(Jota, Lp, PB)
4.6.07
Segue a viagem
(Jota, Lp, PB)
3.6.07
1.6.07
Últimos poemas*
Consumar o poema
pois o sol é grande,
de preferência antes
que co' a alma caiam
as aves, tudo arda.
***
2. Política de saúde pública
Conservar o coração
ao abrigo da luz & das trevas,
em local fresco, bem arejado,
totalmente fora do poema,
só ao alcance da visão
nocturna das crianças.
*Do livro inacabado Transportes Púbicos.
(Foi um prazer).
31.5.07
1 poema de W.H. Auden
O Cidadão Desconhecido
(A JS/07/M/378 o Estado ergueu este Monumento de Mármore)
Segundo apurou o Instituto de Estatística
Contra ele nunca existiu qualquer queixa oficial,
E todos os relatórios sobre a sua conduta confirmam:
No moderno sentido de uma palavra velha, ele era um santo,
Pois em tudo o que fez serviu a Grande Comunidade.
Com excepção da Guerra e até ao dia da reforma,
Trabalhou numa fábrica e nunca foi despedido;
Sempre satisfez os seus patrões, Máquinas Fraude, Lt.dª.
Mas não era fura-greves nem tinha opiniões estranhas,
Pois o Sindicato informa que sempre pagou as quotas
(E o seu Sindicato tem a nossa confiança),
E o nosso pessoal de Psicologia Social descobriu
Que ele era popular entre os colegas e gostava de um copo.
A Imprensa não duvida de que comprava um jornal por dia
E que as reacções à publicidade eram cem por cento normais.
Apólices tiradas em seu nome provam que tinha todos os seguros,
E o Boletim de Saúde mostra que esteve uma vez no hospital e saiu curado.
Tanto o Gabinete de Estudo dos Produtores como o da Qualidade de Vida declaram
Que estava plenamente sensibilizado para as vantagens da Compra a Prestações
E tinha tudo o que é preciso ao Homem Moderno:
Um gira-discos, um rádio, um carro e um frigorífico.
Os nossos inquiridores da Opinião Pública alegram-se
Por ter as opiniões certas para a época do ano;
Quando havia paz, ele era pela paz, quando havia guerra, ele ia,
Era casado e aumentou com cinco filhos a população,
O que, diz o nosso Eugenista, era o número certo para um pai da sua geração,
E os nossos professores informam que nunca interferiu com a sua educação.
Era livre? Era feliz? A pergunta é absurda:
Se algo estivesse errado, com certeza teríamos sabido.
(1939)
Sobre W.H. Auden.
30.5.07
Outro poema*
Pedimos desculpa,
senhores passageiros.
Prometemos ser breves.
Todos. Sob a terra.
*Transportes Púbicos, livro, blá...
1 poema*
Fora de serviço.
Mantenha a calma.
Dirija-se ao poema
automático mais próximo.
*Do livro Transportes Púbicos (etc.)
A treta do costume ...
12,8%
... afinal em que é que ficamos?????
Já era altura de se acabar com esta guerrinha
de números completamente imbecil ...
29.5.07
Outro poema*
A luta continua.
Preciso de encontrar
com a máxima urgência
o transporte alternativo
que me leve às cordas
o coração pugilista.
*Do livro, por escrever, Transportes Púbicos.
1 poema*
Lapso da língua,
colapso do poema.
*do livro inexistente Tansportes Púbicos.
28.5.07
27.5.07
1 poema de Jaroslav Seifert
Concerto de Bach
De manhã nunca dormi muito tempo;
os eléctricos acordavam-me
tal como os meus próprios versos.
Arrancando-me da cama pelos cabelos
eles arrastavam-me até à cadeira
e obrigavam-me a escrever
assim que tinha acabado de esfregar os olhos.
Religado por uma doce saliva
aos lábios de um instante singular
eu não pensava de maneira nenhuma
na salvação da minha alma miserável;
mais do que um eterno bem estar
eu desejava um breve momento
de prazer efémero.
Levantavam-me em vão os sinos do solo;
eu aderia-lhe com os meus dentes, as minhas unhas.
Ele estava cheio de perfumes
e de segredos provocantes.
Quando, de noite, eu olhava o céu
não era o céu que procurava.
Assustava-me muito mais com os buracos negros
escancarados algures no fundo do cosmos
e ainda mais assustadores
que o próprio inferno.
Mas eu pude escutar os sons do cravo.
Era um concerto
de Johan Sebastian Bach
para oboé, cravo e instrumentos de cordas.
