27.3.07

"Portugal, um retrato social", de António Barreto (1º episódio)

E, agora, algo completamente diferente: serviço público de televisão na RTP! De vez em quando acontece, mas é raro. Na sexta-feira passada, quem soube, ou quis saber, pôde ver no canal 2 Lisboetas, o muito interpelador documentário de Sérgio Tréfaut sobre as diversas gentes que chegam a este extremo da europa ocidental com vontade de melhorar a vida. Hoje, a horas inesperadamente decentes, estreou Portugal, um retrato social, o programa de António Barreto que promete ser um oásis no meio do deserto televisivo público & privado. O que, na conjuntura actual, pôde funcionar como um contraponto involuntário, mas poderoso, aos resultados do concurso promovido pela própria RTP. Na verdade, as imagens e os depoimentos do país miserável, analfabeto e faminto que Salazar deixou aos vindouros também são uma resposta clara aos televotos dados a tão "grande português". Não que seja esse, obviamente, o intuito do programa de Barreto (sendo, aliás, empobrecedor vê-lo apenas a esta luz), mas é inevitável estabelecer esta ligação por força do próprio ponto de partida apresentado: Portugal mudou, e muito, nos últimos 40 anos (ou seja, desde que Salazar caiu da cadeira). Com avanços e recuos, somos agora mais urbanos, menos pobres, mais viajados e alfabetizados, vivemos mais e melhor, podemos dizer o que pensamos, há mais cores para além do cinzento. E, no entanto, o programa não me pareceu nada optimista, antes pelo contrário: é verdade que pudemos assistir ao nascimento da Rosa, logo no início (pretexto para valorizar o feito médico e social da redução da taxa da mortalidade infantil), porém a secção final foi dedicada ao modo como lidamos com os nossos mais velhos. E, embora tudo tenha sido mostrado com pudor e dignidade, a verdade é que sobressaiu, apesar das novas relações familiares, mais livres e individualistas, a imagem de um país pouco jovem, doente e cansado, sem força nem rumo. Bem sei que foi apenas o primeiro episódio, que certamente esta imagem será completada com outras que reflectirão a complexidade de Portugal... Mas talvez seja um sintoma de um país (não apenas de um homem, Barreto; ou de um homem e uma mulher, a realizadora, Joana Pontes) que sabe de onde veio, mas não sabe muito bem onde está ou para onde irá. O que é, simultaneamente, perturbador e estimulante. Aguardemos, pois, pelos próximos episódios.

2 comentários:

j disse...

Porra! Já perguntei se vão colocar no site... Será? Hummm....

Mónica (em Campanhã) disse...

e será que os próximos episódios também vão ser a esta hora decente? ontem também achei que estava a ser bom demais para ser verdade.