21.4.06

Marian Anderson / Richard Avedon (imagem & sons)


Vê como eu respiro. Como embalo o som a partir dos pulmões, como o modulo na traqueia e na garganta, como o fricciono com a língua e os dentes, como o perfumo com os lábios acesos. E vê como o som, invisível, atravessa o ar, deixando à mostra as suas linhas geométricas, que se escondem nos cantos da fotografia. Observa esse som a escorrer como uma corrente líquida, o som dos meus cabelos tocados pelos dedos claros da brisa de Abril, os sons a preto e branco da minha pele contra o fundo rumoroso da ausência. Olha bem, fixa o teu olhar: só assim poderás aceder às imagens dentro da imagem, ao interior da imagem, isso que escapa e mostra a minha respiração, a sucção do assombro, o colar de contas largas e entrecruzadas que são as contas da minha e da tua vida, voltas e mais voltas para chegarmos sempre ao mesmo lugar, ao mesmo fim. Por isso cantamos, gritamos, falamos, murmuramos, e fotografamos a luz de um rosto, de uma cidade (New York City) no seu tempo que já não é o nosso, embora existam quase todos os prédios e arranha-céus, e as ruas tenham os mesmos nomes e números. Vê enquanto olhas: eu respiro, inspiro, aspiro a ser escutada no meu silêncio. Ouve, então, como eu abro agora os olhos e cerro os lábios. É esse o meu convite: abrir os olhos, fechar os lábios. Vê neles o teu silêncio através do meu, escuta o teu olhar através do meu, bem abertos. Eu oiço daqui esse olhar, e vejo daqui o teu silêncio. Eu respiro, eu sou esse olhar e esse silêncio. E tu respiras, enquanto olhas, em silêncio. E nada mais vou dizer. A tua respiração é tudo o que há para dizer, tudo o que foi dito, tudo o que mostra que tudo fica algures perdido por dizer.

1 comentário:

j disse...

Belo texto. Gosto deste jogo.