29.9.06

La Dolce Vita ...


Anita Ekberg
Date of birth: 29 September 1931
Malmö, Skåne län, Sweden ... a senhora faz hoje 75 anos ... saudades do sr. Marcello Mastroianni

Ludoterapia

Um vazio caótico. Como um jogo de damas depois de um murro na mesa. Como um dominó sem pintas, um xadrez sem rei nem roque. Uma voz: sem batota, puxa o tabuleiro e arrisca um jogo.

GPS

Este lugar ainda não foi descoberto mas todas as coordenadas são familiares.

Depressão

A vida, a papel químico.

28.9.06

Traduzir Kafka(s)


Basta comparar a primeira frase: "uma manhã"/"certa manhã"; "acordou"/"despertou"; "sonhos inquietos"/"um sonho agitado"; "viu-se na sua cama transformado"/"viu que se transformara, durante o sono"; "num monstruoso insecto"/"numa espécie monstruosa de insecto"... A cada um a sua metamorfose; no plural: "as metamorfoses".

Comunidade de Leitores 3

"Quando uma manhã Gregor Samsa acordou de sonhos inquietos, viu-se na sua cama transformado num monstruoso insecto. Estava deitado de costas, rijas como uma couraça, e, cada vez que levantava um pouco a cabeça, via a barriga castanha, abaulada e dividida por escoras em forma de anéis, no cimo do qual a coberta, prestes a resvalar por completo, mal se aguentava. As suas muitas patas, lastimavelmente delgadas em comparação com o resto do corpo, tremulavam, desamparadas, diante dos olhos."

Franz Kafka, A Transformação (A metamorfose), tradução de Álvaro Gonçalves, Assírio e Alvim, Lisboa, 2004, p. 111.

Comunidade de Leitores 2

"Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho agitado viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa de insecto.
Permaneceu de costas, as quais eram duras como uma couraça, e, erguendo um pouco a cabeça, conseguiu ver a saliência do seu grande ventre castanho, dividido em nítidas ondulações. As cobertas escorrregavam, irremediàvelmente, do alto da curva, e as pernas de Gregor, lamentàvelmente finas, comparadas ao seu tamanho primitivo, agitavam-se, impotentes, diante dos seus olhos."

Franz Kafka, Metamorfose, tradução de Breno Silveira, Livros do Brasil, Lisboa, s/d, p.9.

Título(s) do(s) Tesouro(s) (ou do(s) Besouro(s)?)


Uma colega minha fala-me de uma aluna sua que anda a ler Kafka. Parece que manifestou vontade de ler O Processo depois de ter lido "as metamorfoses", assim, no plural. Não sei se este plural é da responsabilidade da minha colega ou da sua aluna, mas parece-me este um daqueles lapsos que são mais verdadeiros do que a própria realidade. Sim, o original é Metamorphose, traduzível em português por Metamorfose, ou A Metamorfose, ou até A transformação (na tradução de Álvaro Gonçalves, edição Assírio e Alvim, 2004), respeitando-se o sigular do original. Mas qualquer leitor de Kafka percebe que o mundo, a sociedade não admitem o singular, procurando esmagá-lo, isolá-lo, reduzi-lo a coisa nenhuma, ou a coisa no meio das outras coisas, um número mais no grande Plural. As Metamorfoses? Sem dúvida: a de Gregor Samsa, e todas as outras de todas as personagens como reacção a essa primeira metamorfose. Por vezes, ler ou dizer erradamente significa acertar em cheio.

FESTA IBÉRICA na Idade média?

Continuamos na idade média e por lá ficaremos nos próximos séculos ...
Ainda se gasta dinheiro a construir praças de toiros em pleno século XXI!
E a RTP (que raio de serviço público) tb gasta dinheiro a produzir e a transmitir estas MERDAS!!!!!!!!

FINDING YOU, The Go-Betweens

FINDING YOU

What would you do if you turned around
And saw me beside you
Not in a dream but in a song?
Would you float like a phantom
Or would you sing along?

Don’t know where I’m going
Don’t know where it’s flowing
But I know it’s finding you

What would you do
If you saw me driving by in a car
The quickest you’ve ever seen me spin?
Would you smile and wave
Or would you bow and get in?

Don’t know where I’m going
Don’t know where it’s flowing
But I know it’s finding you

But then the lightning finds us
Burns away our kindness
We can’t find a place to hide
Come the rainy season
Surrender to our treasons
Can we even find our tears?

Don’t know where I’m going
Don’t know where it’s flowing
But I know it’s finding you

e sempre Joy Division ...

