Nota prévia
Desdramatizar este caso que, não tarda (quanto a mim), cai no esquecimento público, não me parece desrespeitoso para com as feridas sentidas pelos familiares e amigos das vítimas do fascismo. É, parece-me, reafirmar a vontade de renovar Abril, com tolerância e discernimento.
25 de Abril, sempre!
Com todo o respeito pelo notável pensador, acho um exagero falar em “morte simbólica do 25 de Abril”, como faz Eduardo Lourenço, em declarações ao jornal Público de hoje. Talvez importe voltar a sublinhar o facto de se ter tratado de um concurso televisivo sem qualquer relevância técnica e científica, do ponto de vista da auscultação dos portugueses (as verdadeiras sondagens realizadas, atiram Salazar para uma cadeira menos notada). Já não me custa subscrever que a pobreza genérica do universo televisivo e os ziguezagues das políticas educativas, nas últimas décadas, têm intoxicado a alegria de Abril.
O maior
Numa recente viagem à Turquia, confirmei que a figura de Mustafá Kemal Pasa (1881-1938) é absolutamente tutelar naquele país. O retrato do homem, que ficou para a história como Atatürk (pai dos turcos), é visível em quase todos os restaurantes e lojas de Istambul, dos mais antigos aos mais modernos. Falando com as pessoas, percebemos que a admiração e o agradecimento, são genuínos e partilhados por velhos e jovens. Afinal, foi ele quem conduziu a Guerra da Independência e fundou o novo país, há menos de um século. Não sei se a TV Turca teve alguma versão do concurso mas não tenho dúvidas sobre o largo consenso (com excepção dos sectores muçulmanos mais radicais) que se formaria em redor de um nome e de uma figura, por razões inteiramente claras. Podemos ambicionar o mesmo em Portugal a não ser, talvez, em relação ao calmeirão (era grande, não era?) que bateu na mãe e espadeirou pátria abaixo?
O concurso
Não acompanhei de perto mas sempre me pareceu que se pretendia comparar o incomparável, de forma básica e trôpega. Como algumas vozes (a de Pacheco Pereira, por exemplo) já fizeram notar, se a RTP tivesse tido algum tino (e gastasse melhor o nosso dinheiro) , realizava programas informativos sobre várias personalidades e depois apresentava uma grande e credível sondagem. Mas isso não era lá grande circo de audiências, pois não? Assim, como também notaram diversos comentadores, aconteceu o costume: os mais radicais mobilizaram-se e os extremos ideológicos aplicaram-se no mediático braço de ferro.
O segundo
A propósito, não merecerá um comentário o facto de Álvaro Cunhal surgir em segundo lugar? Claro que o “prémio” de ser o “maior” teria sido justo, na medida em que Cunhal foi uma figura central no combate à ditadura, e bem sofreu com isso mas, já agora, convém não esquecer o tipo de sociedade que Cunhal e os companheiros da linha dura comunista defendiam para Portugal. Eu sei que isto pode chocar almas mais sensíveis mas não vejo grande diferença em ser perseguido por tipos de sobretudo cinzento ou vermelho – a não ser o facto do vermelho dar mais nas vistas.
Os gajos
Confesso que não percebo o espanto perante o facto de existirem alguns milhares de admiradores do ditador de Santa Comba. Pensavam que tinham fugido todos para o Brasil ou se tinham refugiado debaixo dos calhaus, nas Selvagens, à moda dos lacraus? Não sejamos ingénuos, ele há por aí por muito facho e muita gente danadinha para ter um dótóre daqueles a acabar com as poucas-vergonhas. Há também, por estes dias, notícia de uns aracnídeos que parecem apostados em tomar de assalto o associativismo estudantil. Os maus ventos que já sopram noutros países aconselham vigilância cívica mas, já agora, sem paranóias. E, de uma vez por todas, uma abordagem séria do sistema educativo - principal antídoto para os extremismos que se aproveitam da ignorância e da pobreza de espírito.
5 comentários:
Basicamente de acordo. Mas importa reforçar que Salazar nos roubou a liberdade e que Cunhal lutou por ela. E que aceitou (primeiro confusamente, mas depois serena e firmemente) o jogo da liberdade e da democracia portuguesa...
De acordo. Não sei se me expressei mal, não o estava a colocar ao nível do Oliveira. Quis apenas notar como foi em redor destes extremos que tudo se jogou naquela treta televisiva. Mas o teu comentário é justo: quando percebeu que não havia alternativa, Cunhal jogou com as regras do jogo. Sem dúvida! E foi de uma coerência exemplar que só não se admira mais porque roçou o caricato, no que às voltas do mundo diz respeito.
Subscrevo completamente! Quanto a um eventual vencedor daquele concurso teria de ser o Infante D. Henrique. O homem que abriu as portas do novo mundo ...
O Infante também era bem visto, claro! Mas - é o problema da história dos protagonistas... - quer com o Henriques quer com o Henrique, estavam centenas (milhares)de homens que ajudaram nas empreitadas. Lição da história: isto não vai lá com salvadores da pátria, se não dermos todos uma ajuda. Soa um bocado a Brecht, não é? :-) "Quem construiu Tebas, a das sete portas? Nos livros vem o nome dos reis, Mas foram os reis que transportaram as pedras?"
é preciso não esquecer que quem vota nestes concursos deve ser o mesmo pessoal que elege Zés Marias e afins.
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