10.4.06
Poesia Falada
Há poetas que sabem escrever, mas não sabem falar. Escrevem criando espanto, angústia, alvoroço, ternura, entendimento, dúvida. Sobre vidas, experiências, coisas, nós. Mas não sabem falar. Gaguejam. Falham. O que dizem é vulgar, rotineiro. Desconcentram-se, perdem o fio. Por isso, muitos guardam para si a sua oralidade. Recusam entrevistas. Não aceitam conversar em público. Escusam-se a encontros com outros escritores. Limitam ao máximo as suas intervenções em espaço aberto. Vivem para escrever, escrevem para viver. De resto, preferem calar-se, defendem, com determinação, o direito ao silêncio.
É, por isso, espantosa (para mim) a entrevista dada pelo poeta brasileiro Carpinejar a Ana Marques Gastão e publicada no suplemento 6ª do Diário de Notícias da última 6ª-feira (7 de Abril). Em Lisboa, o poeta vem lançar a sua antologia de poesia Caixa de Sapatos, editada pela Quasi, e responde às perguntas da entrevistadora de forma assombrosa. É verdade: Carpinejar faz poesia falada, ou melhor, faz poesia falando, conversando, dialogando. Seria possível, parece-me, extrair poemas inteiros das suas respostas (e, quem sabe, talvez o poeta o venha a fazer...), tão expressivas elas são. Eis dois exemplos (com proposta de versificação minha; abusiva, claro, mas espero que desculpável, pois trata-se de mostrar o valor plástico das respostas do autor):
"(...)
Preparei uma caixa de sapatos com os meus poemas.
Meus versos são como cadarços de uma árvore.
Cadarços que foram balanços de alguma menina,
balanços de algum ouvido mais atento na janela.
Eu sou minhas ruínas.
Minhas ruínas têm telhado de ervas.
Não escolho o lugar, o lugar me escolhe.
Cresço em qualquer solo.
Especialmente na boca de um pássaro."
ou
"(...)
O poeta não é o que fala, mas o que escuta errado.
Ele escuta o batimento, não a voz.
Ele escuta o tombo, não o voo.
Ele escuta a alma das coisas antes do corpo sonoro.
A precipitação, não a consequência.
Eu exercito o anonimato. Eu me antecipo.
Não há como fazer o fogo recuar."
A entrevista está cheia de outros fragmentos do mesmo calibre. Melhor do que muitos escrevem e publicam em livro. Mas, sendo uma entrevista, não sei até que ponto Ana Marques Gastão, também ela poeta, será co-responsável pela qualidade do texto apresentado aos leitores do 6ª. De qualquer modo, trata-se de uma entrevista magnífica. Para ler. E reler. Que cria vontade de ver e ouvir o poeta, ao vivo e em directo. Passem, então, no dia 12 (próxima 4ª-feira), na FNAC do Chiado. Às 18.30. Se Carpinejar estiver inspirado haverá, de certeza, belos versos para dar as boas-vindas ao fim de tarde lisboeta.
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