31.12.06
E o Bush?
Completamente triste o espectaculo oferecido pelas televisões de todo o mundo ... as imagens imediatamente antes do enforcamento ... longe me mim insinuar que o Saddam era um santinho ... não o era e merecia ter sido julgado e punido com decência e não a mando dos pseudo polícias do Universo ... Quando é que o "Bush Laden" será também julgado pelos crimes praticados em nome do dEUS petróleo?????
Já devem ter visto mas coloco aqui a caricatura do André Carrilho para a edição de hoje do DN ... Bom Ano Novo e mais decência ... é o que desejo ...
Não me peças
um balanço do ano, por exemplo, nem sequer um balanço de coisa alguma. escrevo apenas o indizível - deixo em branco a página e estes dias de balancetes. não me peças isso nem o seu contrário, que estão esgotadas as agendas de capa preta e folhas brancas, que é uma forma comercial de te dizer que estão esgotados os dias e as semanas e os meses e o ano e há ainda um vazio no prego do calendário. (...) não é exactamente um vazio: balança, no lugar do tempo, o desejo, entristecendo.
Este poema
Eu não procuro nada em ti,
nem a mim próprio, é algo em ti
que procura algo em ti
no labirinto dos meus pensamentos.
Eu estou entre ti e ti,
a minha vida, os meus sentidos
(principalmente os meus sentidos)
toldam de sombras o teu rosto.
O meu rosto não reflecte a tua imagem,
o meu silêncio não te deixa falar,
o meu corpo não deixa que se juntem
as partes dispersas de ti em mim.
Eu sou talvez
aquele que procuras,
e as minhas dúvidas a tua voz
chamando do fundo do meu coração.
Manuel António Pina
29.12.06
28.12.06
Fiquei sem computador pq uns "artolas" (por enquanto não vou dizer o nome da empresa) em tempos mexeram no mac e não aparafusaram como deve ser os dissipadores que fazem o arrefecimento dos processadores e um deles pura e simplesmente ARDEU e queimou a Santa Placa Mãe :-) ... deixo uma foto do Mac esventrado ... o dissipador é aquela estrutura metalica às tirinhas ...
26.12.06
O Problema do Natal (3)
Esta noite
Esboço a palavra que apago, molhando a ponta do dedo na língua (mordendo as mãos?). Numa BD, seria um balão
25.12.06
Esta manhã
Há, neste amanhecer, um silêncio feito de cobertores puxados por cima da cabeça, aconchegando sonhos e abraços ternos.
24.12.06
Ainda o Natal
Contar as horas para mais uma composta explosão da família nuclear, enquanto este frio de prumo morde o corpo. Dizer: para o ano serei intensamente feliz. E acreditar nisso como na realidade de uma mão cheia de pinhões. Decorar uma árvore, da raíz aos ramos mais altos, e saber dizê-la em todas as estações, como um poema favorito, que vai ganhando flores e frutos e, às vezes, perdendo folhas, na agitação jardineira do poeta.
Com(tra) a Letra de Fernando Assis Pacheco
"Fala-se de amor para falar de muitas
coisas que entretanto nos sucedem.
Para falar do tempo, para falar do mundo
usamos o vocabulário preciso
que nos dá o amor.
Eu amo-te. Quer dizer: eu conheço melhor
as estradas que servem o meu território.
Quer dizer: eu estou mais acordado,
não me enredo nas silvas, não me enredo,
não me prendo nos cardos, não me prendo.
Quer também dizer: amar-te-ei
cada dia mais, estarei cada dia
mais acordado. Porque este amor não pára.
E para falar da morte; da enorme
definitiva irremediável morte,
do carro tombado na valeta
sacudindo uma última vez (fragilidade)
as rodas acendedoras de caminhos
- eu lembraria que o amor nos dá
uma forma difícil de coragem,
uma difícil, inteira possessão
de nós próprios, quando aveludada
a morte surge e nos reclama.
