22.1.07

Bicicletas na Poesia Portuguesa Contemporânea 1


Estas viagens começam com Luís Veiga Leitão, em 1955, ano da publicação do livro Noite de Pedra. Aqui a experiência de encarceramento por razões políticas é objecto de transfiguração estética da mais alta valia, em versos de ritmo tenso, mas classicizante, de notória espessura poética e humana. Interessa-me, sobretudo, o célebre, belíssimo poema dedicado "A Uma Bicicleta Desenhada na Cela":

Nesta parede que me veste
da cabeça aos pés, inteira,
bem hajas, companheira,
as viagens que me deste.

Aqui,
onde o dia é mal nascido,
jamais me cansou
o rumo que deixou
o lápis proibido...

Bem haja a mão que te criou!

Olhos montados no teu selim
pedalei, atravessei
e viajei
para além de mim.

Magnífico conseguimento poético... neo-realista!: a bicicleta como metáfora da fuga, da hipótese de liberdade, da esperança contra o espaço claustrofóbico da cela, ali "onde o dia é mal nascido". A bicicleta desenhada, e a "mão" desconhecida que a "criou", confundem-se, num movimento comunicante, com a mão que escreve o poema, fazendo deste a outra bicicleta que assegura ao poeta a possibilidade de viajar "para além de " si e das paredes que o oprimem. Pedalemos, pois!
(Luís Veiga Lietão, pseudónimo literário de Luís Maria Leitão, nasceu em 1912 e morreu em 1987. A sua Poesia Completa foi editada pela Asa, na colecção Terra Imóvel).

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