30.3.06
K. vai ao Shopping (1º episódio)
Com uma tarde livre, K. decide dedicar-se a conhecer o renovado Centro Comercial da sua zona. Ou, como se diz na campanha publicitária – coisa à séria, com encarte na 1ª página do Público -, K. vai ao Shopping. Carro arrumado num piso inferior, cinzento e húmido como qualquer cave do género, tapete rolante a rolar e, de súbito, a Luz. K. vê-se mergulhado, à superfície (piso 0), no admirável mundo novo das cores plásticas, das lojas de marca, do rumor serpenteante da multidão que desliza nos corredores. Esta é a Luz que invade todos os cantos destes espaços iguais em todo o lado. K. sabe que é assim porque, como português suburbano vulgar, conhece um bom lote, plausivelmente representativo, destes exemplares da arquitectura de massas tão em voga nos dias que nos couberam viver. E é toda uma lição de geografia sobre a área da Grande Lisboa: os da capital, os primeiros de todos (Amoreiras, Colombo...), mas também os da Margem Sul (Alcochete, Almada...), para além dos chamados outlets a norte (Carregado) e a sul (Montijo) do Tejo. Mas, agora, K. está no seu território, bem no centro do Rio Sul Shopping. E K. olha à sua volta: se o look e organização do espaço nada trazem de novo, já a fauna humana apresenta alguma originalidade. Não aparentam ser muito abastadas, estas pessoas. Mas parecem realmente encantadas com a novidade. Circulam ruidosamente, conversam alto, comentam as montras. E, facto relevante, há uma riqueza étnica que entra pelos olhos e ouvidos dentro. Claro, a maioria é dos portugueses, “os de olhos castanhos” como diz o poeta; mas anda por ali muita gente de muitos mundos – africanos, brasileiros, eslavos... E há-de haver aqui algum benefício. Uma forma de entendimento, de encontro, entre brancos mais ou menos escuros, ciganos, negros, todos mais ou menos ricos (?), ou pobres. Mas todos no mesmo espaço, no mesmo momento, em convívio directo ou indirecto. Uma espécie de tapete humano que se faz de diferentes linhas e malhas, cruzadas, entrecruzadas, de cores diferentes, mas vivas. E, de repente, K. parece assistir à transformação de um banal centro comercial num verdadeiro centro cultural (multicultural), onde fervilham pessoas, histórias, línguas. É então que K. pára para reflectir: isto está mesmo a acontecer à frente dos seus olhos? Ou é tudo efeito da sua imaginação? Uma alucinação provocada pela Luz fortíssima? Pelo ruído dos passos e das pessoas? K. tem de se sentar um pouco para organizar as ideias e o olhar, antes de prosseguir. Senta-se num banco com a forma de bote, um dos muitos elementos náuticos que enfeitam os corredores e cantos do renovado Rio Sul Shopping. E, por agora, K. ficará sentado. (Continua)
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