Porque eu amo-te, quer dizer, eu estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.
Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra."
O problema do Natal (2)
Lado a lado, no passeio, vão conversando:
- E então, conseguiste resolver o problema das prendas deles?
- Sim, já tratei disso. Vai tudo corrido a livros!
Desportos de Inverno
23.12.06
fazer nascimentos
"(...)
As coisas que não têm nome são mais pronunciadas
por crianças.
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos –
O verbo tem que pegar delírio.
(...)"
O problema do Natal
22.12.06
A voz das árvores
O cemitério é pequeno e novo, ainda com muita terra rasa, como alguns olhares que se cruzam. Tem uma árvore em cada canto. Enquanto o padre diz uma oração, olho essas árvores e recordo os sinais que Fernando Alves semeou na telefonia, no dia seguinte ao telefonema que encheu de tristeza a nossa casa das notícias. Lembrava ele “a voz que entrelaça notícias, como se dissesse árvores, árvores apenas, sem adornos”. Quatro árvores, uma em cada canto, e um estúpido buraco no chão. Daí a pouco, outra vez, o arrepio da terra na madeira, engolindo, definitivamente, aquela “voz doce que entrelaça notícias, enquanto se faz ave para longe, para o absurdo longe”.
2006
21.12.06
20.12.06
O serão do escritor
Agarrou a palavra madeira e esculpiu-lhe o rosto de outra palavra. Lentamente, surgiram os contornos, as curvas, as rugas, as imprecisões de sentido. De seguida, escolheu uma pedra e continuou o labor. Com o ferro quente, moldou mais um verbo, para temperar a acção. As mãos, molhadas, mergulharam depois na palavra barro, inventando homens, mulheres, bichos extraordinários e outros nomes. Sobre a banca, foram-se acumulando farpas, lascas, estilhaços, alguma lama e uma indecifrável poeira, a que se juntariam mais tarde algumas gotas de sangue. Já de madrugada, com os dedos entrapados, imobilizou o pé na roda, pousou o cinzel, o escopro e o martelo, dando por terminada mais uma história.
Deadwood: Wild Bill Hickok / James Butler Hickok (1837-1876)
James Butler Hickok was born in Troy Grove, Illinois, on May 27, 1837, and was shot dead in a saloon in Deadwood, Dakota Territory, on August 2, 1876. Famous for his lethal gun skills, as well as his professional gambling, he was a U.S. town marshal who unsuccessfully tried show business for a while after he got fired from his marshal job for shooting more than just bad guys.
19.12.06
leio, é como quem escuta
e não escutes os pássaros nem mesmo o mar
não oiças sequer o vento se soprar
ouve o tempo passar escuta a sua voz
pois o tempo tem voz o tempo fala"
(...)
Ruy Belo, Um Dia Uma Vida
18.12.06
17.12.06
escrevo, é como quem diz
o rosto transpira uma luminosidade sonolenta, cansada, mas doce
Como aquelas fotos, esbatidas, que parecem tiradas de um sonho? Sim, mas essas não transmitem calor a esta palma da mão.
digo que me sinto a esgotar-te a alegria dos dias
Espremes o limão, com um pouco de manteiga, sobre as finas tiras de carne, que a falta de apetite vai deixar quase intactas. Comento que é tradicional. Corto uma lasca de peru recheado, numa paródia triste à época festiva.
Com golpes de asa, recordamos as guloseimas da infância. Num frame, vislumbro a promessa da serenidade; noutro, o esboço de uma despedida.
Há, em cada gole, um desejo de viagem mas as mãos, num inquieto repouso, anunciam que a neve encerrou todos os caminhos. Procuras lembrar-te do nome daquele que, se bem me lembro, te fez tombar as pálpebras, de prazer.
Diria assim: uma fina neblina, uma poeira do mar que não vimos juntos, prisioneiros da sombria quadrícula da cidade.
