13.4.06

Os Mapas & o Território


Nos mapas predominam as cores únicas (uma porção de terra é igual a uma cor). Nos mapas as linhas demarcam, fazem fronteiras; os tracejados cortam fatias abstractas de território. Nos mapas os rios são linhas azuis. Nos mapas não há grupos de australianos a beber cerveja a horas de pequeno-almoço numa estação de serviço. Nem crianças portuguesas a brincar num parque infantil. Nos mapas não há brisa, insectos, ninhos, cegonhas.
Nos mapas até o relevo é plano. Nos mapas não há lugares para encostar o carro à sombra das oliveiras. Não há sombras para estender, sobre a terra, as ervas e as pedras, a toalha para o almoço. Não há "debaixo das oliveiras", nem provavelmente oliveiras. Não há campos de flores silvestres amarelas, roxas, brancas. Nos mapas, a terra pode ser pintada de amarelo, mas não as flores. Não há flores, nos mapas. Amarelas, ou não.
Nos mapas não há calor, suor, sede, desejo de água. Não há castelos abertos ou fechados por causa da tolerância de ponto governamental. Não há formigas e aranhas enquanto comes o frango assado. Não há alergia aos pólens que fazem toda a gente espirrar. Não há mulheres velhas, de preto, à beira da estrada, aproveitando o fresco da sombra. Não há filhos aos gritos e aos pulos. De pura alegria. Não há pedras para atirar para longe.

Nos mapas só existe tinta preta (ou de outras cores) sobre papel. Ou traços negros (ou de outras cores) num écrâ, desenhando linhas, formas, mais ou menos concretas ou abstractas, definidas ou virtuais. Este texto está, por isso, muito mais próximo dos mapas do que do território mapeado: tinta preta, traços negros sobre papel, ou num écrâ. Este texto é como um mapa: as palavras são as linhas, os tracejados e as cores. Sem relevo, cheiros, tacto, sabor, ruídos, visões.
Por consequência, neste texto, não existe a luz do sol às três da tarde. Ou a poeira mínima levantada pela correria de uma criança que acaba por tropeçar e cair, ferindo o joelho. Neste texto não existe o choro dessa criança. Nem os braços do pai que aconchegam essa criança. Nem a erva alta ou a brisa que não conhecem, nem respeitam, linhas, tracejados ou cores.
Cheirar, sentir, ver, tocar, ouvir: só lá, no território. Onde a linha azul da água não é só uma linha, nem o azul um só azul. Onde a água é água. E nos molha e refresca e nos tira a sede.

2 comentários:

j disse...

Foi bom, portanto (apesar do joelho, que faz parte da aventura...). Ainda bem.

j disse...

Vou por aí, amanhã...um pouco mais para norte, talvez. Dizem que água vem, veremos. Abrazzi.