9.4.06

"Palavras não existem"



Como é que começamos a gostar de poesia? Temos 13, 14 anos. Há dois canais televisivos, pouquíssimas horas de emissão. A preto e branco. Gostamos muito de ler (e lemos tudo o que aparece, o Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos de Alves Redol, os Esteiros de Soeiro Pereira Gomes, contos de Manuel da Fonseca, mas também livrinhos de palmo e meio com as incríveis histórias dos pioneiros e dos pistoleiros do oeste, aventuras do Tarzan ou do Major Alvega, as revistas de fotonovelas das primas mais velhas, etc, etc). Até que, um dia, o professor (da Ponte, lembram-se?) de Português nos lê e dá a ler um poema: "De tarde", Cesário. Ou, num outro dia, surgem nas nossas mãos, em casa de um primo vadio, alguns pequenos livros, brancos, lindíssimos, de uma editora desconhecida, de um poeta desconhecido: Limiar, Eugénio de Andrade. As mãos e os Frutos. Coração do Dia. Obscuro Domínio. Folheamos. Lemos. E a Beleza (dorida, melancólica, solar, vital) rapta-nos sem alarde. A nossa pequena existência começa a mudar, tudo começa a mudar. Descobrimos, incertamente, a poesia. E a poesia fica dentro de casa, passa, num certo sentido, a ser essa casa.

Mais tarde, alguns anos depois, ouvimos Mário Viegas a dizer poemas (de Almada, de Herberto...) e nunca mais esquecemos essa voz. É essa voz, desaparecida há dez anos, que regressa agora, por intermédio do Público, através de uma colecção de uma dúzia de CD's, acompanhados com o mesmo número de livros. Saiu já o número 1 (textos de, entre outros, Jorge de Sena, O'Neill, Manuel Alegre, Vinícius de Moraes, gravados em 1972) e, na próxima 3ª-feira, sairá o número 2 (com poemas de Daniel Filipe, Vinícius e Brecht, gravações de 1969 e 1973). Reservem já no quiosque mais próximo (ou, j., no mais fiável...). Fiquem então com um dos poemas do primeiro disco; e, não podendo escutar, imaginem Gastão Cruz por Mário Viegas:

Palavras não existem

fora da nossa voz as

palavras não assistem

palavras somos nós.

3 comentários:

j disse...

Quanto aos CDs, bem lembrado. Em relação ao quiosque, já pensei em mudar de fornecedor... mas ainda acredito que tudo não tenha passado de um imenso equívoco. No meu lugar, confrontavam o homem?

PB disse...

Eu sim ... perguntava-lhe como é que ele podia comparar a Visão com uma publicação de Extrema Direita?

j disse...

ei! respeitinho pelo herdeiro da coroa, pá! seus ímpios republicanos...