9.7.06

A "Guerra Gelada"

Agora que a Coreia do Norte, com uns estranhos mísseis de curta duração, quer fazer de União Soviética e a América de Bush quer continuar a fazer de América (é fácil, não?), recuperando o clima de "Guerra Fria" do pós-Guerra do século passado, leio uma notícia, vinda a lume no suplemento de "Economia" do Diário de Notícias da última 6ª-feira, a páginas 14, que me deixa pasmado: "Funcionários da Coca-Cola apanhados a roubar informação e vendê-la à Pepsi". Descontando as imprecisões e os erros de português deste título, passemos ao núcleo duro dos factos, à matéria noticiosa propriamente dita: a jornalista Cátia Almeida diz-nos, então, que "(...) Três funcionários da Coca-Cola, nos Estados Unidos, estão a ser acusados pelo FBI por espionagem industrial. Os empregados terão roubado informação confidencial da empresa, incluindo uma amostra de uma nova bebida, tentando vendê-la posteriormente à Pepsi." Até aqui, nada de mais: há espionagem industrial desde que há indústrias, empresas, mercado, concorrência, capitalismo, etc. Em suma, há notícia, mas não há novidade. Os dois parágrafos seguintes é que são de assombrar. Duvidam? Então leiam isto: "Só que a rival da Coca-Cola não gostou da atitude, por muito valiosa que fosse a informação. Depois de contactada, a Pepsi denunciou o caso ao FBI, colaborando com as autoridade para desmascarar os espiões. / Mais: avisou a Coca-Cola que tinha recebido uma carta de "um funcionário de alto nível" da companhia, dizendo que tinha "informação muito confidencial e detalhada". Em troca dos documentos, os colaboradores pediram à Pepsi 1,5 milhões de dólares. E foram apanhados no dia em que se preparavam para receber este montante da Pepsi." O mundo mudou? Ou só a Pepsi? Se os concorrentes começam a agir deste modo, adeus espionagem industrial. Têm medo? A ética e a lei passaram a contar? Estranho, muito estranho... E imaginem agora que o vírus se espalha por outras áreas da economia, da sociedade, da política mundial. Dois norte-coreanos, cansados do Kim Jong Il, decidem dar com a língua nos dentes e revelam, à administração americana, o segredo bem guardado da melhor (!?) cerveja norte-coreana. Deve Bush entregá-los, com a ajuda preciosa das manobras sempre eficazes da CIA e do FBI, aos seus patrões de Pyongyang? Ou vice-versa? Não: os espiões merecem o nosso respeito, sejam militares ou civis; actuem no plano político ou industrial. É preciso preservá-los, protegê-los; não denunciá-los! Como é que John Le Carré poderá desenvolver a sua carreira de romancista? Caramba, sem o Garganta Funda não existiria Watergate, nem filme do Pakula, nem livros do Bob Woodward e do Carl Bernstein... Revelados os espiões da Coca-Cola pela Pepsi matou-se, à nascença, o Colagate. É pena. Assim é tudo mais limpo e honesto. Mais branco (e nós não somos esquimós, não temos não sei quantos cambiantes de branco!). Enfim, uma espécie de mundo colgate: um mundo que lava mais branco. Sem zonas negras, cáries, um hálito a aventura e a perigo. Sem adrenalina. Mas com muita Coca-Cola.

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