Pode ser o mais aprazível dos encontros ou um doloroso aperto no peito. Algum dia, talvez, o mais perfeito acorde, depois de mil canções trauteadas, ao volante, a caminho.
A tua lista das compras é um poema, como alguém já cantou. Por favor, digite o seu origami, pediria a empregada da caixa, intrigando a fila de idosos vizinhos, de porta-cêntimos em riste.
Realismo & Idealismo
A alma (americana) & a lama
Retrato de uma sombra com cortina
Estou nu e sei-o. (...)"
LFP, Tundra, 1988
15.12.06
Tom Waits, Road To Peace, Orphans Brawlers Bawlers & Bastards
He was the youngest of nine children, never spent a night away from home.
And his mother held his photograph, opening the New York Times
To see the killing has intensified along the road to peace
There was a tall, thin boy with a whispy moustache disguised as an orthodox Jew
On a crowded bus in Jerusalem, some had survived World War Two
And the thunderous explosion blew out windows 200 yards away
With more retribution and seventeen dead along the road to peace
Now at King George Ave and Jaffa Road passengers boarded bus 14a
In the aisle next to the driver Abdel Mahdi (Shahmay)
And the last thing that he said on earth is "God is great and God is good"
And he blew them all to kingdom come upon the road to peace
Now in response to this another kiss of death was visited upon
Yasser Taha, Israel says is an Hamas senior militant
And Israel sent four choppers in, flames engulfed, tears wide open
And it killed his wife and his three year old child leaving only blackened skeletons
It's found his toddlers bottle and a pair of small shoes and they waved them in front of the cameras
But Israel says they did not know that his wife and child were in the car
There are roadblocks everywhere and only suffering on TV
Neither side will ever give up their smallest right along the road to peace
Israel launched it's latest campaign against Hamas on Tuesday
Two days later Hamas shot back and killed five Israeli soldiers
So thousands dead and wounded on both sides most of them middle eastern civilians
They fill the children full of hate to fight an old man's war and die upon the road to peace
"And this is our land we will fight with all our force" say the Palastinians and the Jews
Each side will cut off the hand of anyone who tries to stop the resistance
If the right eye offends thee then you must pluck it out
And Mahmoud Abbas said Sharon had been lost out along the road to peace
Once Kissinger said "we have no friends, America only has interests"
Now our president wants to be seen as a hero and he's hungry for re-election
But Bush is reluctant to risk his future in the fear of his political failures
So he plays chess at his desk and poses for the press 10,000 miles from the road to peace
In the video that they found at the home of Abdel Mahdi (Shahmay)
He held a Kalashnikov rifle and he spoke with a voice like a boy
He was an excellent student, he studied so hard, it was as if he had a future
He told his mother that he had a test that day out along the road to peace
The fundamentalist killing on both sides is standing in the path of peace
But tell me why are we arming the Israeli army with guns and tanks and bullets?
And if God is great and God is good why can't he change the hearts of men?
Well maybe God himself is lost and needs help
Maybe God himself he needs all of our help
Maybe God himself is lost and needs help
He's out upon the road to peace
Well maybe God himself is lost and needs help
Maybe God himself he needs all of our help
And he's lost upon the road to peace
And he's lost upon the road to peace
Out upon the road to peace.
14.12.06
Madeira Viva
"A dor ou os danos não são o fim do mundo, nem o desespero ou as putas das tareias. O mundo acaba quando morremos. Até lá, ainda temos muito que sofrer. Aguente como um homem e riposte." Filosofia barata? Oiçam e vejam Al Swearengen/Ian McShane, o Tony Soprano de Deadwood, a dizer isto (e muitas outras coisas) e depois falamos... A melhor série western de sempre?
13.12.06
12.12.06
No corpo tenso
Horacio Ferrer, no programa TSF Pessoal e Transmissível de Carlos Vaz Marques
Pegar ao trabalho
Apetecia-me esculpir o silêncio mas reconheço que isso não daria para pagar a conta do supermercado.