De onde provinha? Ignoro-o.
Mas não era do solo.
Ainda que então não tivesse bebido vinho
eu cambaleava ligeiramente
e tive de me prender com grampos
à minha própria sombra.
(1983)
(versão minha, a partir da tradução francesa de Petr Král na citada Anthologie de la Poésie Tchèque Contemporaine: 1945 - 2000, Gallimard, Paris, 2002, pp. 29-30).
Coração Mineral
"Oxalá eu este insensível eu sentisse o que decerto sentem
essas coisas sensíveis e sentimentais
que são os impassíveis implacáveis minerais"
(Ruy Belo, in Meditação Montana, Todos os Poemas II,
Assírio e Alvim, 2004)
26.5.07
Beleza & resistência
("Onde está o meu Romeu?", episódio de Abbas Kiariostami para o filme colectivo Chacun son Cinéma, obra produzida para celebrar os 60 anos do Festival de Cinema de Cannes. Exibido hoje à noite no canal Arte).
Apenas Uma Palavra
25.5.07
24.5.07
23.5.07
Fala do autor deste post
Não gosto que as músicas terminem em fade out. Gosto de finais claros, mesmo que fiquem
22.5.07
Robert Duncan, um poema
Entre os meus amigos
Entre os meus amigos o amor é uma grande tristeza.
Tornou-se um fardo diário, um festim,
uma guloseima para loucos, uma fome para o coração.
Visitamo-nos uns aos outros perguntando, dizendo uns aos outros.
Não ardemos intensamente, questionamos o fogo.
Não caímos para a frente com os nossos rostos vivos
e ardentes olhando para dentro do fogo.
Fixamente olhamos para dentro dos nossos próprios rostos.
Tornámo-nos as nossas próprias realidades.
Procuramos esgotar a nossa absoluta incapacidade de amor.
Entre os meus amigos o amor é uma questão dolorosa.
Procuramos entre os rostos que passam
a face da esfinge que apresentará o enigma.
Entre os meus amigos o amor é uma resposta a uma questão
que não chegou a ser colocada.
Por isso coloquemo-la.
Entre os meus amigos o amor é um pagamento.
É uma dívida antiga cujo valor foi gasto de forma idiota.
E continuamos a pedir emprestado uns aos outros.
Entre os meus amigos o amor é um salário
que qualquer um pode receber para ter uma vida honesta.
Robert Duncan (1919-1988).
Jogos de Cama
Elas são muito pálidas. Têm os lábios pintados de vermelho. Vestem roupas um pouco fora de moda. São três e olham na minha direcção. Para além de Jogos de Cama, a montra da loja de atoalhados anuncia também Jogos de Banho e Jogos Turcos. Elas nem pestanejam, sedutoras glaciais da clientela do comércio tradicional.
Semyon Kirsanov, um poema
O novo coração
Ando ocupado!
Ando a construir
um modelo de um coração
inteiramente
novo!
Um coração
para o futuro: com o qual sinta
e ame. Um coração
com o qual compreenda os homens:
E que me diga também quem
devo livremente
cumprimentar com a minha mão -
e a quem
nunca deverei
estendê-la.
Semyon Kirsanov (1906-1972).
21.5.07
Terreiro do Passo
"Eu passo, recolho da rua minha vida, meu deus
Eu vejo, está ali pra quem quiser ver
Eu creio, eu invento e tento não enlouquecer
Eu vim pra confundir
Pra dividir o seu olhar
Eu vim pra distrair sua atenção
Você só precisa de um momento sem razão
Eu sei que agora está se perguntando
Quem é esse cara
Que pensa que sabe
Que acha que pode adivinhar? (...)"
Esta semana, no Santiago Alquimista, em Lisboa
20.5.07
Jogar em Casa
Fiquei muito satisfeito com o facto dos meus dois grandes amigos (muito) benfiquistas terem aceite o desafio, apesar de, por cá, não haver Sport TV. Combinámos: vemos a dinâmica equipa do Sporting na TVI, com o som da rádio a mostrar a evolução de todos os marcadores. Muito bem. Caprichei nos tremoços e nas cervejas (e mais uns mimos) para que ninguém desanime se as coisas correrem como previsto.
Afirma M.
(M., pedreiro reformado, setentas e tais, sobre as obras na Quinta do Cobra, já praticamente irreconhecível e delimitada por uma cerca metálica.)
