28.7.06

AXLE MUNSHINE 2

in Público ...

O Vagabundo dos Limbos
Por CARLOS PESSOA
Segunda-feira, 5 de Fevereiro de 2001

Uma tradição, tão antiga como o mundo, diz que o sono é irmão da morte. Ora, essa é apenas uma forma de dizer que há um momento em que o corpo abandona o estado de vigília e se entrega ao merecido descanso nos braços de Morfeu, franqueando as portas que dão acesso à dimensão onírica da existência. Com efeito, se o corpo se rende a um merecido descanso, o mesmo não tem que acontecer forçosamente com a consciência individual e é aqui que o comportamento de Axle Munshine assume o seu mais pleno e total significado.

No começo de tudo havia o desejo do editor francês Hachette regressar ao mundo da BD, em meados da década de 70. Graças à intervenção do crítico Henri Filippini, o desenhador e argumentista francês Godard encontra-se com o desenhador espanhol Ribera para discutir projectos e ideias. Um encontro num café da praça da Ópera, em Paris, encerra o negócio: ambos farão uma série de ficção científica para ser editada directamente em álbum, como recorda Ribera: "Afastámos as histórias que apenas apresentassem os aspectos exteriores do género, ou seja, histórias em que bastava substituir o foguetão ou o corte de cabelo para poder ser também um 'western', os escafandros por chapéus de coco para termos um policial. Creio que isso impressionou Godard, tanto mais que eu acrescentei - 'não hesites em contar coisas que, em princípio, eu não seja capaz de ilustrar'". Assim será e Axle Munshine tornar-se-há em pouco tempo uma das mais imaginativas, originais e surpreendentes séries da banda desenhada europeia.

Antes de se tornar conhecido no universo como Vagabundo dos Limbos - na feliz expressão encontrada pelos seus criadores para significar essa terra de ninguém onde o herói prossegue a sua demanda errante e solitária -, Munshine conheceu glória e poder como Grande Conciliador da Guilda, uma instância estelar de domínio e regulação implacável dos destinos plurais de todas as civilizações e sistemas solares do universo. Porém, cometeu um único mas decisivo erro: atreveu-se a sonhar, o que lhe estava rigorosamente interdito enquanto cidadão de Xylos. Esse gesto transgressor do décimo terceiro mandamento da Guilda é a sua perdição e nem o estatuto soberano de que beneficia até então o salva.

Com o desapego que parece ser apanágio dos que sabem não haver uma radical diferença entre a vida e a morte, porque é essa transição que simbolicamente todo o ser humano vivencia no ciclo das 24 horas mesmo quando não se dá conta disso, Axle Munshine ilude a vigilância dos perseguidores e evade-se a bordo da hiper-sofisticada nave construída pelo próprio pai. É o começo uma saga que o leva a todos os recantos visíveis e invisíveis do universo, procurando em todas as culturas e civilizações os sinais de uma única e absoluta presença - Chimeer, a bela e inefável mulher dos seus sonhos, uma utopia sempre perseguida e nunca alcançada até agora.

Nesta insensata aventura leva consigo Musky, herdeiro do Príncipe dos Eternautas. Esta criatura que tem a capacidade, como todos os da sua raça, de escolher o seu sexo no momento aprazado, é testemunha silenciosa dessa absurda deambulação que parece condenada ao fracasso - mas nem sempre, sendo proverbiais os acessos de cólera com que brinda Axle Munshine, que não gosta de ser pressionado e reage com uma sublime indiferença em todas as circunstâncias, mesmo as mais perigosas e dramáticas. Por esse sonho, de uma realidade tão absoluta e significativa como não encontra, paradoxalmente, nos momentos em que está acordado, Munshine desafia e resolve enigmas essenciais. Aventura-se em labirintos de onde ninguém regressou, afronta a face de Deus, atreve-se por planetas inabitáveis, arrisca-se pelos meandros do tempo que esculpem a memória até ao esquecimento.

Não é certo, porém, que o herói retire dessas experiências todas as ilações e proveitos. De facto, ele não parece ter consciência, no final de cada aventura, de que nunca está mais perto do seu sonho do que no início. De facto, dir-se-ia que acontece a Munshine algo que é da natureza paradoxal do sonho - como quando se foge desesperadamente de um perigo iminente sem conseguir sair do mesmo sítio -, isto é, as coisas e as pessoas estão ao alcance da sua mão mas não basta um acto de vontade para que elas se modifiquem ou alcancem.

Obviamente, é nesse eterno recomeço que reside o segredo da série, um permanente e estimulante relançamento do herói no caminho da aventura, apostado em empurrar um pouco para mais longe os seus próprios limites. E quando assim é, perdoar-se-ão com facilidade algumas fraquezas evidentes, e em especial um desenho pouco coerente e seguro.

Nome: Vagabundo dos Limbos
Criador: Julio Ribera (desenho) e Christian Godard (texto)
Data de nascimento: 1975
Local: Edições Hachette
Época: intemporal
Série: ficção científica
Sinais particulares: Axle Munshine, o ex-Grande Conciliador da Guilda, é um proscrito do espaço, tendo caído em desgraça por violar um dos mais fundamentais interditos cósmicos - sonhar. Desde então, percorre os mundos conhecidos e desconhecidos a bordo do todo-poderoso "Delfim de Prata", uma fortaleza voadora auto-suficiente onde vive na companhia do andrógeno Musky, o palhacinho que apenas aguarda por um sinal para se decidir a ser homem ou mulher.

2 comentários:

PB disse...

chato.

PB disse...

Gosto mais assim.
Eu só tenho 10 albuns ... mas em francês já vai no 22 ou 23 ..