21.3.06
Brincadeiras de crianças
Observando os seus filhos a brincarem com os seus carros telecomandados, carregando nos botões de avançar e recuar, da esquerda e da direita, K. pensa como, de certo modo, o seu texto é também um brinquedo que ele telecomanda com as teclas dos caracteres. Assim, o texto avança ou recua, vira à esquerda ou à direita, seguindo numa certa direcção. No entanto, ao contrário dos brinquedos dos filhos, que são arrumados e ficam parados e silenciosos durante toda a noite, todas as noites, o texto de K., depois de escrito, agarra com unhas e dentes o seu próprio volante, engrena as suas próprias mudanças e ganha o seu próprio comando, não obedecendo a ninguém. Nem a K. que o julga ter escrito, nem ao eventual, previsível ou imprevisível, leitor que o leia. É então que K. coloca uma questão a si próprio: em caso de acidente (atropelamento, choque frontal, capotamento...), será ele o responsável? Sim, ele sabe que é o culpado. Não é necessário um novo processo. É o culpado. Ainda que, até ao momento, a sua única multa por infracção ao código da estrada tenha sido provocada por um banal mau estacionamento. Há muitos anos. Bem longe daqui. Numa cidade que não conhecia. E a que não voltou mais.
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