31.3.07
O Reverso
Avesso à solidão, procuro mundo. Há quem sugira (bem) que passear os olhos é um caminho. Escrevo que a solidão está sempre do avesso mas esqueço-me que o reverso da solidão é a companhia. As palavras são como os peixes – escorregadias. Por todos os lados. O cherne e não só. Isto está um pouco confuso, sim.
30.3.07
Silêncio de Circunstância
Small Talk
Era uma vez...
29.3.07
O cartaz
Os aracnídeos colocaram um cartaz na rua. É um cartaz nojento, imbecil. Regista-se, é importante registar. As autoridades avaliam a questão legal. Cumprem a sua função. Espero que os media não se ponham aos gritos, sobre o assunto. Quer-me parecer que é isso que eles querem. Mas são apenas parentes menores das baratas. Coisas de rodapé.
Are You Talking To Me?
Às vezes, penso que estou a enlouquecer – loucura mansa mas, ainda assim, loucura. É quando vou na rua, mergulhado nos meus pensamentos (mais ou menos sombrios, mais ou menos extravagantes) e dou por mim à beira de verbalizar as minhas reflexões e os meus diálogos interiores. Isso! Quase, quase, quase a falar sozinho, em voz alta. Normalmente, disfarço. Observo um cão a cagar no passeio ou uma pessoa a tentar enfiar um carrinho de bebé entre dois automóveis, na passadeira – e passa. Hoje aconteceu. Disse, a pensar numa mulher que eu cá sei: “apetecia-me rebolar na relva contigo, escutar o teu riso fresco e esquecer isto tudo!”. Até fiquei zonzo e podia jurar que a velhinha, que se cruzava comigo naquele instante, apressou o passo. O meu olho direito ainda a apanhou a espreitar-me, de esguelha, já o esquerdo controlava o trânsito, no cruzamento seguinte. Não me parece que seja caso de polícia.
28.3.07
Olho por Olho
Não sou bem estrábico, tenho apenas um olho preguiçoso – apesar do meu amigo PB me retratar, desde sempre, como um Sartre elevado ao cubismo. Eu explico. Quando estou cansado ou quando fixo o olhar, para ler ou ver televisão, o olho direito arruma-se para o lado de fora e deixa o esquerdo fazer o trabalho principal. Bem sinto o constrangimento de algumas pessoas quando tentam perceber para onde estou a olhar quando, evidentemente, estou a olhar para elas. Nunca peço desculpa. Acho que não devo. Também há pessoas com o nariz torto ou umas orelhas anormalmente assimétricas e eu não me ponho com dichotes. Se têm alguma dúvida, perguntem. (Já agora, uma dica: nestes casos, apontem o olhar para o topo do nariz, mesmo entre os olhos. Nunca falha!)
AVC
O dia começou com a escuta da primeira versão de um trabalho sobre o impacto do AVC na vida das famílias dos doentes. Testemunhos fortes, cruzados com excertos do livro De Profundis, Valsa Lenta de José Cardoso Pires. Vai para o ar esta sexta, nestas frequências, depois das sete da tarde – na véspera do Dia Mundial do AVC. Vale a pena ouvir mas, atenção, é um bocado duro.
"O Bom Alemão", de Steven Soderbergh
27.3.07
"Portugal, um retrato social", de António Barreto (1º episódio)
O rapa-tudo
Nota final (para desanuviar)
Laurie Anderson, "Big Science" (1982)
O rapa-tudo (alguns apontamentos)
Nota prévia
Orgulhosamente tótós!
O que sentiram?
26.3.07
O Pente do Vento
INACREDITÁVEL
Em programa da RTP Salazar eleito "o maior português de sempre"???????????
Podem chamar-me o que quiserem mas isto é uma aberração incrível!!!!!!
Mas será que esta gente não tem memória? Não conhecem a história de Portugal, só pode!
Lamentável!
Tradução Simultânea
Se bebermos o mesmo vinho, no mesmo instante, eu aqui e tu aí – descontado o fuso horário –, será que nos sucede saborearmos a boca um do outro? As crónicas enófilas nunca esclarecem estas questões. Só falam dos taninos e da compota. Ora, abóbora!
