Primeira impressão: a ideia de fazer a lista. Interessante e desafiadora, a ideia. E a lista. Mas é curioso que, depois de a propores, pb, faças o seguinte comentário, a meio da sua elaboração: "Uma lista é uma lista... Top 10 sem preconceitos... apenas uma lista...". Comentário à proposta de Bergman surgir na lista, note-se. Interessante e desafiador, o comentário. Tal como o cineasta. Talvez, com Fellini (embora em sentido completamente diferente), o mais desafiador de todos os que surgem na lista.
Segunda impressão: uma lista não é só uma lista não é só uma lista. Pb: pensas mesmo que uma lista é "apenas uma lista"? Uma lista, quando resulta numa selecção de coisas (isto é, quando inclui ou exclui), é uma organização de determinados elementos da realidade. Escolhemos uns primeiro, depois outros. E deixamos de lado o resto. Porque escolheste abrir com Kubrick? Por causa da inicial K.? Nenhuma lista exclui os seus preconceitos (ou pré-conceitos), muito menos uma como aquela que elaborámos.
Terceira impressão: pensar não é intelectualizar, é pensar. Qual é o prazer de fazer uma lista como esta? Algumas respostas possíveis: falamos de coisas / pessoas (cinema, filmes) que apreciamos ou, arrisco a palavra, amamos de uma certa maneira; provocamos um pouco quem sabemos que vai receber as nossas escolhas (o muito restrito inner circle); pensamos nas escolhas que queremos fazer (eu, por exemplo, pensei em Godard num certo momento, mas achei que não, não devia... foi só um exemplo). Mas o prazer que suplanta estes primeiros prazeres é pensar, pensar mesmo, sem peneiras nem ares de intelectual foucaultiano. Porque pensar os filmes, os realizadores, ou outra coisa de que gostamos é parte do processo de construir o amor daquilo que gostamos. Por isso procuro pensar, contigo, convosco, aqui, agora.
Quarta impressão: porque escolhemos? como escolhemos? Escolhemos num certo momento, num certo período de tempo, com base nos nossos conhecimentos, nos nossos bancos de dados. Actuais. Só pode ser assim. Mas a nossa é uma lista quase consensual para qualquer indivíduo da nossa geração com educação e formação próximas das nossas. Seremos os sujeitos das nossas escolhas? Ou somos escolhidos pelas escolhas, e a nossa liberdade de escolher é determinada e limitada pelo gosto, um assunto, de facto, social e não subjectivo? Gostos não se discutem? Ou só os gostos se podem discutir?
Quinta impressão: americanos e europeus. Dados mais ou menos objectivos, interessantes, desafiadores. Pensáveis. Numa lista de 10 nomes, 7 (70%) são americanos (Hitch, apesar do british accent, ergueu nos EUA o principal da sua obra). Só Bergman, Fellini e Visconti escaparam. Nenhum francês (Truffaut, por exemplo); nenhum alemão (Fassbinder, por exemplo); nenhum russo (Tarkovsky, por exemplo). "Apenas uma lista"? Ou, sendo europeus, sonhamos com a América? W. Wenders dizia que a América tinha colonizado os seus sonhos ou desejos. Nada a dizer sobre isto?
Sexta impressão: americanos clássicos e americanos modernos. Ford e Hitchcock (americano à sua maneira, certo?) são os nomes do período clássico, uma espécie de pais do cinema de que nós gostamos. Enquanto Scorsese e Coppola podem ser vistos de certa maneira como os continuadores (com muitas aspas) de Ford (o sonho americano, o conflito masculino, a relação com o espaço, aberto ou fechado, etc), Allen pode ler-se à luz do mestre do suspense ou da culpabilidade (exemplo máximo disto: Match Point!). Eastwood é um homem de fronteira, oscilando entre a memória do western (Imperdoável, enormíssimo) e a tragédia moderna e urbana (Mystic River e Milion Dollar Baby): um "clássico vivo", como disseste, j. (Kubrick é um caso à parte; e, ao menos nisto, somos capazes de estar de acordo).
Sétima impressão: os europeus - ou morreram já ou mandaram dizer que tinham morrido. Visconti: morto, obra acabada. Fellini: morto, obra acabada. Bergman: vivo, considera a obra acabada, tendo abandonado o cinema (embora filme, entretanto). Porque não foi escolhido um vivinho da silva? Desconfiamos dos cineastas europeus que continuam no activo. Não gostamos deles por ainda estarem vivos? Coppola, Scorsese, Allen e Eastwood estão vivos e, pelo menos os três últimos, em grande forma. Não havia do lado de cá ninguém nas mesmas condições? Ou o problema é outro?
Oitava impressão: Kubrick, um caso à parte. Para mim, o problema é mesmo outro. E está bem visível em Kubrick, o K. desta lista. O realizador americano que teve que vir para a Europa fazer os filmes que queria e não conseguia (?) fazer na América. Que filmes? Os que quebram a expectativa do espectador; os que, embora não recusem contar uma história, a fragmentam, ou a complexificam ou chegam mesmo a destruí-la. Filmes como Shining, A Laranja Mecânica, 2001 - Uma Odisseia no Espaço ou De Olhos Bem Fechados. Filmes que obrigam o espectador a pensar o cinema. A ilusão e a realidade do cinema. E é isso que cria alguma da perturbação que o cinema de Kubrick nos provoca. Um cinema interessante, desafiador. Cujo interesse é (também) esse desafio.
Nona impressão: conta-me histórias (americanas). Talvez esta seja uma das razões da configuração desta nossa lista: enquanto a minoria europeia (Bergman e Felini; Visconti, um clássico com um lugar muito próprio) desconstrói ou problematiza radicalmente a noção de narrativa ou de possibilidade de identificação entre realidade e ficção (filme), os americanos, à excepção do K. referido, continuam a contar-nos histórias. E acreditar no poder e na força das histórias. Histórias de violência, de amor, de sucesso e fracasso, com mais ou menos moral, mas histórias. E isso, no fundo, é o que todos desejamos. Que nos contem histórias. Que nos encantem. Que nos façam sonhar (mesmo que sejam pesadelos como Apocalypse Now) o sonho americano.
Décima impressão: baralhar e dar de novo. Contem-me os vossos pensamentos. Ou pensem comigo as vossas histórias. "Uma impressão é apenas uma impressão... sem preconceitos... apenas uma impressão...".
4.4.06
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