23.4.07

Notas de roda pé ao Dia Mundial que passou

desequilíbrio e sussurros

A biqueira do sapato, em choque frontal com o quase raso batente do portão, ia fazendo das boas mas chego inteiro ao anexo das traseiras. Voando sobre as capas como dois colibris, um rapaz e uma rapariga segredam. Porque segredam? Estamos poucos: eles, eu, um homem carregando livros como tijolos e um sorriso de Hannibal Lecter bibliófago, as duas raparigas da caixa, outros de saída – oxalá não tropecem, derramando a poesia no passeio onde, às vezes, há merda de cão. Três euros, cinco euros, quinze euros, mil folhas.

jogo com títulos à espera do talão do multibanco

A tua cara não me é estranha, dizes, com uma lágrima de coração independente. Trabalhaste o mel de sol a sol. E agora, o que vai acontecer? Biografia. Recebo o talão e um sorriso. Num pequeno terraço do prédio ao lado, camufladas por uma cortina de canas, há vozes de jantar tardio e alegre. Ai que prazer ter um livro para ler e não o fazer? Tomo cuidado com o batente, à saída. Não há merda de cão à vista. Não tenho nada contra os animais, ó Teixeira de Pascoaes! "O cão ladra e uiva, é já sábio e poeta.". Está uma noite de Verão, já viram isto?

todo o cuidado é pouco

É que está mesmo, de manga curta!
Os dois polícias surgem na esquina, três quarteirões adiante. Param de conversar e olham na minha direcção. Percebo que os olhos vasculham os sacos. Nem precisam daqueles óculos de visão nocturna, a rua está bem iluminada. Os sacos são transparentes, tenho o talão da compra, não vou em excesso de velocidade e também não atrapalho o trânsito a arrastar os pés, que diabo! Digo boa noite, como faço às vezes. Respondem-me na mesma moeda. A mercearia do Sr. Santos ainda tem luz. Podia levar um queijo e um pão regional. E braços?

9 comentários:

Lp disse...

Muita canzoada há nesse bairro!

CCF disse...

Fiquei curiosa sobre os óculos de visão nocturna!:) Assim, com vontade de arranjar uns.
~CC~

j disse...

É verdade, é verdade, prezado lp. Mas, ultimamente, parece que os bichos andam de dieta ou os donos mais urbanos. Nunca confiando em demasia...

Cara CC, à noite todos os gatos são pardos. Ao crepúsculo, consta que também bebem chá com uma pinga de leite, ronronando.

Cristina Gomes da Silva disse...

Bom dia LP, no bairro da casa do Pessoa, também se ouvem cigarras e passaritos. Ontem à noite eu ouvi.

Bem-regressado, J, que andaste daqui arredado no fim-de-semana. O chá quase ia esfriando mas voltaste de óculos escuros com pão e queijo debaixo do braço. Deste canto que ninguém lê, um dia levaremos vinho, flores e um livro :)

j disse...

Bem me parecia que te tinha visto por cá. E não foi de óculos escuros. ;)

Lp disse...

Explica lá melhor a parte do mel, s.f.f...(interesse meramente bibliográfico, não biográfico, ok?)

Lp disse...

As cigarras e os passaritos se calhar sairam de algum poema do Alberto Caeiro...

j disse...

"O Mel" é puro cinema (e isto, no caso do autor não é metáfora). Acordei com ele à cabeceira e a ele voltei, entre um café e umas compras inadiáveis. "O Mel", Tonino Guerra, tradução de Mário Rui de Oliveira, Assírio e Alvim, 2003. É de uma beleza estonteante.

j disse...

"Sol a Sol" é de Armando Silva Carvalho, Assírio, 2005. Ainda não me demorei. Foi um festim, ontem, pá! ;-)