10.12.06
Intimidade
Era de noite, disseste
um dia. Como quem estende uma corda de funambulismo, entre dois beijos.
"O que é que te comove?"
Cereja Japonesa
Escuta: marulhar, marulhar...
maré cheia.
9.12.06
Rugas de Expressão
Vento do norte. Sei, porque é assim oblíqua a chuva nesta janela. Uma guitarra. Uma voz. Uma, duas vezes. Um piano tacteado. Vento do norte. Céu de chumbo, não há outra maneira de o dizer. Engole o azul, acrescento, wireless. Outra voz, para o par. Pouco depois, o azul, pela janela salpicada de lágrimas. Dir-se-ia uma luta entre as sombras e o reflexo mais puro da luz. De que é feita a magia da música? pergunto, notando uma nova mancha de humidade na parede, por cima da janela da direita, mesmo em frente da pilha de jornais, tal e qual como antes do adeus.
we’ve still got time
rase your hopefull voice you have a choice
you’ve made it now
Um velho magro chega e despe o sobretudo, pendurando-o, com mil cuidados, num dos cabides do armário onde os clientes repousam os casacos e a casa guarda o encosto de cabeça para as barbas. Pega na vassoura. Um dos quatro homens das tesouras diz-lhe para se aplicar, para merecer as broas. Risos. Benfica, Sporting, o DN do dia, Caras antigas. A vassoura penteia o chão, em riscos pretos, castanhos, grisalhos. Junto à terceira cadeira, a contar da porta, algumas melenas brancas parecem penas de um pássaro ancestral, sábio. No final, um monte de cabelo. Quantas histórias? Quanto desespero? Quantos afagos?
8.12.06
Inverno
6.12.06
Downtown Train ... (9.9)
(Tom Waits 1985)
(para mim, talvez a melhor musica de Tom Waits)
Outside another yellow moon
Has punched a hole in the nighttime, yes
I climb through the window and down to the street
And I'm shining like a new dime
The downtown trains are full with all of those Brooklyn girls
They try so hard to break out of their little worlds
Well you wave your hand and they scatter like crows
They have nothing that will ever capture your heart
They're just thorns without the rose
Be careful of them in the dark
Oh, if I was the one you chose to be your only one
Oh baby can't you hear me now, can't you hear me now
Will I see you tonight on a downtown train
Every night it's just the same, you leave me lonely now
I know your window and I know it's late
I know your stairs and your doorway
I walk down your street and past your gate
I stand by the light at the four-way
You watch them as they fall, oh baby they all have heart attacks
They stay at the carnival, but they'll never win you back
Will I see you tonight on a downtown train
Where every night, every night it's just the same, oh baby
Will I see you tonight on a downtown train
All of my dreams they fall like rain, oh baby on a downtown train
Will I see you tonight on a downtown train
Where every night, every night it's just the same, oh baby
Will I see you tonight on a downtown train
All of my dreams just fall like rain, all on a downtown train
All on a downtown train, all on a downtown train
All on a downtown train, a downtown train
5.12.06
4.12.06
Linhas Tortas
O Homem Árvore Pássaro
Os operários do absurdo têm fatos castanhos de trabalho e botas sujas de lama. Erguem os braços, lançando as enxadas à terra molhada, arrastando-a dos montículos para a pequena vala. Os primeiros torrões sobre a madeira são como socos na boca do estômago. Algumas pessoas afastam-se, com lágrimas e rostos fechados.
Este homem permanece encostado ao tronco de uma árvore. Parece-me que pressiona o corpo contra a casca e carrega mais os sapatos no chão ensopado. Acredito que esteja a criar aqui algumas raízes, como já terá feito noutras despedidas. Sinto que, ainda assim, não vai perder as asas.