27.9.06

Comunidade de Leitores 1

"Queixamo-nos muitas vezes de que os políticos mentem, mas de forma inconsciente pedimos-lhes que o façam. Nunca votaríamos neles se dissessem a verdade tal qual é, se não dessem essa impressão de omnisciência e omnipotência que todos sabemos que estão muito longe de possuir."
Fernando Savater, Os Dez Mandamentos no Século XXI..., Dom Quixote, p. 43.

Os Livros & As Vidas


Um colega devolve-me um livro (esses terríveis 102 Minutos, de Jim Dwyer e Kevin Flynn, que vocês já leram) que reteve durante alguns meses. Folheando despreocupadamente as páginas, reparo que há um "recibo de vencimento" em seu nome (Janeiro, 2006) a fazer as vezes de marcador. O mesmo colega empresta-me um livro seu (Os Dez Mandamentos no Século XXI- Tradição e actualidade do legado de Moisés, de Fernando Savater) e, a meio da leitura, dou conta de que há uma "ficha de contacto" de uma visita da senhora X à "Embaixada da República de Angola - Consulado Geral, Lisboa", para "emissão do passaporte", na data Y, com entrada às 10 h. e saída às 13.30h. (Fez-se a viagem?) Amanhã, o seu a seu dono, devolvo "recibo de vencimento" e "ficha de contacto" ao meu colega (os Mandamentos seguirão após frutuosa leitura, espero!). Acompanhados de dois ou três dos muitos marcadores que tenho cá por casa...

25.9.06

Gregos & Troianos

Para uns, somos muitos. Para outros, poucos. Para uns, falamos alto. Para outros, quase não se ouve. Para uns, somos tolerantes em demasia. Para outros, o contrário. Para uns, temos de dizer tudo. Para outros, calar para evitar mais sangue. Para uns, o melhor é partir. Para outros, ficar. Para uns, o silêncio. Para outros, ruídos, barulheira infernal. Para uns, o campo. Para outros, a praia. Para uns, a cidade. Para outros, a montanha. Para uns, tudo. Para outros, nada. Para uns, queimar e incendiar. Para outros, já ardeu o suficiente. Para uns, o princípio. Para outros, o fim. E tudo recomeça e termina. E termina. E recomeça. E é preciso traçar uma linha.

Depois de atravessar os desertos poeirentos...

do Oeste americano, o jovem Blueberry chega à civilização. Onde é o "Saloon" desta cidade?

24.9.06

Fomos ver os cavalinhos...

e andámos de charrete.

23.9.06

("Everything You Know Is Wrong": U2: ZOO TV)


E escreve mais postes no teu blog.

"Fantasmas..."


Num texto de João Lopes ("Maior que a vida", "6"ª, edição de ontem), fico a saber que James Nachtwey fotografou o 11/09 e as filmagens de World Trade Center, o filme de Oliver Stone. Nas páginas 20 a 23 do suplemento do Diário de Notícias, são mostradas 8 fotografias, numa montagem que inclui título, texto do crítico e uma única legenda. Algumas fotografias são claramente do filme, outras não sabemos (sobretudo 3, nas páginas 22 e 23). Onde começa a fotografia da realidade e a fotografia da ficção? E onde termina? Fotografar é ficcionar? Sempre? Questão em aberto. A legenda, única, diz: "Nachtwey estava a reencontrar os fantasmas ficcionais das imagens que, ele próprio, registou durante o dia 11 de Setembro de 2001". É todo um programa. Sigamos a sugestão de João Lopes e confirmemos com os nossos próprios olhos aqui.

Vizinhos 2

C. descobriu, hoje de manhã, que o miúdo do rés-do-chão frente é seu aluno. Foi quando, em vez de "bom-dia, vizinha", ouviu "bom-dia, setôra". C. ainda não tinha dado por isso. C. tem, no presente ano lectivo, 108 alunos. Cento e oito. Tem um ano para os conhecer. Se é que se pode falar em conhecer.

Vizinhos 1

A minha prima, que é também minha vizinha, bate-nos à porta, a meio da tarde. Algo agitada, pergunta-me se já fui à garagem... Não, não fui. Então é preciso que vá, parece que há um fumo estranho. Vou. E, de facto, há uma neblina inexplicável na cave do prédio, onde se situam as garagens. Também parece cheirar a madeira queimada, típico cheiro de lareira acesa, se o meu pouco fiável nariz não me engana. Mas não consta que haja lareiras no piso subterrâneo do prédio... O que será? Começamos a traçar cenários pessimistas: o que se desconhece, assusta. Curto-circuito? Alguma substância auto-inflamável? Resolvemos informar um dos administradores. Dizemos-lhe o que se passa. Sorri. E explica: esteve, de serra eléctrica em punho, a cortar placas madeira na sua garagem, daí o cheiro a queimado e a ligeira nuvem de fumo. Ou, mais exactamente, de fina poeira... sem fogo.