19.5.07
Duas Fotografias Sobrexpostas
Desejo a Crédito
ombros sem conta
a descoberto
deposito um
beijo que escalda
Exercício Físico
a silhueta de
(uma bicicleta no tejadilho)
calções justos
na medida
em que pernas
para que te quero
18.5.07
Vinil
17.5.07
Todos os caminhos vão dar a Roma...
- São 8 euros.
- Desculpe, disse 8 euros? Por uma fotocópia?
- Sim.
- São caras, aqui, as fotocópias!
- É assim. Temos de contribuir para o Produto Interno Bruto. Já estamos com um crescimento de 2 por cento!
Portanto, é assim.
Descontas a ironia, pagas e sais. Tão simples como isto. Ou tão simplex. Ou tão Brutus (também tu!)
Construção Embargada
Sim, talvez não me falte o pão fresco – o que não é pouco, não é pouco –, mas faltam-me as forças para dobrar a realidade entre os dedos. Queria escrever sobre as espigas e Lisboa; sobre as minhas máscaras e o homem que acredito ser; sobre as mulheres que amei e aquelas que espreito, em trânsito, pelo retrovisor, enquanto sorriem ao telemóvel ou ajeitam cabelo; sobre o mundo que (eu sei) é um espanto doloroso e belo. Sem alegria para o gesto simples, rotina de ofício, nem mesmo para o puro abandono. Edital ambulante, uma sombra.
16.5.07
Folhas de Pó
Com dois vincos, dobrávamos o sonho
O Papel e a Maçã
A música, a traço fino. Marcadores, de memória. South Side Story a tinta-da-china. Um grupo de formigas carrega um lápis pelo estirador, em passos minúsculos mas muito rápidos (tic-tic-tic-tic-tic-tic), e desenha uma dentada. Muita pinta, pá!
Colheita Bilingue
para o meu amigo LP
Horas extraordinárias. Oficina de prazer. Traduzir um verso, como quem decifra chocolate e framboesas num tinto encorpado e misterioso. Esboçar um corpo, como quem degusta o néctar de um poema com final de boca prolongado.
15.5.07
Asco
Segundo alguns relatos, durante o festim tradicional, um homem tapou as pernas da rapariga com um casaco. Que falta de decoro, as pernas assim à mostra, terá pensado o guardião dos bons costumes, salivando a vingança sanguinolenta.
As imagens, gravadas no local e depois colocadas na Internet, são uma faca de dois gumes. Um inaceitável registo, com eventuais propósitos exemplares mas, ao mesmo tempo, um testemunho do horror que deve repetir-se, tantas vezes, longe das câmaras dos telemóveis e dos nossos incrédulos olhares.
Por quanto tempo nos lembraremos da sombra de Dua Khalil Aswad?
14.5.07
12.5.07
Santa genialidade (versão "saber de experiência feito")
Esta noite
uma música de sopros hidráulicos, batidas metálicas, vidros estilhaçados, um amarfanhar pastoso. É isto: lixo orgânico e mais qualquer coisa.
11.5.07
10.5.07
Elegia pela Quinta do Cobra
China Blue
Cálculo da Felicidade
1.
“Estavas tão linda, naquela fotografia! Com 54 anos eras 1 mulher de fazer parar o trânsito!”. A voz aveludada, nocturna, é de 1 homem, diria 60s e tais, ao telemóvel, sozinho, na entrada de um prédio.
2.
Vêm pela rua, com mochilas e roupas largas. Falam alto dos mecanismos de comunicação online. Quando nos cruzamos, 1 das amigas garante às outras 2, com entusiasmo: “Eu tenho 271 amigos!”.
3.
Colocou na Internet a petição de casamento à namorada. Espera reunir "10.000 assinaturas de apoio, oficiais, até ao Verão". Escreve, no email: “Isto não é spam. Passem palavra, com muito amor.”
8.5.07
Tom & Jerry (excerto do episódio 7361)
Jerry - Mas eu quero. Dá-mo!
Tom - Nem penses!
Jerry - És mau, não gosto de ti!
Tom - Deixa-me em paz.
Jerry - Vou dizer ao pai.
Tom - Então vai, ó queixinhas.
Jerry - Queixinhas és tu, parvo.
Tom - Pai, o mano chamou-me parvo.
Jerry - Não chamei nada!
Tom - Chamaste sim!
Jerry - És mentiroso!
Tom - Tu é que és.
Jerry - Pai, o mano chamou-me mentiroso.
Tom - Pai, é mentira.
Jerry - Dá-me o brinquedo.
Tom - O brinquedo é meu!
(...)
Banda Sonora
Café com letras
- Não, um aforismo.
