Taxista de Lisboa. Através do espelho retrovisor, daqueles panorâmicos, espreita-me com uns óculos escuros, também panorâmicos, aros dourados em curva, segurando lentes verdes que acompanham as maçãs do rosto ossudo, rematado por uma cabeleira branca, muito escovada para trás. “Eles andam mesmo na caça à multa, já reparou?” Noto a fila de carros encostados à berma, alguns metros depois do óbvio carro azul escuro, solitário, com uma espécie de homem-estátua lá dentro. Quando mete uma mudança, faísca o cachuco no dedo mindinho. “Outro dia um advogado que eu transportei (transporto muitos, sabe?) disse-me que, se as pessoas estivessem informadas, não pagavam e até podiam apresentar queixa”. Ai sim? “Sim senhor! Eu até tenho para aí o cartão, se quiser posso tentar encontrá-lo, quer dizer, tenho imensos cartões de advogados mas é uma questão de ir telefonando, até acertar no que me deu esta dica, está a ver?” Entre cada mudança, com o faiscante cachuco e uma volta no gordo volante, agita o corpo franzino no banco e volta a espreitar-me por detrás dos óculos escuros panorâmicos, espelhados no panorâmico retrovisor. Tem vestido um fato de treino branco, acetinado. “A questão é que devia estar uma placa, no início da avenida, a dizer velocidade controlada por radar!” Na bolsa das costas do banco do lugar do morto estão algumas revistas, uma de automóveis, outra do Correio da Manhã e uma feminina, o serviço completo. Mais uma guinada no volante, um estremecimento do cetim de treino, cachuco, óculos, espelho. “Não é a nossa lei, percebe? É a lei da Europa, foi o que me disse o advogado, aí onde o senhor vai”. Viro-me para trás, ainda a tempo de ver uma sucessão de luzes de stop, indicando que alguns condutores deram pelo suspeito carro azul na berma. “Mas também só cai quem quer, os tipos são tão estúpidos que páram ali o carro, naquele sítio, e ainda por cima azul!”
29.3.06
Caderneta de Cromos
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2 comentários:
q cromo ...
É uma caderneta aberta. Não me digam que não conhecem nenhum cromo...
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