22.9.06

20.9.06

U2 | New Year's Day | War

Yeah...
All is quiet on New Year's Day
A world in white gets underway
I want to be with you
Be with you night and day
Nothing changes on New Year's Day
On New Year's Day

I will be with you again
I will be with you again

Under a blood red sky
A crowd has gathered in black and white
Arms entwined, the chosen few
The newspapers says, says
Say it's true it's true...
And we can break through
Though torn in two
We can be one

I...I will begin again
I...I will begin again

Oh...
Maybe the time is right
Oh...maybe tonight...

I will be with you again
I will be with you again

And so we're told this is the golden age
And gold is the reason for the wars we wage
Though I want to be with you
Be with you night and day
Nothing changes
On New Year's Day

19.9.06

Um Ar Sério

O propósito essencial deste post é retirar o riso do cabeçalho. Escrevo: afinal, quem é que ele pensa que anda a enganar com estas pequenas mensagens optimistas, anotações zen, de moleskine de trazer por casa? Boa tentativa, rapaz! Agora: uma pausa ( ).

Pequenos Prazeres

Rir. É o melhor remédio? Nem sempre mas, certamente, muitas vezes. Trata-se de uma comédia clássica de portas e enganos, com algumas piadas manhosas e outras com alguma graça. Não é bem o meu género mas os desempenhos de José Pedro Gomes e António Feio, que também encena, valem uma passagem pelo Villaret. Ontem foi o último ensaio geral com público. Estreia hoje.

18.9.06

Pequenos Prazeres

Gravlaxsas. Um molho intenso, à base de mostarda e endro, salpica o salmão, na companhia de uns brócolos al dente. Um modesto contributo para este combate, que me parece muito justo.

17.9.06

Era Uma Vez

Para que serve uma história? K., aliás, Katurian Katurian Katurian explicará: "Eu não estou a tentar dizer nada. É essa a minha busca". Um escritor é interrogado pela polícia de um regime totalitário sobre o conteúdo macabro dos seus contos e a relação com uma série de homicídios infantis. Porque é que escrevemos?

O magnífico texto de Martin McDonagh serve a auspiciosa estreia na encenação do realizador Tiago Guedes, com um notável Gonçalo Waddington, muito bem acompanhado por Marco D'Almeida, Albano Jerónimo e João Pedro Vaz. Está no Teatro Maria Matos, até 15 de Outubro. Façam o favor de ir ver.

Crepúsculo (primeiras impressões)

Os primeiros raios de Sol não me aqueceram. Ao primeiro olhar, o jornal mais novo parece o mais antigo. Escolheram letras de tamanho grande para os textos – bom para olhos cansados, mau para aprofundar os assuntos. A manchete é uma história sem grande fôlego, ainda assim uma notícia, com o bónus de, visivelmente, ter irritado Isaltino Morais.

Na página 8, junto ao Estatuto Editorial, algumas promessas para os próximos números. Por exemplo, uma grande entrevista com o procurador Souto Moura, que talvez seja interessante. Por exemplo, As Confissões, de José António Saraiva, sobre as circunstâncias da saída do Expresso e episódios da vida daquele jornal. Falta de assunto? Mega-umbigo?

Nas penúltimas páginas, um Blogue de papel, assinado por Marcelo Rebelo de Sousa, um dos contributos com chamada de primeira página. O autor explica: “este Blogue corresponde às notas pessoais de um diário. Inesperado? Talvez. Mas será assim neste regresso aos jornais.” Cansaço.

As contas do próximo orçamento: o Sol garante que o ministério da Ciência é o único que não sofre cortes, o Expresso, com uma notícia mais detalhada, garante que o único que escapa é o das Obras Públicas. A prova dos nove do rigor pode começar, mais à frente, por aqui?

O novo jornal traz uma revista que nada acrescenta e um pequeno guia, o Essencial, absolutamente dispensável. O Expresso agarra-me durante mais tempo, nomeadamente na leitura do suplemento Actual – a cultura parece-me ser um dos calcanhares de Aquiles do novo projecto. O Expresso tem ainda a vantagem de ter um ilustrador muito bom – conferir páginas 28 e 30 do suplemento de economia.