3.12.06
Azul
sms sem pontuação
1.12.06
30.11.06
Nick Cave & Bad Seeds, O Children, The Lyre Of Orpheus (Disc 2)
"O Children"
Pass me that lovely little gun
My dear, my darting one
The cleaners are coming, one by one
You don't even want to let them start
They are knocking now upon your door
They measure the room, they know the score
They're mopping up the butcher's floor
Of your broken little hearts
O children
Forgive us now for what we've done
It started out as a bit of fun
Here, take these before we run away
The keys to the gulag
O children
Lift up your voice, lift up your voice
Children
Rejoice, rejoice
Here comes Frank and poor old Jim
They're gathering round with all my friends
We're older now, the light is dim
And you are only just beginning
O children
We have the answer to all your fears
It's short, it's simple, it's crystal dear
It's round about, it's somewhere here
Lost amongst our winnings
O children
Lift up your voice, lift up your voice
Children
Rejoice, rejoice
The cleaners have done their job on you
They're hip to it, man, they're in the groove
They've hosed you down, you're good as new
They're lining up to inspect you
O children
Poor old Jim's white as a ghost
He's found the answer that was lost
We're all weeping now, weeping because
There ain't nothing we can do to protect you
O children
Lift up your voice, lift up your voice
Children
Rejoice, rejoice
Hey little train! We are all jumping on
The train that goes to the Kingdom
We're happy, Ma, we're having fun
And the train ain't even left the station
Hey, little train! Wait for me!
I once was blind but now
I see Have you left a seat for me?
Is that such a stretch of the imagination?
Hey little train! Wait for me!
I was held in chains but now I'm free
I'm hanging in there, don't you see
In this process of elimination
Hey little train! We are all jumping on
The train that goes to the Kingdom
We're happy, Ma, we're having fun
It's beyond my wildest expectation
Hey little train! We are all jumping on
The train that goes to the Kingdom
We're happy, Ma, we're having fun
And the train ain't even left the station
29.11.06
28.11.06
27.11.06
26.11.06
Dos abraços
Ela e outros dois passageiros do maldito voo foram colegas de curso de M. Ela era amiga do Quim, um amigo que ando para rever há muito. Mandei-lhe um abraço forte, por sms. Ele agradeceu. Sinto que não chega. Vou combinar um encontro,
Celta
Como descrever este estupor, este adensar do silêncio frio que enche a casa? Leio e não acredito. Envio alguns sms's e um email: "Não é justo! Nunca é justo mas... 34 anos, porra!?" Mal a conhecia - de raspão num jantar de aniversário de um amigo comum, o suficiente para simpatizar com ela; o gosto de a ler, no jornal e neste blogue e também neste, onde assinava com um nome carregado de música e aventura. Pouco mais mas que parece tanto, agora.
Leio, em silêncio, as palavras dos outros onde me faltam as minhas. Um café amargo, o choque e, sobretudo, a respiração dorida numa das casas que habitava.
E fico em silêncio, a pensar que importa não deixar de decifrar vidas, seguindo (também) o exemplo de Maria José Margarido.
22.11.06
19.11.06
Pequenos (grandes) Prazeres
18.11.06
apáginastantas
“O destino costuma estar ao virar da esquina. Como se fosse um gatuno, uma rameira ou um vendedor de lotaria: as suas três encarnações mais batidas. Mas o que não faz é visitas ao domicílio. É preciso ir atrás dele.”
16.11.06
Escolaridade Obrigatória
Canal Odisseia
Abro as portadas da janela da sala para um céu azul, com um novelo branco sobre a direita, e uns fiapos ao longe. No telhado em frente, uma corpulenta gaivota procura equilibrar-se nas anfíbias patas amarelas, escorregando pelas telhas húmidas, esverdeadas pelas águas deste outono. Puxa o pescoço para trás e desfere mais uma bicada no corpo inerte, quase no beiral. Mais acima, sobre as antenas e a chaminé, alguns pombos observam,
15.11.06
Natureza morta
Ariadne
Do rio chegam-me uivos de barcos cegos. Um carro pára, no meio da rua. Dois vultos descarregam caixas e sacos para uma porta. Quanto tempo demora uma mudança? O que é vital mudar de lugar com o corpo? Estou cansado. Volto a escutar Venus in Furs. Abro lentamente uma garrafa e provo um cálice. O que esperar ainda desta noite, escrevo, não propriamente como interrogação mas como desejo. O vinho parece chocolate com amoras... arrefece? Escreves: frio. Respondo: lá fora. Passaremos das metáforas, algum dia? – digito agora, como pura busca de um sentido. Mesmo tacteando pontos cardeais (pequenos arranhões, cicatrizes), não terá sido tudo a metáfora de um labirinto?
