21.2.07

Bicicletas na Poesia Portuguesa Contemporânea (citação hors-série)


“(...)

Alexandre O'Neill inventou o verbo bicicletar para definir a sua escrita, ou a de escritores que muito admirava como Gui­marães Rosa, que tinha sido aquele que mais bicicletara a língua portuguesa. Há, aliás, um “Elogio Barroco da Bicicleta” n' A Saca de Orelhas, como há outras bicicletas pedalando pela sua obra. Mas talvez a melhor definição do objecto seja a mais antiga, escrita em pleno entusiasmo surrealista e publicada em Tempo de Fantasmas:

E as bicicletas? O que são para ti as bicicletas, rapaz? As bicicletas que de cabeleira ao vento correm sobre nós de todos os lados tão prontas a uma agressão como a um beijo, as bicicletas loucas que nos sobem pelas costas e ficam horas e horas a rodar no alto da cabeça, as bicicletas que às vezes são usadas como lunetas pelos pobres de espírito? Interessava-me saber o que pensas das bicicletas. Lembras­-te, com certeza, dos mendigos fardados que distribuem telegramas, que martirizam as pobres pequenas bicicletas... E nelas, pensas? Acaso te aproximaste já de alguma com verdadeira intenção de a conhecer?

Em 1973, explicara a Eduardo Guerra Carneiro o fascínio por tal objecto: «Eu andava muito de bicicleta com o meu pai. Dava grandes passeios. Era no tempo da guerra. Achava graça àquilo. E depois, vocês sabem, a bicicleta era um tema muito querido aos surrealistas, que faziam colagens sobre bicicletas. Além disso, o Jarry era um bom ciclista...»

Em 1985, quando reeditou, muito aumentada, Uma Coisa Em Forma de Assim, O'Neill escolheu para a contracapa do livro uma fotografia do filho Alexandre, que o tinha apanhado de bicicleta encavalitada no nariz, a servir de lunetas.”


(in Maria Antónia Oliveira, Alexandre O'Neill - Uma Biografia Literária, Dom Quixote, Lisboa, Janeiro de 2007, pp. 269-270 (com exclusão das notas finais).)


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