7.4.06
Marítima (fotografia, p/b, autor anónimo)
Antes de adormecer encosta o ouvido à noite e escuta os lençóis de água que correm debaixo dos seus pés. São esses lençóis que o aquecem no Inverno, que o refrescam no Verão. Depois adormece, pressentindo a velocidade do petroleiro a diminuir. Quando acorda descobre-se em alto mar, o vento bate de lado, de noroeste, pelo que desapareceram todos os sinais de terra. "Pareço um foragido", diz ele. E estas palavras são levadas com estrondo pelo casco que, nesse momento, embate, como aço feito de aço, no fundo de uma caixa negra. "É absurdo pensá-lo, é uma arte esquecida..." Diz estas palavras uma vez. E não as repete. Nenhuma coisa se repete, nenhuma palavra. Porque ninguém está ali para o ouvir. Ninguém encosta o ouvido à noite antes de adormecer. Na verdade, embora pareça o contrário, ninguém, em tempo algum, adormece. E a velocidade do petroleiro não diminui. As luzes das estrelas é que criam a ilusão da água a correr debaixo dos pés. Os mais Sábios a isso chamam Tempo. E depois deitam-se nos beliches, porque sabem esperar. É essa a sua Sabedoria. Levantam-se e põem-se a caminho. Levados pelo vento. Que bate de lado, de noroeste. Até que tudo cessa. Então tudo cessa. Ele, o vento, o petroleiro, os lençóis de água, tudo cessa. Esse é o momento perdido para sempre. Cada momento que se divide num outro momento, e num outro momento, perdido para sempre. É o que ele diz: "Perdido para sempre...". O momento que não pára de cessar quando tudo cessa. E os sinais disso por todo o lado.
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