mendes: tendo por substância a vida de Sylvia Plath, não apresenta, por imposição dos detentores dos direitos da sua poesia, nem um dos seus versos. Por exemplo este, em tradução de Maria de Lourdes Guimarães:

"Pior / ainda que esta canção de enlouquecer / é o vosso silêncio."
("Worse / Even than your maddening / Song, your silence.")

E versos como estes fazem alguma diferença.

Cinefilia 6

Banda sonora assombrosa: Neil Young, para Homem Morto de Jim Jarmush. Johnny Depp é o "stupid white man" salvo pelo Índio que o insulta e sabe de cor versos de William Blake, nome da personagem (do contabilista) do próprio Depp. Homem ferido a caminhar para o rio do desaparecimento, Blake é o guia cego que nos leva pela mão, encontrando, pelo caminho, entre outros, Iggy Pop a fazer de Sally. Não podendo apresentar-vos aqui os sons agrestes e espasmódicos da guitarra eléctrica de Young, recito o Blake poeta e pintor (1757-1827), em tradução de João Ferreira Duarte:

"He whose faces gives no light, shall never become a star."
("Aquele cujo rosto não irradia luz nunca se transformará em estrela").

Talvez isto possa servir, também, de homenagem à pintura e aos desenhos de Mário Botas.

Nascimento

Cinefilia 5

A banda sonora de Em Nome do Pai inclui uma das canções mais emocionantes de Bono, que tem passado os últimos anos a compor e a cantar em nome do pai. O meu tem a antiga 4ª classe e foi operário siderúrgico até se reformar. Por causa dele sou do Benfica. Por causa dele tenho votado PC sem ser comunista. Ontem foi Dia do Pai. Hoje é Dia do Pai. Amanhã será Dia do Pai.

3 Doces e não se fala mais nisso

As moças lá apareceram, 3. Uma estava ausente, a viver no estrangeiro. Estão diferentes. Estamos todos, não é?

Estou a sentir-me um pouco Abrupto, diria mesmo Pacheco Pereira, em noite eleitoral, de portátil no colinho, a inserir pequenas notas de rodapé.

17.3.06

Churrasco

Última Hora: os Trabalhadores do Comércio (lembram-se?) acabam de estrear (estreia mundial, atenção!) uma nova canção: "Febras de Sábado à Noite". Juro. Os Irmãos Catita que se cuidem.

Doce da Avó

A RTP1 está a mostrar a Febre de Sábado de Manhã, ao vivo, em directo do Porto. Há pouco, esteve o Zé Cid a cantar um medley. Para daqui a pouco, estão anunciadas as Doce (!). Estamos em 2006. Os espectadores, na plateia, estão sentados - alguns em pé - em cadeiras brancas, de plástico. Eu gosto do Júlio Isidro. Nunca falei com ele mas parece um bom gajo. Não gosto muito de cadeiras de plástico brancas. Vamos lá ver as Doce mas duvido.

Cinefilia 4

Penúltima cena de Munique: os assassinatos dos atletas israelitas e a morte em combate dos sequestradores palestinianos no aeroporto em relação íntinseca (íntima) com a vida sexual e amorosa de Avner e da sua mulher. Por que razões não deixo de recordar estas imagens? E porquê, sobretudo, os rostos dele e dela?

Cinefilia 3

Comer Beber Homem Mulher, de Ang Lee. Num cineasta tão minucioso, só se compreende que o microfone suspenso e visível, em aparente descuido técnico, sobre a personagem da filha do meio numa das cenas de Hospital sirva para revelar que aquela é a filha mais imperfeita, a menos acabada das três. Pelo que, no meio, não está a virtude, mas o gozo da indeterminação de começar tudo de novo. Como se fosse possível.

Cinefilia 2

Num dos episódios de Querido Diário, Nanni Moretti apresenta-nos a personagem do intelectual que, depois de conhecer os baixos prazeres da televisão, lhe fica fatalmente agarrado. Aquele que olha o abismo sente-se impelido a cair.

Ordem do dia & caos Nocturno (jpb)

Temos de pôr ordem na coisa ...

asas

Apeteceu-me

apeteceu-me transformar o aspecto do Bló. Para ficar mais parecido com papel de carta e menos digital ... para facilitar a entrada de L. nestas coisas ...

Kind of Blue

(11'33") Tocou duas vezes, a faixa quatro, digo
à justa para chegar a casa, atravessando a cidade, quase rio de luzes rastejantes.
Miles atacou o primeiro cruzamento aos 21 segundos,
sobre textura de
sopros e vassouras e um leve tamborilar de piano e por aí fora.

Já sei que não gostas lá-sol-fá-si muito de jazz mas juro-te que
hoje foi a banda sonora ideal.

Cinefilia 1

Não vi "Garganta Funda", mas já vi "Dentro da Garganta Funda". Sinal dos tempos: não fiquei com vontade de conhecer o "original".
... e cá vim eu ... dar a uma das entradas da ponte ... bela vista para o rio ... lembram-se?
L ... tens de passar por aqui ... abx2

16.3.06

As primeiras pedras

Com que primeira linha se descose esta deriva? Apetece correr, a plenos pulmões, largar tudo num voo de pássaro rouco, pairar sobre este vale fundo, inventar-lhe uma banda sonora, colorir-lhe as margens. Deixo aqui estas primeiras palavras - eram aquelas que me cabiam nas mãos, como se fossem as primeiras pedras de uma ponte.