Expresso 1 – Sol 0

16.9.06

As Raízes

Deixamos os filhos com o avô e a bisavó maternos e seguimos para sudeste, para o interior do país. Escolhemos uma rota conhecida de viagens passadas e distantes de anos. Mas descobrimos, com a ajuda de dois rapazes estrangeiros que vêm em sentido contrário, que aquela estrada está incrivelmente esburacada ao longo de 30 quilómetros. Demasiados, para quem deseja chegar cedo à vila, lugar de onde um rapaz de 13 anos partiu, há muitos mais, a caminho do Algarve para ganhar a vida no comércio, fugindo ao destino dos trabalhos duríssimos do campo em pleno tempo de Salazar. Esse rapaz foi, é meu pai. Decidimo-nos, pois, pela estrada do Torrão. Em Vila Nova da Baronia, C. reconhece o sítio de uma primeira e única viagem de comboio comum. Eu revejo, do carro em andamento, o muro alto de cor ocre que ainda ladeia a estrada que vai dar à vila pelo lado do Altinho. Por aqui passei, algumas vezes, na infância dos verões quentíssimos, encavalitado na carroça da tia C. Viramos agora à direita, depois à esquerda. E descemos. É sempre a descer até encontrarmos restos de raízes. Os tios e os primos que se revêem apenas em casamentos e funerais. Todos muito mais velhos. As minhas tias: viúvas. As histórias que se cruzam e chocam. Primos que estão na Holanda. Primos que trabalham na construção ("Lá para os lados das minas de Aljustrel!") e criam cavalos. Um primo que vejo chorar pela primeira vez. E, a meio da tarde, o corpo do tio regressa à terra de onde veio, como se as raízes dos corpos os reclamassem. As palavras reconfortam? Regressamos agora pelas Alcáçovas, a seguir Montemor. A camioneta da carreira que me levava de regresso a casa, depois de 8 ou 10 dias de "férias grandes em Viana", seguia também por aqui. Seguimos; recolhemos os filhos; regressamos a lugar nenhum. Um dia havemos de partir outra vez.

Sol & Lóquio

Tanta gente a falar sózinha. Esta mulher jovem, com ar cansado, que puxa de um cigarro. Esta, mais velha, com passo rápido e um saco de jornal. Este homem, parado diante de uma montra com quadros de naturezas mortas. Será que falar sózinho é ainda falar?, pergunto eu ao outro que me completa e divide.

Salmão ou Pescada?

Tanta gente com sacos das compras, cheios de palavras. Pergunto-me, enquanto escolho o peixe: qual é, afinal, o papel dos semanários? Acabo por trazer o salmão e a pescada, que a peixeira arruma numa caixa transparente de plástico, um confortável (e pouco ecológico) desenvolvimento em relação ao tradicional embrulho de jornal.

Aurora

"Dia de Sol no continente..". Levanto a sobrancelha esquerda, numa ruga de expressão da suspeita, quando escuto o locutor na rádio, antes das notícias das oito da manhã. Será uma informação credível, que sustente a certeza de um par de calções, ou estamos perante uma insidiosa campanha de marketing, que aconselha umas calças para enfrentar uma maior gama de possibilidades? Mais à frente, no noticiário, surge a história de um novo jornal nas bancas. O director, José António Saraiva, destaca os diversos motivos de interesse do projecto. "(...) e temos também a Etiqueta, onde explicamos às pessoas como se devem comportar em determinadas ocasiões".

À cautela, opto pelas calças e saio para um café e uma visita ao quiosque.

14.9.06

Joy Division, Love Will Tear Us Apart, 1980

When the routine bites hard
And ambitions are low
And the resentment rides high
But emotions wont grow
And were changing our ways,
Taking different roads
Then love, love will tear us apart again

Why is the bedroom so cold
Turned away on your side?
Is my timing that flawed,
Our respect run so dry?
Yet theres still this appeal
That weve kept through our lives
Love, love will tear us apart again

Do you cry out in your sleep
All my failings expose?
Get a taste in my mouth
As desperation takes hold
Is it something so good
Just cant function no more?
When love, love will tear us apart again

13.9.06

A Cor do Asfalto

Auto-estrada do Sul, sentido norte, princípio da tarde. Baixa de Corroios. Bicha inesperada. A chuva cai com intensidade. Na cabeça da bicha, um carro da Brigada de Trânsito, a filtrar a passagem dos outros veículos. As luzes azuis no tejadilho cortam o cinzento do dia. Quando passo pelo carro-patrulha, vejo à minha direita a razão do problema: um grande cão preto corre na berma da auto-estrada, ao longo das placas de isolamento sonoro. Centenas de carros esperam lentamente a sua vez de passar. Mas há uma felicidade inerente ao momento, ao próprio acontecimento: os homens, os carros respeitam o desespero do animal, a chuva refresca o seu corpo que deve estar quente de suor. Há uma certa beleza nisto; uma espécie de afirmação vital, selvagem, frágil: um cão a correr na auto-estrada. Não é suposto acontecer mas, mesmo assim, acontece. De súbito, como uma estranha revelação.

