
(Jota, Lp, PB)
três velhos amigos e uma mesa de café junto à janela
Não gosto que as músicas terminem em fade out. Gosto de finais claros, mesmo que fiquem
Elas são muito pálidas. Têm os lábios pintados de vermelho. Vestem roupas um pouco fora de moda. São três e olham na minha direcção. Para além de Jogos de Cama, a montra da loja de atoalhados anuncia também Jogos de Banho e Jogos Turcos. Elas nem pestanejam, sedutoras glaciais da clientela do comércio tradicional.
Fiquei muito satisfeito com o facto dos meus dois grandes amigos (muito) benfiquistas terem aceite o desafio, apesar de, por cá, não haver Sport TV. Combinámos: vemos a dinâmica equipa do Sporting na TVI, com o som da rádio a mostrar a evolução de todos os marcadores. Muito bem. Caprichei nos tremoços e nas cervejas (e mais uns mimos) para que ninguém desanime se as coisas correrem como previsto.
Sim, talvez não me falte o pão fresco – o que não é pouco, não é pouco –, mas faltam-me as forças para dobrar a realidade entre os dedos. Queria escrever sobre as espigas e Lisboa; sobre as minhas máscaras e o homem que acredito ser; sobre as mulheres que amei e aquelas que espreito, em trânsito, pelo retrovisor, enquanto sorriem ao telemóvel ou ajeitam cabelo; sobre o mundo que (eu sei) é um espanto doloroso e belo. Sem alegria para o gesto simples, rotina de ofício, nem mesmo para o puro abandono. Edital ambulante, uma sombra.
Com dois vincos, dobrávamos o sonho
A música, a traço fino. Marcadores, de memória. South Side Story a tinta-da-china. Um grupo de formigas carrega um lápis pelo estirador, em passos minúsculos mas muito rápidos (tic-tic-tic-tic-tic-tic), e desenha uma dentada. Muita pinta, pá!
para o meu amigo LP
Horas extraordinárias. Oficina de prazer. Traduzir um verso, como quem decifra chocolate e framboesas num tinto encorpado e misterioso. Esboçar um corpo, como quem degusta o néctar de um poema com final de boca prolongado.
uma música de sopros hidráulicos, batidas metálicas, vidros estilhaçados, um amarfanhar pastoso. É isto: lixo orgânico e mais qualquer coisa.
1.
“Estavas tão linda, naquela fotografia! Com 54 anos eras 1 mulher de fazer parar o trânsito!”. A voz aveludada, nocturna, é de 1 homem, diria 60s e tais, ao telemóvel, sozinho, na entrada de um prédio.
2.
Vêm pela rua, com mochilas e roupas largas. Falam alto dos mecanismos de comunicação online. Quando nos cruzamos, 1 das amigas garante às outras 2, com entusiasmo: “Eu tenho 271 amigos!”.
3.
Colocou na Internet a petição de casamento à namorada. Espera reunir "10.000 assinaturas de apoio, oficiais, até ao Verão". Escreve, no email: “Isto não é spam. Passem palavra, com muito amor.”
A minha irmã passou por cá, deixando aquele rasto de optimismo que a caracteriza, quando não está pessimista. Pegou num livro que estava em cima da mesa, enquanto bebericávamos chá,
Positivamente e me levam a fazer outras coisas, dirijo-me
Às pessoas de que gosto, nunca às de que não gosto;
Sempre me pareceu insensato que se pare,
Nem que por um momento, de admirar, há
Sempre actos e coisas que nos ajudam
neste cálculo infernal da distância entre o dia de hoje
e a nossa morte. E qualquer pessoa dar um passo que seja
em direcção ao que não aprecia, para insultar, ou derrubar,
parece-me brutal perda de tempo, uma falha grave
no órgão de admirar o mundo
(deves combater uma ou duas vezes na vida,
se combateres duzentas vezes
é porque os combates são fracos). (…)”
Cara ou coroa? Roda a moeda sobre o capô brilhante ainda quente, disparada pelo indicador da mão direita e o polegar da esquerda, cada um para seu lado, como irmãos de unhas encardidas, subitamente desavindos. Gira. Cara? Feia, redonda, sardenta, linda de morrer, encovada, metade, pálida, de caso, de cu, carantonha. Rodopia. Coroa? De espinhos, diamantes, molar, canino, princesa ervilha-de-cheiro, sapo encantado, rei de paus, dama antiga no secador do cabeleireiro. Roda a moeda, roda sem fim, dançando louca na fibra de vidro ou lá de que é feito isto agora. Roda solteirona embriagada de volteio, roda sem parar, embalada por uma estranha energia, rebola agora em automobilístico plano inclinaaaaaaado… Merda!
Será uma questão de probabilidades: nunca imaginei que o raio do restaurante – comida boa, preço justo – ia ter assunto com poucos dias de intervalo. Numa mesa, o responsável por uma conhecida empresa de sondagens. Na mesa do lado, um secretário de Estado, acompanhado por três jovens – dois homens e uma mulher, fardados com competência. Depois de saldar a conta, o homem das sondagens, com a gravata enfiada no bolso do lenço do casaco, abeira-se do governante. Primeiro, surgem algumas informações sobre a oscilação das intenções de voto, de uma forma geral. Depois, a conversa desliza para o buraco de Lisboa. Este e aquele e aqueloutro. “Neste momento, o apelido só o puxa para baixo” afiança o homem dos inquéritos, acrescentando que “o João sabe disso!”. Despede-se mas volta para picar o membro do governo: “Faça lá um exercício intelectual para descobrir o terceiro nome!” atira, da porta, fazendo o interlocutor saltar da cadeira e segui-lo para a rua. Faites vos jeux!