30.4.06

Viagem na Minha Terra

Eça escreve um romance de 700 páginas sobre isto: a choldra. Chama-lhe Os Maias, mas podia ser Os Portugueses. Antes dele e depois dele, muitas mais páginas sobre isto. São as raízes próximas ou longínquas de Um Pouco Mais Pequeno Que o Indiana, o filme incómodo de Blaufuks. Lembro aqui algumas dessas raízes; podia referir Gil Vicente ou Sá de Miranda, mas passo directamente a Camões: "(...) a pátria (...) que está metida / No gosto da cobiça e na rudeza / Dhua austera, apagada e vil tristeza." (Os Lusíadas, X, 145). Podia recordar Garrett e As Viagens na Minha Terra (Blaufuks é um continuador evidente do poeta romântico: a viagem como forma de reconhecimento do estado de decadência do país), Camilo ou António Nobre. Mas avanço directamente para Pessoa e para "Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer", no qual "Tudo é incerto e derradeiro. / Tudo é disperso, nada é inteiro. / Ó Portugal, hoje és nevoeiro... " (Mensagem, "Nevoeiro"). Sim, Portugal: questão que temos connosco mesmos, como disse O'Neill, "meu remorso de todos nós...": "ó Portugal, se fosses só três sílabas / de plástico, que era mais barato!" (Poesias Completas, p. 227). Mas, feliz ou infelizmente, não é apenas isso, três sílabas. É um país desejado, um país que parece que não gosta de nós, um país que parece que queremos destruir, destruindo-nos. Como disse Al Berto num belíssimo livro final, Horto de Incêndio: "desejaste um país de silêncio / de chuvas salgadas - sem caminhos nem sonhos // tiveste um país sombrio / onde a realidade devorou o delírio e / ficou desabitado - este país nocturno que geme / contra a solidão do corpo" (p. 43). Uma terra de assassinos, em que a arma do crime é a própria vítima. Assim o diz Joaquim Manuel Magalhães: "Assim armado o país. / As gentes em catástrofe deslocam-se, / deixam por testemunho o abandono e a inépcia. / Uma a uma, uma paisagem é trucidada. / Inchou a autarquias o país. / Atravessam-no a miséria e algum dinheiro / insolentes. Um assassino / espreita outro assassino." (Alta Noite Em Alta Fraga, p. 80). Perante isto, que fazer? Resistir, escrever, acreditar, lembrar a beleza que ainda há. E, apesar de tudo, contra tudo, amar este país até ao fim: "Portugal / gostava de te beijar muito apaixonadamente / na boca" (Jorge de Sousa Braga, in O Poeta Nu).

1 comentário:

j disse...

Lido assim, até tem valido a pena!