Energias Alternativas (e tudo o vento levou)

A., que trabalha em Lisboa, comprou umas casas velhas, antigas, numa aldeia ribatejana. Tornou realidade o sonho de um refúgio tranquilo. Catorze anos depois, escreve-me um email a contar/denunciar que este ano passou as férias a dormir com tampões nos ouvidos. O pequeno parque eólico (3 ventoinhas), que foi instalado a uns 600 metros das casas, não é boa vizinhança. A. cita um técnico camarário local que descreve o funcionamento das ventoinhas como um bater de martelo pneumático, constituindo assim, certamente, um verdadeiro caso de impacto ambiental. A. diz que tem corrido seca e meca em busca de uma intervenção para acabar com o desassossego mas só encontrou o habitual e generalizado encolher de ombros.

12.9.06

Six Feet Under (à portuguesa)

Vejo-os, só num relance, à minha esquerda: sentados, lado a lado, no degrau da agência funerária. Um, o dono, 50 e muitos anos, bigode & cabelo grisalhos; o outro, o ajudante, mais novo, óculos, bigodinho, pêra fina & curta. Os fatos toldados por uma ponta de desleixo, agora, neste intervalo de tempo em que não há nada para fazer. Ninguém morreu? Boa notícia para nós! As quatro meias brancas, como neve, contrastam com os sapatos negros e os canos subidos das calças pretas. Eu passo devagar. Respeitando os limites de velocidade dentro da localidade. E continuo a passar. A passar. A passar... E eles levantam-se e vão-se embora.

"Paciência, Humildade" e Esplendor na Relva

"Vencemos uma grande equipa porque somos uma grande equipa também" disse Marco Caneira, no final do jogo onde brilhou com uma bela actuação e um soberbo golo ao temível Inter. Pode parecer arrogância mas creio que é apenas um sinal da ambição da jovem equipa. Gostei muito de todo o grupo, apesar dos excessos de individualismo do Nani. Não vou muito à bola com aquele Alessandro. Não sei explicar muito bem porquê - há uma sobranceria no olhar que já lhe tinha notado nas palavras quando foi apresentado. Este Sporting, de quem vi hoje o primeiro jogo completo, não parece precisar disso.

11.9.06

11 de Setembro de 2006

Uma vez que não lembro de quase nada do 25 de 74, posso dizer que, na minha vida, há dois acontecimentos em que vi a história a ser engolida pelo presente, dois momentos que nada pôde deter. E, a partir deles, algo mudou em mim (ou continua a mudar). E muito mudou no mundo. São aqueles momentos em que lembramos muito bem onde estávamos, com quem, a fazer o quê. Momentos de fractura, de antes e depois. O primeiro ocorreu em Novembro de 1989: de repente, o Muro de Berlim estava a ser derrubado. Simbólica e politicamente, num primeiro instante. Depois, literalmente, com martelos e ponteiros. Eu estava no Chiado, num fim de tarde húmido mas agradável, no Clube Português de Artes e Ideias, a ajudar a organizar um ciclo de conversas sobre o pós-modernismo. Alguém entrou trazendo essa notícia e fiquei espavorido, sem chão para pisar. Corri para a rua crepuscular e comprei a edição (penso que seria a segunda desse dia) do saudoso Diário de Lisboa, com uma grande fotografia de uma faixa do Muro a ser derrubada pela multidão. Uns anos depois, trouxe de Berlim dois ou três fragmentos do que restava dessa Cortina de Ferro, arrancados de forma rápida e clandestina com um martelo e uma chave de fendas que A. nos emprestou. E disse: "Ich bin ein berliner." O outro acontecimento foi (ou é? o tempo verbal correcto é o pretérito? ou o presente?), claro, o ataque de há cinco anos. Acabado de chegar da escola, para almoçar, assisti espantado, depois horrorizado, via Jornal da Tarde da SIC, à sequência inimaginável de acontecimentos desse dia. Não esquecerei a incapacidade do Paulo Camacho, reflexa da nossa, de compreender inicialmente o perfeito estupor que as imagens da CNN mostravam: em directo, o segundo avião acabara de embater, e ele dizia-nos que eram imagens do avião a embater no WTC. Precisámos todos de algum tempo, quanto?, para compreendermos que eram dois (e depois ainda mais dois) os aviões... e não um! De resto, continuo a sentir que não compreendemos, que algo de fundamental nos escapa, que as imagens mostram o terror, mas que elas são insuficientes para explicar o que aconteceu. Que alguém está a esconder partes importantes do todo. Isso de que falas, J.: tristeza, compaixão, solidariedade incondicionais com a memória das pessoas que morreram naquele inferno ou dele escaparam; com as pessoas que ajudaram outras a sobreviver (o livro que referes conta algumas dessas histórias admiráveis de sacrifício, profissionalismo, sentido humanitário); com as famílias que choram os seus mortos. Mas também o problema. O incómodo. O fanatismo alimentado pelas políticas cegas e militaristas da administração americana. Saber que isso não resolve nenhum problema, só cria mais problemas (o Iraque, mais vítimas inocentes, o crescendo do terrorismo...) E saber que a democracia tem de se defender dos seus inimigos óbvios (os terroristas), mas também dos inimigos menos óbvios, lobos com pele de cordeiro. Saber que ser nova-iorquino é também saber isso. Poder dizer isso. Poder dizer, na margem sul do Tejo, às dez e meia da noite portuguesa, em português: "Também eu sou um nova-iorquino." Sem ponto de exclamação.

