Poeta checo, Jaroslav Seifert nasceu em Setembro de 1901. Foi jornalista. Proveniente do meio operário, militou no partido comunista até ser expulso, em 1929, por se manifestar contra o endurecimento da linha política partidária. A sua obra evoluiu de uma poesia política e "proletária" para um lirismo mais livre e melancólico. Mais tarde, em 1967, foi considerado "artista nacional". No entanto, logo depois da invasão russa da Checoslováquia, em 1968, seguiu a via da dissidência. Foi um dos autores da famosa Carta de 77. Prémio Nobel em 1984. Morreu em 1986. Apresento, aqui, um poema seu, retirado da Anthologie de la Poésie Tchèque Contemporaine, edição Gallimard, da responsabilidade de Petr Král. As breves informações bio-bibliográficas sobre o autor foram retiradas dessa mesma fonte (pp. 356-357).
Concerto de Bach
De manhã nunca dormi muito tempo;
os eléctricos acordavam-me
tal como os meus próprios versos.
Arrancando-me da cama pelos cabelos
eles arrastavam-me até à cadeira
e obrigavam-me a escrever
assim que tinha acabado de esfregar os olhos.
Religado por uma doce saliva
aos lábios de um instante singular
eu não pensava de maneira nenhuma
na salvação da minha alma miserável;
mais do que um eterno bem estar
eu desejava um breve momento
de prazer efémero.
Levantavam-me em vão os sinos do solo;
eu aderia-lhe com os meus dentes, as minhas unhas.
Ele estava cheio de perfumes
e de segredos provocantes.
Quando, de noite, eu olhava o céu
não era o céu que procurava.
Assustava-me muito mais com os buracos negros
escancarados algures no fundo do cosmos
e ainda mais assustadores
que o próprio inferno.
Mas eu pude escutar os sons do cravo.
Era um concerto
de Johan Sebastian Bach
para oboé, cravo e instrumentos de cordas.
De onde provinha? Ignoro-o.
Mas não era do solo.
Ainda que então não tivesse bebido vinho
eu cambaleava ligeiramente
e tive de me prender com grampos
à minha própria sombra.
(1983)
(versão minha, a partir da tradução francesa de Petr Král na citada Anthologie de la Poésie Tchèque Contemporaine: 1945 - 2000, Gallimard, Paris, 2002, pp. 29-30).
Concerto de Bach
De manhã nunca dormi muito tempo;
os eléctricos acordavam-me
tal como os meus próprios versos.
Arrancando-me da cama pelos cabelos
eles arrastavam-me até à cadeira
e obrigavam-me a escrever
assim que tinha acabado de esfregar os olhos.
Religado por uma doce saliva
aos lábios de um instante singular
eu não pensava de maneira nenhuma
na salvação da minha alma miserável;
mais do que um eterno bem estar
eu desejava um breve momento
de prazer efémero.
Levantavam-me em vão os sinos do solo;
eu aderia-lhe com os meus dentes, as minhas unhas.
Ele estava cheio de perfumes
e de segredos provocantes.
Quando, de noite, eu olhava o céu
não era o céu que procurava.
Assustava-me muito mais com os buracos negros
escancarados algures no fundo do cosmos
e ainda mais assustadores
que o próprio inferno.
Mas eu pude escutar os sons do cravo.
Era um concerto
de Johan Sebastian Bach
para oboé, cravo e instrumentos de cordas.
De onde provinha? Ignoro-o.
Mas não era do solo.
Ainda que então não tivesse bebido vinho
eu cambaleava ligeiramente
e tive de me prender com grampos
à minha própria sombra.
(1983)
(versão minha, a partir da tradução francesa de Petr Král na citada Anthologie de la Poésie Tchèque Contemporaine: 1945 - 2000, Gallimard, Paris, 2002, pp. 29-30).
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