25.3.07
quod facis fac sitius
Ele, que não pescava uma de latim, insistiu na mesma tecla, socorrendo-se das páginas azuis do dicionário mas esperando, secretamente, que o amigo não alargasse mais a prosa por esses lados, para não fazer triste figura. Sentia que o latim podia dar uma ajuda, pela sólida base que representava, embora não fosse, de todo, o mais natural nele. Sentia ainda que a amiga estava bem intencionada mas, de facto, toda aquela história começava a incomodá-lo. Não é que não fosse uma possibilidade (a vida está cheia delas, claro) mas começava a transformar-se numa ansiedade. Como passar agora à acção, sem ser de uma forma, digamos, caricata? (A pergunta é, ela própria, também um pouco caricata, naturalmente). Pareciam-lhe sábias, as palavras do amigo: “carpe diem!”. Foi fazer chá. Tinha arrefecido, apesar do mais tardio pôr-do-sol. Enquanto enchia a chaleira, pensava: "nunca nos devemos levar demasiado a sério, nem mesmo em latim!". Especialmente em latim.
De Natura Rerum
tempus fugit
24.3.07
Meta Física
Desenhar no teu rosto um sorriso, depois de desvendar o teu rosto. Muscular a minha alegria. Calar-me, já agora.
23.3.07
Estação do Oriente
Ciclorama
22.3.07
Não-acontecimentos Numa Rua da Mouraria
Uma mulher enganada por um marinheiro irlandês. Que ninguém viu.
Uma jovem empregada de uma loja de revenda de materiais de bijuteria, o preto como cor predominante do vestuário. (Desfez pedaços de pão em pedacinhos mais pequenos que atirou para o meio da rua. Os pombos - três, quatro, cinco...-, sob o olhar da gata amarela com riscas cinzentas, debicaram espalhafatosos.)
Uma mulher velha e uma mulher nova: passaram. Acompanhadas de um miúdo de 6 ou 7 anos que fez todo o comprimento da rua aos pontapés numa caixa vazia, amarela, na qual se podia ler, em letras castanho-escarlate, Friskies.
Um homem alto, fato castanho completo, sapatos de gigante, sem dúvida que à procura da direcção certa.
Um outro homem, mais baixo, talvez o padre, de meias e sandálias pretas. Entrou na igreja pela porta das traseiras, depois de bater três vezes.
Um rebanho de ovelhas do outro lado do rio, não-hoje, do outro lado da rua.
Um cavalo branco pela segunda vez: estático no meio do baldio suburbano, com uma colcha escura sobre o dorso contra o frio da noite. Já deste lado da noite, já muito longe da Mouraria.
Notas Para Uma Biografia Impossível 39
- Pergunta isso a ti próprio, ok?
Notas Para Uma Biografia Impossível 38
- De acordo. Com as minhas ou as tuas palavras?
Breve Carta Para Campanhã
Cara M.
J
Para que servem as palavras (10)
21.3.07
Notas Para Uma Biografia Impossível 37
- Faço meus os teus silêncios...
Notas Para Uma Biografia Impossível 36
- Humm...
- A esta hora não deviam estar na escola?
- Humm...
- O que é? Não gostam da escola?
- Humm...
- Que idade tens tu?
- 10 anos.
- E tu?
- Humm... 6.
- Mas gostam ou não gostam da escola?
- Humm...
- Então, não dizem nada?...
- Não me arranjas 10 cêntimos?
20.3.07
Notas Para Uma Biografia Impossível 35
(com passagem pela linha do norte)
Notas Para Uma Biografia Impossível 34
Notas Para Uma Biografia Impossível 33
- Isso significa que estou no bom caminho?