NYC

Estou em frente à televisão e choro, entre a CNN e a Sky News. As lágrimas escorrem-me pela cara, soluço. Admito que esteja frágil por outros motivos mas sinto que estou verdadeiramente a partilhar a dor com os familiares das vítimas dos ataques contra o World Trade Center. Sinto-a fundo, enquanto vejo agora as pessoas que descem a rampa da Zona Zero, com flores, alguns retratos, óculos escuros, almas sombrias (outra vez) num dia de sol; enquanto vejo e oiço os familiares a lerem os nomes dos mortos: invocação, saudade, homenagem. A leitura do livro 102 Minutos, durante a semana passada, deve ter a sua quota parte de responsabilidade nesta sensibilidade mas o que vos queria dizer é que de nada adiantam os discursos, as análises; bem sei que há muitos mortos, inocentes, por todo o mundo, vítimas da insaciável gula dos senhores de Washington, etc, mas não é isso que me interessa agora. Eu sou do Oeste. Eu sou de uma cultura de tolerância, de divergência. Eu sou daqui, deste cruzamento de culturas, de inquietações, de sonhos e pesadelos. Eu sou nova-iorquino. Eu quero respeitar o outro, tanto quanto peço que o outro me respeite a mim. Quero poder discordar, de forma pacífica. Rejeito todos os fundamentalismos. Não consigo imaginar o choque brutal que rasgou tantas vidas, tantas famílias há cinco anos. Alguns familiares escrevem nomes, parece que numas tábuas de madeira, junto a um pequeno tanque onde vão flutuando (cada vez mais) flores. Não quero ser ingénuo: bem sei que há muito de encenação e política neste cerimonial mas tenho a certeza que há emoções soltas ao vento, genuínas, puras. Claro que podiam poupar-me à imagem algo simiesca do senhor presidente em pose de respeito, junto de alguns bombeiros da cidade – dispensava a azia. É aqui que me secam as lágrimas. Mas não deixo de me sentir nova-iorquino. Um pouco mais do que o senhor Bush, se me permitem.

11|09

10.9.06

As Chaves de Casa (Gianni Amelio, 2004)



Foi um texto de João Lopes, no "6ª" do DN de há umas (longas) semanas atrás, que chamou a minha atenção para o filme. Era um belo texto e cumpriu a sua função: deixou-me com muita vontade de conhecer o objecto que o motivou. Acabei de o ver, o filme. E é belíssimo, e muito triste. Um pai, Gianni, encontra, pela primeira vez, um filho de 15 anos. Com algumas deficiências motoras e certa instabilidade nervosa e emocional, Paolo foi abandonado pelo pai logo depois do nascimento (ficamos a saber que o parto foi a causa de morte da mãe de Paolo). Pai e filho conhecem-se no momento deste iniciar um tratamento num Hosptital de Berlim. Viajam de comboio da Itália até ao coração da Europa (os comboios estão sempre a chegar e a partir, trazendo e levando pessoas com as suas pequenas histórias de sofrimento e alegria). Paolo começa os tratamentos e vamos assistindo ao modo como ele e Gianni se vão conhecendo, encontrando e desencontrando, através de acontecimentos tão simples como dormir no hotel, tomar um banho ou comer um bife com batatas fritas. Tudo isto filmado com sensibilidade, justeza e realismo, evitando-se sempre a queda na exploração fácil da comoção ou da compaixão do espectador. Gianni Amelio consegue um filme marcado pela ideia de respeito: respeito pela história magnífica, pelas personagens, pelos actores (espantoso Andrea Rossi a fazer de Paolo!). Sem moralismos, com franqueza e frontalidade. O que, em certos momentos, leva o filme a atingir graus elevados de crueza e desassombro: por exemplo, aquele em que, numa estação de metro, a personagem de Charlotte Rampling, magnífica de contenção, depois de 20 anos a tratar com ternura e amor maternais inexcedíveis Nadine, a filha deficiente, se pergunta "por que não morre?" ela... O filme termina, depois, nos campos verdejantes da Noruega, para onde Gianni leva o filho, numa espécie de fuga que vai ter que terminar com o regresso a casa (a Itália, à normalidade das vidas e dos acontecimentos quotidianos, às famílias estabelecidas de pai e filho, necessariamente desestabilizadas pelo dado novo da sua nova relação...) que já não vemos. O pai chora sob os céus pesados da Noruega e é o filho que o acalma: "Se não chorares, deixo-te jogar PlayStation!" E isto é dito com toda a sinceridade que se tem aos 15 anos. Último ponto: a esplendorosa canção do genérico final: "Deus do Fogo e da Justiça", na voz absolutamente do outro mundo de Virgínia Rodrigues, perfeita desconhecida para mim. Diz-vos alguma coisa? "Quieto, falará!" Ouçamos, então.

