16.9.06

As Raízes

Deixamos os filhos com o avô e a bisavó maternos e seguimos para sudeste, para o interior do país. Escolhemos uma rota conhecida de viagens passadas e distantes de anos. Mas descobrimos, com a ajuda de dois rapazes estrangeiros que vêm em sentido contrário, que aquela estrada está incrivelmente esburacada ao longo de 30 quilómetros. Demasiados, para quem deseja chegar cedo à vila, lugar de onde um rapaz de 13 anos partiu, há muitos mais, a caminho do Algarve para ganhar a vida no comércio, fugindo ao destino dos trabalhos duríssimos do campo em pleno tempo de Salazar. Esse rapaz foi, é meu pai. Decidimo-nos, pois, pela estrada do Torrão. Em Vila Nova da Baronia, C. reconhece o sítio de uma primeira e única viagem de comboio comum. Eu revejo, do carro em andamento, o muro alto de cor ocre que ainda ladeia a estrada que vai dar à vila pelo lado do Altinho. Por aqui passei, algumas vezes, na infância dos verões quentíssimos, encavalitado na carroça da tia C. Viramos agora à direita, depois à esquerda. E descemos. É sempre a descer até encontrarmos restos de raízes. Os tios e os primos que se revêem apenas em casamentos e funerais. Todos muito mais velhos. As minhas tias: viúvas. As histórias que se cruzam e chocam. Primos que estão na Holanda. Primos que trabalham na construção ("Lá para os lados das minas de Aljustrel!") e criam cavalos. Um primo que vejo chorar pela primeira vez. E, a meio da tarde, o corpo do tio regressa à terra de onde veio, como se as raízes dos corpos os reclamassem. As palavras reconfortam? Regressamos agora pelas Alcáçovas, a seguir Montemor. A camioneta da carreira que me levava de regresso a casa, depois de 8 ou 10 dias de "férias grandes em Viana", seguia também por aqui. Seguimos; recolhemos os filhos; regressamos a lugar nenhum. Um dia havemos de partir outra vez.

1 comentário:

j disse...

As palavras podem reconfortar.