Notas Para Uma Biografia Impossível 31
Airborne
Gosto do vento. Desta mão invisível que me empurra pela rua e arrasta pequenas partículas de nada, sem razão (ou talvez baralhe sementeiras – razão suficiente para gostar). A dado passo, um assobio, um roçagar, um tesão atmosférico. O encontro do mistério com a matéria, num tubo de uma antena de televisão, num toldo de uma loja fechada para almoço. Plásticos bailarinos em acrobáticas coreografias, como naquele filme dentro do filme, lembras-te? Este desejo: ser invisível, no vento. Voar, outra vez. Ser ventoso e leve. Partir.
Notas Para Uma Biografia Impossível 30
- Já... mas não sei onde esconderam o jardim.
Notas Para Uma Biografia Impossível 29
- Contigo, comigo, com ele, com ela...
18.3.07
Regresso (lentamente)
Ahmet Rasim
Nefes, Mercan Dede, DoubleMoon, Istambul, 2006
Letra:
O livro está recheado de velhas fotografias, a preto e branco (os tons da cidade, segundo o autor). E para que servem elas, por exemplo, emolduradas sobre o piano mudo da casa da infância? Ou, dito de outra forma, pela voz de Pamuk: "if you plucked a special moment from life and frame it, were you defying death, decay and the passage of time, or were you submitting to them?".
Notas Para Uma Biografia Impossível 27
(Scorsese por Scorsese, organização de David Thompson e Ian Christie, tradução de Ana Paula Magalhães, Edições 70, colecção Arte & Comunicação, Lisboa, 1991)
17.3.07
3 andamentos e várias pontes
Manhã:
Ao pequeno-almoço, o avô conta histórias de velhas batalhas à neta, enquanto rabisca postais ilustrados.
Um café turco no terraço de Ludwig, com a cidade aos pés. “Freedom we find only if we are one with the heart in us”.
Smoke? Nargile de maçã. Os barcos nas nuvens. Mármara. O corpo cansado. Quantas peles tem uma cidade?
16.3.07
Notas Para Uma Biografia Impossível 25
- Ponte de encontro(s)...
- Vocês dois com as vossas manias de complicar: mesa de café!
Como o tempo passa
Um ano, noutra cidade. Brindo com raki, pode ser? Nos últimos meses, este tem sido um verdadeiro porto de abrigo. Obrigado pela cumplicidade, amigos. Até breve.
15.3.07
Notas Para Uma Biografia Impossível 23
Notas Para Uma Biografia Impossível 22
- E ainda tenho que esperar mais um ano.
Notas Para Uma Biografia Impossível 20
- Posso terminar o que estou a fazer? Obrigado.
Notas Para Uma Biografia Impossível 19
- Ena, hoje estás inspirado!
Notas Para Uma Biografia Impossível 18
- Muito gostas tu de te queixar! Não tens vergonha? E talento?
14.3.07
... com orgão de igreja em chamas como fundo ...
From dancing with the one I love
But my mind holds the key ...
Notas Para Uma Biografia Impossível 17
- É esse o teu problema: não aprendes com os erros!
Notas Para Uma Biografia Impossível 16
Notas Para Uma Biografia Impossível 14
- Claro! Mas isso também já foi dito por alguém.
Istambul em Lisboa
Yasemin vai passar o próximo fim-de-semana a Lisboa. Pede-me uma opinião sobre um bom local para ouvir o fado. “Mas não um daqueles sítios para turistas!”. Eles sabem que nós sabemos que eles sabem que nós sabemos...
13.3.07
Notas Para Uma Biografia Impossível 13
- Vi... mas a mim pareceu-me que a garrafa estava meio vazia.
Notas Para Uma Biografia Impossível 12
- ... sim, eu preencho-os.
Notas Para Uma Biografia Impossível 11
- Mais uma lei para eu não cumprir...
Notas Para Uma Biografia Impossível 10
Lisboa em Istambul
Passa o eléctrico vermelho na Istiklal Caddesi, enquanto o vendedor apregoa castanhas (quentes e boas?), colocando-as com cuidado, lado a lado, num tabuleiro. Passam duas ou três gaivotas. Passam mulheres bonitas. Passa tempo.
12.3.07
Notas Para Uma Biografia Impossível 8
- Bom, a verdade é que não escreveste ainda uma palavra e eu já sei o que vem a seguir!
