3.8.06

Linguagem Gestual

Também na Visão desta semana, uma entrevista a Eduardo Prado Coelho, 62 anos, intelectual coscuvilheiro, como ele próprio admite. A propósito da doença com que convive nos últimos tempos, uma colangite, EPC diz que “o corpo só se sente verdadeiramente na doença” e lembra uma expressão utilizada por Hervé Guibert, um companheiro do filósofo Foucault: “todos os dias, perco um gesto”. EPC concorda: “Todos nós, a partir de certa altura, perdemos gestos. Perdemos a capacidade de fazer não-sei-quantas-piscinas.”

Penso que a maioria de nós não tem consciência dos gestos que compõem o eu, no dia a dia, embora exista uma grande vigilância sobre os gestos do outro. Talvez os actores e os bailarinos tenham maior consciência do corpo, na acção quotidiana. E os dândis, claro! E depois, há gestos que se perdem de forma consciente, e outros que se dissipam sem darmos conta disso. Os meus gestos de fumar que, em boa parte, eram gestos conscientes e que ajudavam a definir a minha personagem (veja-se os desenhos de PB), foram apagados de forma intencional. Correr desaustinado para apanhar o autocarro foi um gesto que ficou pendurado há alguns anos, na fronteira da idade adulta. De uma forma geral, quando penso retrospectivamente os meus gestos dos últimos tempos, sinto que há uma desaceleração, os gestos parecem ter menos urgência. Isso é evidente na forma como conduzo. Mas há ainda muitos gestos crispados. Também por isso, não devemos esperar pela doença para sentirmos de que carne, osso, músculo e gesto somos feitos.

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