8.9.06

.

6.9.06

Trolleys


Novidade positiva (também há!) para este ano lectivo: decido comprar um trolley para transportar o material de trabalho (livros, dossiês, cadernos...) e poupar a coluna, que começa a queixar-se dos maus tratos que lhe tenho dado. As rodas produzem sons diferentes no asfalto, no empedrado das calçadas, no chão liso dos corredores. Chego à escola e os comentários disparam: "Andas a passear o cãozinho?"; "Vais de férias outra vez?"; "Regressaste à primária?"... Digo a tudo que sim. Enquanto vão e vêm os comentários descansam as costas!

Aqui

- Para onde vamos?
- Para longe.
- E isso, onde fica?
- Perto.

(diálogo extraído da apresentação do filme 98 Octanas, à beira de estrear)

where are iu?

where
are iu?
where
are iu?
where
are iu?
where
are iu?
where
are iu?

5.9.06

Quanto tempo mais? ...


Até parece que é novidade ...

A investigação no âmbito do processo Apito Dourado detectou que vários árbitros foram abordados para prejudicar o Benfica na época 2003/04, revela hoje o Diário de Notícias.

"A investigação do processo Apito Dourado detectou, pelo menos três jogos, durante a época 2003/04, em que houve manobras de bastidores para prejudicar o Benfica", escreve hoje o jornal.

De acordo com o DN, numa das partidas, entre os encarnados e o Nacional (que o Benfica perdeu por 2-3), foi interceptada uma conversa telefónica entre o empresário António Araújo e o presidente do clube madeirense, Rui Alves, sobre a actuação do árbitro Augusto Duarte.

"Manda quem pode, obedece quem tem juízo", terá dito o empresário, citado pelo jornal.

Os indícios recolhidos pelo Ministério Público (MP) neste caso passam, sobretudo, por escutas telefónicas e foram remetidos à comarca do Funchal.

O DN escreve que não conseguiu apurar se o processo seguiu para a acusação ou se foi arquivado.

Segundo o MP, uns dias antes do jogo Nacional- Benfica o presidente do clube madeirense informou o empresário António Araújo da nomeação de Augusto Duarte, indica o jornal. "Rui Alves terá pedido a Araújo para este abordar o árbitro", ao que o empresário afirmou: "Pronto, eu toco a andar mesmo", disse, chegando mesmo a contactar Augusto Duarte.

Segundo o diário, "ao mesmo tempo, o empresário ligado ao futebol e com negócios com o FC Porto ia dando conta das diligências a Pinto da Costa e a outros dirigentes do FC Porto".

"Nota o procurador Carlos Teixeira que o FC Porto tinha interesse no resultado desse jogo, já que nesta altura do campeonato, o Benfica ocupava o terceiro lugar e ainda não estava arredado da luta pelo título", indica o DN.

Também há nos autos uma conversa telefónica entre António Araújo e Luís Gonçalves, da Sociedade Anónima do FC Porto (SAD), em que o primeiro refere ter estado a "tratar com o presidente aquela situação do Nacional", afirma o jornal.

De acordo com o DN, o outro desafio que consta do processo é o Benfica-Boavista, de 18 de Janeiro de 2004.

"Segundo o MP, Valentim Loureiro, presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, ligou a Júlio Mouco, elemento da comissão de arbitragem, sugerindo o nome do árbitro Elmano Santos para o jogo em questão, acrescentando que não queria que fossem nomeados árbitros assistentes da Madeira e de Lisboa", afirma o diário.