Notas Para Uma Biografia Impossível 7
- Mas assim não vou ter desculpa para não te ler na íntegra!
Notas Para Uma Biografia Impossível 6
- Eu preferia Constantinopla!
Hermenêutica de uma canção 2
- Sim. No Neon Bible é a décima, e penúltima.
- No disco de 2003 tem uma duração de 6 minutos e 4 segundos.
- E neste, 5 minutos e quarenta e três segundos.
- Mas é a mesma canção!
- Não. Não é a mesma canção.
A Bíblia de Néon
"(...)
(...)"
John Kennedy Toole, A Bíblia de Néon, Tradução de Ana Barradas, Terramar, Lisboa, 1992, p. 49.
(John Kennedy Toole nasceu em Nova Orleães, em 1937; suicidou-se em 1969. Tinha 31 anos. Escreveu, para além de A Bíblia de Néon, o romance Uma Conspiração de Estúpidos, também editado pela Terramar.)
The Arcade Fire, Neon Bible 2007, Ocean Of Noise
Ontem foi, My body is a cage ... mais tarde a Neon Bible ... mas Ocean of Noise é MESMO fantástica! (até descobrir outra ...) esta (também) tem um não sei quê de Western ... um duelo em que alguém vai acabar por morder o pó ...
Notas Para Uma Biografia Impossível 5
- Mas, repara, neste caso, falar e fazer coincidem!
Notas Para Uma Biografia Impossível 4
- Tens razão. Mas, em contrapartida, tu devias levar-te um pouco mais a sério!
Notas Para Uma Biografia Impossível 3
- A quem o dizes!
Notas Para Uma Biografia Impossível 2
- Nem eu..."
Notas Para Uma Biografia Impossível
- Mas tinha de fazer?
11.3.07
Hermenêutica de uma canção
- O quê?
- Esse lugar onde os carros não vão. Onde é esse lugar?
- Ele diz: "Between the click of the light and the start of the dream".
- Isso é onde?
- Ele diz: aí.
... words...
I know a time is coming
All words will lose their meaning
(...)"
"Black Mirror", Neon Bible, Arcade Fire (2007)
Arcadas a arder!
10.3.07
Podia Ser Uma Arte Epistolar
Em silêncio, no coração da tarde azul, uma vespa agoniza sobre a laje morna. De regresso a casa - de partida. O musgo nos relógios rastejantes. Os braços, abandonados ao longo dos dias. O veneno da solidão a comprimir-me o peito, na tarde azul. Volta não volta, apetece-me dizer-te para regressares.
Boca de Cena
Polaroids
O sol quente nas pernas cruzadas, num banco de jardim primaveril. Uma caminhada alternativa.
9.3.07
Podia Ser uma Arte da Leitura
(Agora as palavras são formadas por letras que me fazem lembrar pequenos insectos esmagados contra as páginas... E os poemas!? Não os vêem? Pois parecem verdadeiros enxames!)
Podia Ser uma Arte da Vertigem
Escrever também para te contar isto: surgiram do sul, de repente. Um bando de pássaros brancos de gestos lentos (gaivotas?), lá bem no alto, reflectindo as luzes da cidade. Umas três dezenas de pares de asas, desenhando novas constelações sobre a ardósia sem nuvens onde brilham as poucas estrelas que o clarão urbano deixa ver (não, nenhuma estrela cadente...). Deram uma volta, suave, rumo a ocidente, deixando no vento esta breve alegria, como se fosse o filme perfeito para Os Nocturnos de Chopin, que Maria João Pires vai acariciando no piano. Dou por mim a sorrir, inebriado pela magia da música e dos pássaros.
8.3.07
dos filmes por imaginar
Podia Ser Ainda Outra Arte Poética
Podia Ser Uma Arte da Salvação
Podia Ser Outra Arte Poética
O Espelho
Eis uma ideia clara que apetece transportar pelo reflexo dos dias mas, às vezes, tudo o que o espelho nos devolve é uma imagem vaga.