10.11.06
Do Retrato em Poesia Portuguesa 2
O'Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada...)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois o amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse...
(Alexandre O'Neill)
Do Retrato em Poesia Portuguesa 1
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão de altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno:
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades:
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
(Bocage)
9.11.06
8.11.06
7.11.06
grs/m2
Fica mais um pouco, sussurrou-lhe ela.
Ele ficou.
Pousou os dedos sobre a pele fina, de leve grão.
Aspirou-lhe o perfume, vegetal.
Ela agitou-se, pareceu-lhe.
Era
Uma floresta densa, recheada de sons animalescos, pássaros que pareciam suspiros ou suspiros mascarados de pássaros.
Um calor atravessou-lhe as têmporas.
Uma
Vez
6.11.06
2.11.06
X
Piso a orla do circo de feras, os braços cruzados, em x, Janis não há-de tardar, lembrando-nos que a madrugada não dissolveu verdadeiramente as fronteiras do tempo. Faço uma tangente ao desejo quando, num estranho coro, todos os semáforos da cidade disparam o vermelho.
30.10.06
As pequenas luzes
Pequenos Prazeres
Outono. O belo chuvisco das folhas lembra-nos que a seiva há-de trazer rebentos e outros deslumbramentos. Sento-me aqui, por instantes, na companhia das árvores e da flauta do vento, decifrando ensinamentos antigos.
29.10.06
O "Blogue"
Há um certo "desentusiasmo" ...
Eu pelo menos não ando nada entusiasmado com isto ...
24.10.06
Do You Remember?
22.10.06
Antes a Morte
21.10.06
14.10.06
13.10.06
11.10.06
Monóculo / Monólogo
10.10.06
Lentes, Modos de Usar
O Mundo Em Expansão
As Pessoas Conhecidas Que Encontramos Num Hospital
8.10.06
Comunidade de Leitores 3
"Da rua, Senhora."
"Às onze da noite, na rua?"
"A calçada não se derrete com o escuro."
"Ordinária. Cabra filha de cabra."
"E de cabrão, senhora."
Nuno Bragança, A noite e o riso (1969).
XIII: Teses Para Uma Teoria da Conspiração
Tears Transforming
As Mãos do Pai (uma imagem e mil palavras)
“ – Você está a ver, meu filho, tanta beleza! Quero nascer mais vezes.” Gostava de escrever assim. Uma fotografia, por exemplo. Uma crónica num jornal. José Eduardo Agualusa sabe que é no detalhe que está a grande expressão da humanidade. Hoje escreve na Pública novas Fronteiras Perdidas, no olhar de uma fotografia intensa de Yannis Kontos, que podemos ver no CCB, até ao próximo dia 22.
Escrita a Dias
C. diz que tem uma colega (uma amiga?) que gosta de ler alguns textos deste blogue. A informação surge (e perde-se?) entre o cação, a carne com brócolos e dois tragos de Duas Quintas – que magnífico repasto! – , misturada com notas cinéfilas e o aperitivo de uma polémica sobre os atentados que não nos largam a retina (olha, mais um golo!). Porque gostamos do que lemos? Porque escrevemos, em letra miúda – corpo 12, no dealbar da puberdade –, o que escrevemos?... notas pessoais, impressões de viagens, estados de alma e letras de canções... Acaso notará a leitora algumas vírgulas fora do lugar e uma certa pose no centro desta e daquela frase? Conspiramos um novo lugar secreto, ao abrigo de olhares indiscretos mas, na verdade, sabemos que gostamos de ser lidos e observados no desenho que esboçamos dos dias andados. Porque queremos partilhar algo, talvez nem sempre muito nítido. Uma mnemónica acrobática, talvez.
