9.12.06

Rugas de Expressão

Vento do norte. Sei, porque é assim oblíqua a chuva nesta janela. Uma guitarra. Uma voz. Uma, duas vezes. Um piano tacteado. Vento do norte. Céu de chumbo, não há outra maneira de o dizer. Engole o azul, acrescento, wireless. Outra voz, para o par. Pouco depois, o azul, pela janela salpicada de lágrimas. Dir-se-ia uma luta entre as sombras e o reflexo mais puro da luz. De que é feita a magia da música? pergunto, notando uma nova mancha de humidade na parede, por cima da janela da direita, mesmo em frente da pilha de jornais, tal e qual como antes do adeus.

take this sinking boat and point it home
we’ve still got time
rase yo
ur hopefull voice you have a choice
you’ve made it now

De manhã, no barbeiro.

Um velho magro chega e despe o sobretudo, pendurando-o, com mil cuidados, num dos cabides do armário onde os clientes repousam os casacos e a casa guarda o encosto de cabeça para as barbas. Pega na vassoura. Um dos quatro homens das tesouras diz-lhe para se aplicar, para merecer as broas. Risos. Benfica, Sporting, o DN do dia, Caras antigas. A vassoura penteia o chão, em riscos pretos, castanhos, grisalhos. Junto à terceira cadeira, a contar da porta, algumas melenas brancas parecem penas de um pássaro ancestral, sábio. No final, um monte de cabelo. Quantas histórias? Quanto desespero? Quantos afagos?

É a minha vez. O sr. Monteiro sorri-me, cúmplice, enquanto vira a almofada da cadeira, com a mesma destreza com que um barman rodopia uma garrafa de gim, antes do cocktail. O costume? Vejo que continua com a barba por fazer… Que sim. Para o ano talvez mude, confidencio-lhe. Acrescento: talvez troque a barba-a-dias por umas generosas patilhas, para emoldurar as rugas. Acena com a cabeça, discreto, e pega na máquina. Fecho os olhos e sinto o telemóvel a vibrar, no bolso da camisa, perto do coração.

2 comentários:

PB disse...

uí! :-)

tapete voador disse...

http://lifeandhealth.guardian.co.uk/fashion/story/0,,1970850,00.html