2.5.07

Nós / Voz


Portugal, um retrato social é um extraordinário cometimento televisivo e cultural. Deve ser isto o serviço público de televisão. Algumas observações críticas podem, sempre, fazer-se (por exemplo, demasiada atenção ao urbano, ou a Lisboa, como no episódio de ontem), contudo parece ser consensual, junto da imensa minoria (?) que tem seguido o programa, que se trata de um trabalho de grande nível. Noto, porém, da parte dos meus amigos e colegas, mais ou menos fiéis à série, uma reserva clara e unânime em relação à qualidade da voz de António Barreto para fazer a locução. Uma voz, dizem-me, monótona, monocórdica, pouco expansiva, nada expressiva. Não tenho a mesma opinião. Na verdade, acho que a visão de Portugal que Barreto apresenta (é a sua visão, não a de outro) se expressa essencialmente através da sua voz, elemento tão importante como as imagens e as informações (ideias, dados estatísticos, interpretações, etc.) veiculadas ao longo dos programas. O Portugal de Barreto é o Portugal expresso pela natureza distanciada dessa sua voz não-televisiva: um país que mudou muito, para melhor, em múltiplos aspectos, mas marcado por profundas desorientações, dificuldades, problemas. A voz de Barreto é, no fim de contas, 33 anos depois do 25 de Abril, a voz melancólica, e nada sofisticada ou cativante, de um país sem ilusões.


(Ainda a propósito de vozes, faço minhas as palavras de M. e sugiro que a excelente banda sonora da série, composta por Rodrigo Leão, seja complementada com a audição da colecção de cd's do Público sobre os últimos 50 anos de música portuguesa. Muitas vozes, muitos retratos de Portugal.)

4 comentários:

j disse...

Completamente de acordo contigo (e tu sabes que a voz é matéria que me é cara). Foi um dos aspectos da serie documental de que mais gostei, desde o início, sobretudo pelo contraste com a gritaria mediática de rotina. A clareza da voz e a clareza dos textos, que alguns parecem confundir com simplismo. Já tive uma discussão acalorada (mas saudável) sobre isso - e sobre o ritmo pausado da realização, de que também gosto - com uma amiga da TV. Para mais, embora bastante mais "monocórdica", a voz de Barreto lembra-me, pelo timbre e pela calma, a voz de um grande profissional da rádio (e da TV e, agora, dos jornais): Adelino Gomes.

Lp disse...

Grandes profissionias, todos. Todos. Fui claro?

j disse...

Tu és cristalino, amigo! E bondoso.

Mónica (em Campanhã) disse...

sobre a voz do Barreto: concordo em absoluto. não podia ser nenhuma outra.

neste "episódio" fiquei apavorada foi com a história das saídas à noite das crianças. aos 11, 12 anos??? ai! buscá-los à disco às 5 da manhã? ai... baby-sitters automoblizadas? sexo, drogas, álcool e rock'n'roll???? ai... ai, socorro...