Almoço Volante
Na mesa do lado está um homem, quarentas e muitos, a almoçar com os pais. Discutem a ementa, a mãe escolhe espada grelhado, pai e filho optam por dividir um cozido. No meio da sala, uma família paga a conta e encaminha-se para um automóvel estacionado em segunda fila, mesmo frente à porta do restaurante. O homem da mesa do lado levanta-se e sai. Um minuto depois, um novo automóvel estaciona em frente da porta, em segunda fila. O condutor entra no restaurante e senta-se na mesa do lado, servindo-se de mais enchidos e batata.
7.10.06
Sónia
O que é o transe? Uma angústia, uma intermitência, uma suspensão, um pesadelo com as pálpebras puxadas para cima por dedos rapaces. O gelo.
Que língua é esta? Como te chamas? O Mal não tem tradução? Diz. Água? Dinheiro. Escapa, corre!
Vários homens e um cão a arfar. Um castigo. Para aprenderes a não fugir porque não és dona do teu corpo nem do teu destino. Um contentor. Ainda te lembras do teu nome? Sim. Talvez consigas escapar mas se calhar vais ter, para sempre, uma bola de espelhos a rodopiar dentro da tua cabeça.
“Tanto eu como a Ana Moreira sabiámos que estávamos a falar de uma coisa maior do que nós próprias”
Teresa Villaverde, realizadora de “Transe”, Expresso, 30 de Setembro 2006
6.10.06
Os gatos estão tristes ... e não só ... *
Hoje morreu o Gris.
O gato mais velho da R. e do P.
Era um gatão.
Foi de certeza para o Céu dos gatos.
Fiquei triste com a notícia ... recebia-a há poucos minutos ...
Morreu de manhã de paragem cardíaca ...
Tinha 13 anos ... nasceu a 25 de Abril de 1993 ...
* Este post foi actualizado hoje, dia 14 de Outubro de 2006 a pedido de R.R. que me pediu que colocasse antes uma foto do Gris.
5.10.06
3.10.06
Nova Terminologia Amorosa
- Tenho tido bué de problemas com ele... bué de chatices...
- Quanto melhor tratamos um damo, mais ele nos despreza!
(Novas palavras, leis ancestrais.)
2.10.06
Metamorfose (versão com penas)
1.10.06
Nova Terminologia Linguística
A Barriga de um Arquitecto
Os Manequins
Digestivo
Gosto deste restaurante do bairro, muito familiar. Ontem almoçei dourada com legumes. Hoje fui no cozido, apostando tudo nas couves, evitando repetir enchidos, resistindo à tentação de esvaziar o meio jarro do bom tinto da casa. É um daqueles sítios onde me sinto bem, quase em casa. Quando chego, os empregados saúdam-me, estendem a mão. “Como vai? Está sózinho?”. Que sim, pode ser na mesa junto à janela, inexplicavelmente tapada por um reposteiro. Espaço reservado, acolhedor. Telemóvel em silêncio, as gordas do jornal e logo a seguir a travessa, bem aviada. Olho em volta e descubro rostos conhecidos: famílias e amigos no ritual de almoçar fora, ao domingo. Saboreio. Quarenta minutos depois, paga a conta, recolho os pertences e dirigo-me para a porta. Um dos empregados despede-se e pergunta, com ar preocupado: “A esposa, está bem?”. Ainda com a boca-café respondo, surpreendendo-me, quase sem hesitar: “Está bem, tem andado por fora”. Familiar não quer dizer íntimo, não é?