Nesse contexto, João Loureiro, presidente do Boavista, contactou Carlos Pinto, funcionário da Liga, para este dar um "toque" ao árbitro. "O homem tem de ser chamado à atenção", terá dito João Loureiro.

O Boavista acabaria por perder o jogo (2-3) e Valentim Loureiro terá telefonado a Elmano Santos "bastante irado", segundo o MP.

Terca-feira, 5 Setembro de 2006, in Record

2.9.06

Miami (U) 2


"(...)
love the movies... love to walk those movie sets
get to shoot someone in the foot
get to smoke some cigarrettes
no big deal we kwow the score
just back from the video store
got the car and the car chase
what's he got inside the case
I want a close up of that face
here comes the car chase

MIAMI MY MAMMY
MIAMI

I bought two new suits... miami
pink aND BLUE... MIAMI
I TOOK A PICTURE OF YOU... miami
getting hot in a photo booth... miami
I said you looked like madonna
you said... maybe... said I want to have your baby... BABY
WE COULD MAKE something beautiful
something that wouldn't be a problem
at least not in... miami

some places are like your auntie
but there's no place like
MIAMI MY MAMMY"

U2, "Miami", in Pop, 1997.

Miami (Vice) 1


Um dos filmes do ano. Ainda que não seja um filme perfeito: acompanho a crítica de falta de coragem de Michael Mann para levar mais longe o sentimento trágico da história que conta, salvando da morte a namorada de "Rico " e deixando ferir apenas um dos elementos do grupo de detectives no tiroteio final - como se as balas escolhessem somente os peitos e as cabeças dos "maus" para fazer estragos... Mas é um filme memorável: pela imagem granulada que reforça os grãos de solidão, dureza e desencanto das personagens; pelas noites quentes e húmidas, com as tempestades tropicais em suspenso; pelos relâmpagos ao fundo; pelas falas murmuradas das personagens; pela banda sonora poderosíssima, mas delicada, contida - aspectos que as críticas ao filme sublinharam, e que deixam entrever que o mais importante não é a história narrada (mais uma, afinal, sobre agentes policiais infiltrados nos mundos sujos e milionários do capitalismo global e do tráfico de drogas), mas o trabalho extraordinário de sons e imagens em movimento, que são a carne viva do filme. Não é fita para se ver em casa no DVD, portanto, mas na sala grande, no escuro, num écran maior do que a vida. Tudo começa, ao som de "Numb" dos Linkin Park, com Colin Farrel em diálogo com uma barwoman líndissima ("Rita, from Lisbon, Portugal") no espaço claustrofóbico de uma discoteca e termina numa madrugada cinzenta com os cabelos compridos de Farrel batidos pelo vento forte de Miami Beach a fazerem rima com as folhas longas das palmeiras empurradas por esse mesmo vento, sob um céu triste e nublado. Inesquecível! Se não viram ainda, vão ver! Rápido! "Go! Go! Go!"

Os Ventos da História


O Independente (de que fui leitor irregular durante algum tempo) foi um jornal que passou anos a dizer que o Partido Comunista estava morto ou, pelo menos, a morrer. Hoje fechou as portas. Hoje, dia da inauguração da trigésima edição da Festa do Avante!. Os Ventos da História são Irónicos e Imprevisíveis...

Fórum Almada Vice


Por volta da meia-noite, depois de ter visto o filme (veloz, granulado, nocturno, ventoso...) sento-me num sofá, em pleno Centro Comercial. E aguardo, usando o clássico disfarce do jornal aberto para controlar as movimentações à minha volta. Passados cerca de 20 minutos, o segurança do Centro vem perguntar-me se espero alguém. Ouvem-se vozes suspeitas no seu aparelho de rádio... Respondo que não, que apenas leio o jornal. Passam mais 20 minutos e os meus dois contactos acabam por chegar: uma mulher morena, talvez com 35 anos; e um rapazito com 8, 9 anos, também moreno; ambos disfarçados na pequena multidão que abandona o cinema, depois da última sessão da noite. Com uma rápida troca de olhares entre nós, sem palavras, junto-me a eles, verificando primeiro que o segurança se distraiu com duas teenagers de cabelos soltos e saltos altos. Aproveito para conduzir os meus contactos para as escadas rolantes e, depois, para o parque de estacionamento, onde me aguarda o BMW que nos traz, sempre no limite da velocidade máxima, até a este local seguro onde agora escrevo. A noite está quente como as noites de Miami. Os meus contactos já dormem. Missão cumprida.