"Andamos e não chegamos. O andar é tudo: princípio e fim."
(Teixeira de Pascoaes)
6.5.07
Os Combates
A minha irmã passou por cá, deixando aquele rasto de optimismo que a caracteriza, quando não está pessimista. Pegou num livro que estava em cima da mesa, enquanto bebericávamos chá,
Positivamente e me levam a fazer outras coisas, dirijo-me
Às pessoas de que gosto, nunca às de que não gosto;
Sempre me pareceu insensato que se pare,
Nem que por um momento, de admirar, há
Sempre actos e coisas que nos ajudam
neste cálculo infernal da distância entre o dia de hoje
e a nossa morte. E qualquer pessoa dar um passo que seja
em direcção ao que não aprecia, para insultar, ou derrubar,
parece-me brutal perda de tempo, uma falha grave
no órgão de admirar o mundo
(deves combater uma ou duas vezes na vida,
se combateres duzentas vezes
é porque os combates são fracos). (…)”
DARFUR
Será que vivo em Deadwood?
Hoje, enquanto vou ali já venho ao barco levar a minha sogra, deixo o filho mais velho a tomar conta de bolas & bicicletas. De regresso ao bairro, com o filho mais novo pela mão, que vejo? O rapaz, cheio de medo, escondido atrás de um carro. E, a dois passos, uma cena de cabo de esquadra. Homem, ex-mulher, mulher actual e a filha dos dois primeiros, esta bem grávida. Paus e punhos levantados, murros, chapadas, gritos, insultos & outros pormenores pouco dignificantes ("Até nua te deixaram à porta de casa, minha grande puta!", etc.), travados a custo por dois civis mais destemidos, clientes do café da esquina. Hora de recolher a casa, rapazes! O Seth Bullock que trate do assunto!
Antes, já passara por nós um pescador, os dois remos aos ombros (como a vida? os dias?), galochas verdes, balde de plástico cheio até cima. "Correu bem a pescaria?" Resposta lacónica, do género mete-te na tua vida: "Mais ou menos." E seguiu caminho. Ok. Cada um na sua. E eu vou só ali já venho beber um copo ao Saloon do Al e espreitar as raparigas... É que a vida é dura e dura pouco, aqui, nas terras de fronteira do velho oeste! À vossa!
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A Europa pode esperar?
O céu não pode esperar
5.5.07
O Arrumador de Destinos
Cara ou coroa? Roda a moeda sobre o capô brilhante ainda quente, disparada pelo indicador da mão direita e o polegar da esquerda, cada um para seu lado, como irmãos de unhas encardidas, subitamente desavindos. Gira. Cara? Feia, redonda, sardenta, linda de morrer, encovada, metade, pálida, de caso, de cu, carantonha. Rodopia. Coroa? De espinhos, diamantes, molar, canino, princesa ervilha-de-cheiro, sapo encantado, rei de paus, dama antiga no secador do cabeleireiro. Roda a moeda, roda sem fim, dançando louca na fibra de vidro ou lá de que é feito isto agora. Roda solteirona embriagada de volteio, roda sem parar, embalada por uma estranha energia, rebola agora em automobilístico plano inclinaaaaaaado… Merda!
4.5.07
Santa genialidade
"Eu tenho dois meninos génios na minha sala."
"Meninos génios!? Não são gémeos?"
"Não, são génios."
"Então porquê?"
"Então, são irmãos, têm os mesmos pais e nasceram no mesmo dia! São génios."
"Olha, pois são!"
Na dúvida
Bang!
O Nome Certo
Será uma questão de probabilidades: nunca imaginei que o raio do restaurante – comida boa, preço justo – ia ter assunto com poucos dias de intervalo. Numa mesa, o responsável por uma conhecida empresa de sondagens. Na mesa do lado, um secretário de Estado, acompanhado por três jovens – dois homens e uma mulher, fardados com competência. Depois de saldar a conta, o homem das sondagens, com a gravata enfiada no bolso do lenço do casaco, abeira-se do governante. Primeiro, surgem algumas informações sobre a oscilação das intenções de voto, de uma forma geral. Depois, a conversa desliza para o buraco de Lisboa. Este e aquele e aqueloutro. “Neste momento, o apelido só o puxa para baixo” afiança o homem dos inquéritos, acrescentando que “o João sabe disso!”. Despede-se mas volta para picar o membro do governo: “Faça lá um exercício intelectual para descobrir o terceiro nome!” atira, da porta, fazendo o interlocutor saltar da cadeira e segui-lo para a rua. Faites vos jeux!